Senado aprova marco temporal paralelo e confronta decisão do STF
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Em franca queda de braço com o Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta, 27, o Plenário do Senado presidido por Rodrigo Pacheco aprovou o projeto que regulamenta os direitos originários de indígenas sobre suas terras (PL 2.903/2023).
Trata-se de uma espécie de marco temporal paralelo para atender a pauta política da bancada do agronegócio, inconformada com a decisão do Supremo, na semana passada, de derrubar a tese que beneficiaria interesses do setor.
De um lado, a maioria dos senadores se posicionou por dificultar a demarcação de terras para os povos indígenas, mas por outro, estes mesmos senadores usaram o Plenário do Senado para fazer demarcação política.
Foram 43 votos a favor e 21 contrários. A autoria é do ex-deputado Homero Pereira, morto em 2013, agora relatado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO). O projeto segue agora para a sanção do Presidente Lula.
A toque de caixa, a matéria passou pela manhã pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e foi enviada ao Plenário no mesmo dia, quando o requerimento para o texto tramitar em regime de urgência foi aprovado.
Entre os principais pontos, o texto restringe demarcação de novos territórios indígenas aos locais que estavam ocupados por eles em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal — tese jurídica que ficou conhecida como marco temporal para demarcação de terras indígenas e já considerada inconstitucional pelo STF.
O texto aprovado também prevê a exploração econômica das terras indígenas, inclusive em cooperação ou com contratação de não indígenas. A celebração de contratos nesses casos dependerá da aprovação da comunidade, da manutenção da posse da terra e da garantia de que as atividades realizadas gerem benefício para toda essa comunidade.
Apesar da velocidade com que entrou em votação, o relator Marcos Rogério defendeu que o texto aprovado na CCJ afirmou que o tema foi debatido de forma profunda e exaustiva e que dispensava inclusão de emendas pelo Plenário.
O senador alega que o projeto devolverá a “segurança jurídica ao Brasil do campo”. Para ele, há um sentimento de insegurança e desconforto no meio rural, por conta da indefinição do limite para demarcação. Para o senador, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em considerar o marco temporal como inconstitucional não vincula o Legislativo.
Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Enquanto isso, do outro lado da Praça, no STF…
Enquanto isso, do outro lado da Praça dos Três Poderes, em último ato antes de sua aposentadoria, a presidente Rosa Weber de Supremo Tribunal Federal (STF), coordenou a sessão que fixou a tese de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1017365, em que o Tribunal rejeitou a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) como marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.
Entre outros pontos, ficou definido que, nos casos em que a demarcação envolva a retirada de não indígenas que ocupem a área de boa-fé, caberá indenização, que deverá abranger as benfeitorias e o valor da terra nua, calculado em processo paralelo ao demarcatório, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso. Não haverá indenização nas terras indígenas que já estejam reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, a não ser que o caso já esteja judicializado. Confira a íntegra da decisão do Supremo.
Nelson Jr./SCO/STF
Para senadores, demarcação, só se for política
“Esta é uma decisão política. Hoje, estamos reafirmando o papel desta Casa. Com esse projeto, o Parlamento tem a oportunidade de dar uma resposta para esses milhões de brasileiros que estão no campo trabalhando e produzindo”, disse o relator.
Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chamou para si a responsabilidade e compromisso com a tramitação da matéria. Defendeu-se ao dizer que não houve, por parte da Presidência da Casa, nenhum “açodamento” para apressar a votação.
O presidente ainda defendeu que o Congresso Nacional se posicione sobre questões importantes para o país. Pacheco reafirmou seu respeito a todos os setores, negou que a aprovação do projeto seja um enfrentamento ao STF e pediu foco na conciliação e no respeito entre os Poderes.
“Não há sentimento revanchista com a Suprema Corte. Sempre defendi a autonomia do Judiciário e o valor do STF. Mas não podemos nos omitir do nosso dever: legislar”, disse.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) disse que o projeto é uma forma de dar uma satisfação à sociedade. Ela elogiou a postura firme e decidida dos senadores ao tratar de uma questão “extremamente importante”, que pode ajudar na pacificação do país. O senador Zequinha Marinho (PL-PA) também defendeu a aprovação da matéria, apontando que o texto está há 17 anos sendo discutido no Congresso. Segundo o senador, o país seguirá cuidando de seus povos originários.
