JUSTIÇA

Dallagnol articulou manifestações contra o STF

Mensagens reveladas pelo Intercept mostram que movimentos de direita Vem Pra Rua e Mude foram usados como porta-vozes de causas políticas pessoais do procurador da Lava Jato
Por Gilson Camargo * / Publicado em 12 de agosto de 2019
As articulações de Dallagnol para emplacar nomes de sua preferência nas vagas abertas pela morte de Teori Zawaski começaram menos de 24 horas depois da queda da aeronave que transportava o relator da Lava Jato no STF

Foto: Carlos Humberto./SCO/STF

As articulações de Dallagnol para emplacar nomes de sua preferência nas vagas abertas pela morte de Teori Zawaski começaram menos de 24 horas depois da queda da aeronave que transportava o relator da Lava Jato no STF

Foto: Carlos Humberto./SCO/STF

Alinhado a partidos políticos de direita, o movimento Vem Pra Rua é um dos grupos de “militantes” que surgiram após a operação Lava Jato e que foram usados por Deltan Dallagnol como porta-vozes de causas políticas pessoais do procurador e da operação, revelam mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram do arquivo que originou a série de reportagens #Vaza Jato e que teve sua 15ª parte publicada nesta segunda-feira, 12, pelo site The Intercept Brasil. Dono de uma página de Facebook com mais de 2 milhões de seguidores, o Vem Pra Rua foi um dos principais organizadores de marchas pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. É liderado por Rogerio Chequer, que aproveitou a notoriedade para concorrer a governador de São Paulo pelo partido Novo e em seguida virou cabo eleitoral de Jair Bolsonado. O outro grupo cooptado pelo procurador é o Instituto Mude – Chega de Corrupção. Os diálogos revelados pelo Intercept detalham como o procurador da Lava Jato pautou atos públicos, publicações em redes sociais e manifestações dos movimentos de forma oculta, tomando cuidados para não ser vinculado publicamente a esses grupos e suas ações.

Dallagnol tentou influenciar a escolha do novo relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal para a vaga aberta por Teori Zavascki. O ministro, que respondia pelos processos da operação no STF e morreu em um acidente de avião em Paraty, no Rio de Janeiro, no dia 19 de janeiro de 2017. As articulações do procurador para emplacar um nome de sua preferência para a vaga de Teori começaram menos de 24 horas depois que a aeronave na qual viajava mergulhou nas águas do litoral fluminense matando o relator da Lava Jato e outras três pessoas. A morte de Teori deixou vagas duas cadeiras no Supremo: o posto de relator dos processos da Lava Jato na corte e o de responsável pelos casos que envolviam políticos com foro privilegiado.

OBSESSÃO – A procuradora Thaméa Danelon, que chegou a coordenar por dois meses, no final de 2018, o braço paulista da Lava Jato era muito próxima de Dallagnol. Em diversas ocasiões, ela foi a interlocutora do procurador com o Vem pra Rua, revelam as mensagens recebidas pelo Intercept de fonte anônima. O outro grupo usado por Dallagnol é o Instituto Mude — Chega de Corrupção, inicialmente criado para coletar assinaturas a favor das dez medidas contra a corrupção, um pacote de mudanças legislativas que se tornou uma obsessão pessoal de Dallagnol. “Embora o Mude não informe isso em seu site, o coordenador da Lava Jato no Paraná atuou como um diretor informal do movimento, que chegou a organizar encontros numa igreja frequentada pelo procurador – e em que ele é pregador eventual”, revela o site.

