AMBIENTE

Decreto de Bolsonaro muda nome do garimpo para “mineração artesanal”

A pretexto de estimular o desenvolvimento da mineração em pequena escala, decreto apoia garimpeiros e muda regras para liberação de outorgas na Amazônia Legal
Da Redação / Publicado em 14 de fevereiro de 2022

Foto: Christian Braga / Greenpeace

Overflight records Sobrevoo registra áreas de garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Munduruku, no Pará, em setembro de 2019

Foto: Christian Braga / Greenpeace

Decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e publicado no Diário Oficial da União desta segunda-feira, 14, cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa).

De acordo com o governo, o objetivo é estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala através de políticas públicas setoriais. No decreto, a “mineração artesanal” aparece como atividade regida pela lei 7.805, de 1989. A lei que criou o regime de permissão de lavra garimpeira, no entanto, não faz qualquer referência à exploração artesanal. A legislação especifica somente que, para receber a permissão, a área explorada não pode exceder 50 hectares, “salvo quando outorgada a cooperativa de garimpeiros”.

Garimpo ilegal em terras indígenas

Foto: Cimi/ Divulgação

Decreto colocará os trilhos por onde passarão os vagões carregados de garimpeiros com equipamentos, armamentos e munições, alerta Liebgott, do Cimi

Foto: Cimi/ Divulgação

Na prática, o decreto presidencial dá o sinal verde definitivo para os garimpeiros que atuam na extração de ouro em regiões protegidas da Amazônia. De acordo com um levantamento inédito do Greenpeace, nas terras indígenas Munduruku e Sai Cinza, no sudoeste do Pará, o garimpo ilegal destruiu uma área de 632 quilômetros de rios entre 2017 e 2021.

Além de criar o programa, o decreto institui a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, um colegiado do governo responsável por definir as diretrizes para execução do Pró-Mape. O colegiado será coordenado pelo Ministério Minas e Energia e integrado pela Casa Civil e ministérios da Cidadania, Justiça e da Segurança Pública, Meio Ambiente e Saúde.

“Em nossa avaliação, o governo avança suas linhas e agora finca os pilares da garimpagem na Amazônia, como prioridade, para estimular o garimpo ilegal nas terras indígenas. E esse conselho (Comape) será para fazer reverberar as falas de Boslonaro com relação ao garimpo”, afirma coordenador do Cimi Sul, Roberto Liebgott.

O decreto 10966\2022, que institui o Pró-Mape “colocará os trilhos  por onde passarão os vagões carregados de garimpeiros com equipamentos, armamentos e munições”, alerta.

Liebgott acrescenta que os últimos oito meses “desse desgoverno serão desafiadores e precisaremos, mais do que tudo, colocar obstáculos à sua saga devastadora e, para tanto, necessitaremos intensificar as denúncias, as mobilizações e as articulações políticas e jurídicas no Brasil e no exterior”.

Amazônia Legal

A área de atuação prioritária do programa será a região da Amazônia Legal, que abrange os estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão.

Os objetivos elencados pelo decreto são integrar e fortalecer as políticas setoriais, sociais, econômicas e ambientais para o desenvolvimento da atividade da mineração artesanal e em pequena escala no território nacional; estimular as melhores práticas, a formalização da atividade e a promoção da saúde, da assistência e da dignidade das pessoas envolvidas com a mineração artesanal e em pequena escala; e promover a sinergia entre as partes interessadas e envolvidas na cadeia produtiva do bem mineral.

Em um comunicado, o Planalto afirma que o programa inaugura uma “nova perspectiva de políticas públicas sobre a atividade garimpeira no Brasil”. Reforçando declarações de Bolsonaro e do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, entusiastas da liberação do garimpo na região, a nota afirma ainda que a mineração artesanal e em pequena escala é fonte de riqueza e renda para uma população de centenas de milhares de pessoas e argumenta ser “fundamental que as ações de governo reconheçam as condições em que vive o pequeno minerador, o alcance de sua atividade e as necessidades primárias da sociedade circundante”.

Outorga simplificada

Outro decreto publicado no Diário Oficial da União desta segunda-feira determina à Agência Nacional de Mineração (ANM) que estabeleça procedimentos simplificados para liberação de outorgas de garimpos de pequeno porte ou de “aproveitamento das substâncias minerais”.

De acordo com o decreto, o registro de licenciamento pela agência terá de ser concluída em até 60 dias, a contar da data de apresentação da licença ambiental do projeto. Se a agência não se manifestar dentro desse prazo, o solicitante terá seu pedido validado automaticamente.

O argumento do governo é a adequação do garimpo à Lei de Liberdade Econômica, com a simplificação de processos e a liberação de licenças e outorgas para atividades de pequeno porte em diversas áreas da economia.

Devastação

Foto: Polícia Federal

Devastação feita por garimpeiros ilegais em terras protegidas do Pará

Foto: Polícia Federal

De acordo com um levantamento da organização MapBiomas a partir de imagens de satélite e em inteligência artificial, a área minerada no Brasil aumentou de 31 mil hectares em 1985 para 206 mil hectares em 2020, um crescimento de mais de 564%.

Já as requisições para atividades de lavra garimpeira no Amazonas aumentaram 342% no segundo ano do governo Bolsonaro, na comparação com a média da década anterior.  Em 2020 eram cerca de 3 mil processos ativos que atingem uma área de 120,8 mil quilômetros quadrados, quase 10% do território do Amazonas. O levantamento é da Operação Amazônia Nativa (Opan) em parceria com o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Pelo menos 220 lavras de garimpo que registraram produção de ouro em 2019 e 2020 simplesmente não existem, aponta o portal Repórter Brasil em matéria de novembro do ano passado. As lavras existem apenas formalmente: estão autorizadas a funcionar e comercializam o minério, mas quem tentar visitá-las só encontrará mata fechada e nenhum sinal de intervenção humana. “São os chamados “garimpos fantasmas”, utilizados para acobertar a origem do metal extraído clandestinamente e que se espalham pelo país beneficiados pela falta de fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM)”.

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