“Esta Casa (o Senado) precisa fazer sua obrigação: legislar, para que outros não façam seu papel. Este projeto é importante para o Brasil, por trazer segurança jurídica”, afirmou Zequinha.
O senador Omar Aziz (PSD-AM) disse não concordar com uma política ambiental que nega a existência de habitantes na floresta amazônica. Ele citou como exemplo a dificuldade de asfaltar uma rodovia em seu estado. Na visão do senador, a questão do STF “somatiza” com as decisões de políticas ambientais. Omar Aziz ainda acusou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de “estreitismo”. De acordo com a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), a aprovação do tema mostra a importância de o Senado legislar.
“O projeto traz paz no campo, paz na cidade. Se continuar do jeito que está, podemos ter até uma guerra civil”, declarou a senadora.
Na opinião do senador Jayme Campos (União-MT), a aprovação do marco temporal faz o Senado reassumir suas prerrogativas. Ele disse que o projeto é uma forma de respeitar os produtores rurais e os indígenas, levando segurança e paz ao campo. Na mesma linha, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) disse que o projeto é uma forma de trazer segurança jurídica e aproximar o Senado da sociedade.
Para o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o Senado está dando uma resposta à população brasileira. Ele disse não ver inconstitucionalidade no projeto de lei. Segundo Soraya Thronicke (Podemos-MS), a política atual do governo deixa indígenas e produtores insatisfeitos. A prova, disse a senadora, é que não havia indígenas nas galerias do Plenário do Senado para pedir a rejeição do projeto.
Retrocesso, perda de tempo, inútil, constrangedora e inconstitucional
Já do ponto de vista do líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), é inócuo votar um projeto que tem um sentido contrário ao que o STF decidiu como constitucional. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que o projeto traz questões que vão além do marco temporal. Ele citou que o texto prevê até explorar e plantar transgênicos nas terras indígenas.
“Isso é inconstitucionalidade flagrante. Retroceder a demarcação é mais que inconstitucional. Por óbvio, será acionada a Suprema Corte”, argumentou Randolfe.
Para a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o projeto tenta modificar o texto da Constituição de 1988. Ela lembrou que, na semana passada o STF já decidiu a questão, ao considerar o marco temporal como inconstitucional. Na visão da senadora, é desumano usar os povos indígenas como disputa entre o Legislativo e o Supremo. Eliziane ainda afirmou que a aprovação marca “um dia triste” para o meio ambiente.
“Se é mudança na Constituição, tem que ser PEC (proposta de emenda à Constituição). O que estamos votando hoje, o STF claramente derrubou por nove votos a dois. Este projeto está fadado ao veto presidencial, registrou a senadora.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) também registrou que a tese do marco temporal já foi reconhecida como inconstitucional pelo Supremo. Ele disse que a votação do projeto não passava de “um teatro, muito bonito para as redes sociais”, mas que não geraria consequências jurídicas, pois um projeto de lei não poderia fazer mudanças constitucionais.
“Que ganho há em colocar esta Casa em mais um constrangimento? questionou o senador.
Senador do PDT votou a favor do marco temporal
Para o senador Weverton (PDT-MA), há erros em vários governos “em não enfrentar o tema como deve ser enfrentado”. Ele disse que há mais de mil famílias desalojadas de suas terras no Maranhão sem indenização. Segundo o senador, os indígenas não querem mais terra, mas estrutura. Ele disse que votou a favor do projeto, mesmo reconhecendo pontos inconstitucionais, porque o Brasil precisa de harmonia e incentivo ao crescimento.
Por outro lado, a senadora Zenaide Maia (PSD-RN) apontou que existem muitos interesses em torno das terras indígenas. Ela falou que os povos indígenas estão sendo “esmagados”, por serem vulneráveis. Para a senadora, o tema precisaria ser debatido na Comissão do Meio Ambiente (CMA) e na Comissão dos Direitos Humanos (CDH).