O projeto das dez medidas contra a corrupção foi retirado da pauta de votação da Câmara no dia 17 de março de 2016 por falta de quórum. Ao saber que a medida não seria votada, Dallagnol correu para o Telegram e mandou uma mensagem no grupo Parceiros 10 Medidas MPF: “Caros, votação será adiada para terça feira. Agora temos que adotar uma estratégia forte, de diferentes frentes. Uma delas será colocar 500 pessoas no Congresso. Já alinhei isso com o MUDE e eles têm capacidade para fazer isso”. O procurador queria ampliar para a sociedade a coleta de assinaturas em favor da prisão em segunda instância, até então restritas a juízes e procuradores e propôs à procuradora Thaméa Danelon: “Se Vc topar, vou te pedir pra ser laranja em outra coisa que estou articulando kkkk”. Em outro diálogo com a procuradora, ele define a estratégia de pressão que será feita nas redes sociais:

Thaméa Danelon – 13:44:49 Já acionei o VPR, Nas Ruas, Brasil Melhor, Brasil Livre

Deltan Dallagnol – 13:44:55 Danilo, precisamos o quanto antes de uma divisão de tarefas: 1) quem fala com que veículo de imprensa. Entrevistas serão mais fáceis de emplacar do que artigos. 2) quem fala com que deputado. Era bom dividirmos os deputados da comissão e os líderes 3) orientação padronizada do conteúdo da abordagem 4) quem tiver contato com movimentos teria que pedir algo na linha da única linguagem que os deputados falam: a do voto e próximas eleições. A estratégia dos movimentos tem de ser de name and shame nas redes sociais. A segunda estratégia é ligar, tuitar, mandar e-mail… 5) Estou em SP e vou tentar espaço nos jornais Folha e Estadao, falando com os donos

Danelon – 13:44:56 – Eles vão lotar a Câmara na terça

 

Após a derrota das dez medidas na Câmara, Dallagnol passou a usar o Mude e o Vem Pra Rua para outras tarefas, entre as quais influenciar a escolha do relator da Lava Jato no STF após a morte de Zavascki. “Atuando nos bastidores dos grupos e insuflando-os a pressionar o STF, Dallagnol estimulou a rejeição dos nomes de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e do atual presidente da Corte, Dias Toffoli, para a relatoria das ações da operação. Os diálogos mostram ainda que o procurador articulou ações para constranger ou pressionar ministros nos julgamentos que discutiram a prisão em segunda instância”.

De acordo com o Intercept, em 2017 Dallagnol encomendou a esses movimentos uma campanha para forçar Michel Temer a indicar o primeiro nome da lista tríplice encaminhada em 27 de junho de 2017 pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) ao cargo de procurador-geral da República. O escolhido substituiria Rodrigo Janot, que comandou o órgão durante o surgimento e a ascensão da Lava Jato. Os procuradores mais votados pelos pares foram, por ordem, Nicolao Dino, Raquel Dodge e Mario Bonsaglia. o chefe da Lava Jato no Paraná chamou Dino – irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB – no Telegram e expôs a ele sua preferência e seu plano secreto. “Nicolau, parabéns. Não contya para ninguém, mas vou pedir para os movimentos sociais fazerem campanha para (você) ser nomeado o primeiro da lista”, escreve Dallagnol no Telegram, em uma mensagem repleta repetições de letras para dar ênfase e de erros grosseiros de digitação.

Depois de confirmar que Dino não tinha restrições à indicação, ele manda uma nova mensagem para os colaboradores do Mude. “Caros, Nicolao ganhou. Ele é a voz anticorrupção. é o primeiro da lista tríplice”, anunciou. “Sem mencionar minha sugestão, Vcs conseguiriam articular uma campanha para (ele) ser nomeado o primeiro da lista? Ele é o top. Essa campanha não tem legitimidade se sari (sair) da gente. Apenas se sair da sociedade”, insufla o procurador. Temer frustrou a mobilização ao indicar Raquel Dodge para a PGR. À colega Anna Carolina Resende, de Brasília, Dallagnol lamentou: “Temer foi esperto. Não nos (deu) tempo para nos articularmos (sic) pelo primeiro. Eu já estava falando com os movimentos em favro (favor) de uma campanha”, escreveu o procurador, pedindo: “não comente isso”.

*Com informações do site The Intercept Brasil.

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