“É o lucro e o interesse econômico acima da vida. Quem está ganhando hoje é quem financia os garimpos e os grandes latifúndios. Isso é uma página infeliz da nossa história”, afirmou a senadora.
Destaques foram rejeitados
Alessandro Vieira apresentou um destaque para deixar claro que as terras já demarcadas não correrão risco de perder sua condição de reserva indígena. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) também apresentou um destaque, para evitar o contato forçado de povos isolados. Marcos Rogério, como relator, opinou pela rejeição de todos os destaques. Levados a votação, todos os destaques foram rejeitados.
Veja como votou cada senador:
1 – Alan Rick Sim
2 – Alessandro Vieira Não
3 – Ana Paula Lobato Não
4 – Angelo Coronel – Presente (art. 40 – em Missão)
5 – Astronauta Marcos Pontes – Presente (art. 40 – em Missão)
6 – Augusta Brito Não
7 – Beto Faro Não
8 – Carlos Portinho – art. 13, caput – Atividade parlamentar
9 – Carlos Viana Sim
10 – Chico Rodrigues – Presente (art. 40 – em Missão)
11 – Cid Gomes Não
12 – Ciro Nogueira Sim
13 – Cleitinho Sim
14 – Confúcio Moura Não
15 – Damares Alves Sim
16 – Daniella Ribeiro Sim
17 – Davi Alcolumbre Sim
18 – Dr. Hiran Sim
19 – Eduardo Braga Não
20 – Eduardo Girão Sim
21 – Eduardo Gomes Sim
22 – Efraim Filho Sim
23 – Eliziane Gama Não
24 – Esperidião Amin Sim
25 – Fabiano Contarato Não
26 – Fernando Dueire Sim
27 – Fernando Farias Sim
28 – Flávio Arns Sim
29 – Flávio Bolsonaro – Não Compareceu
30 – Giordano – Não Compareceu
31 – Hamilton Mourão Sim
32 – Humberto Costa Não
33 – Irajá – Não Compareceu
34 – Ivete da Silveira – Não Compareceu
35 – Izalci Lucas – art. 13, caput – Atividade parlamentar
36 – Jader Barbalho – Não Compareceu
37 – Jaime Bagattoli Sim
38 – Jaques Wagner Não
39 – Jayme Campos Sim
40 – Jorge Kajuru Sim
41 – Jorge Seif Sim
42 – Jussara Lima Não
43 – Laércio Oliveira Sim
44 – Leila Barros Não
45 – Lucas Barreto Sim
46 – Luis Carlos Heinze – art. 43, I – Licença saúde
47 – Magno Malta Sim
48 – Mara Gabrilli – Não Compareceu
49 – Marcelo Castro Não
50 – Marcio Bittar Sim
51 – Marcos Rogério Sim
52 – Marcos do Val Sim
53 – Margareth Buzetti Sim
54 – Mauro Carvalho Junior Sim
55 – Mecias de Jesus Sim
56 – Nelsinho Trad – Presente (art. 40 – em Missão)
57 – Omar Aziz Não
58 – Oriovisto Guimarães Sim
59 – Otto Alencar Não
60 – Paulo Paim Não
61 – Plínio Valério Sim
62 – Professora Dorinha Seabra Sim
63 – Randolfe Rodrigues Não
64 – Renan Calheiros Sim
65 – Rodrigo Cunha Sim
66 – Rodrigo Pacheco – Presidente (art. 51 RISF)
67 – Rogerio Marinho Sim
68 – Rogério Carvalho Não
69 – Romário Não
70 – Sergio Moro Sim
71 – Soraya Thronicke Sim
72 – Styvenson Valentim Sim
73 – Sérgio Petecão – Presente (art. 40 – em Missão)
74 – Teresa Leitão – Presente (art. 40 – em Missão)
75 – Tereza Cristina Sim
76 – Vanderlan Cardoso Sim
77 – Veneziano Vital do Rêgo – Não Compareceu
78 – Weverton Sim
79 – Wilder Morais Sim
80 – Zenaide Maia Não
81 – Zequinha Marinho Sim