POLÍTICA

Por que o Congresso barra a pauta LGBT

O país que mais mata pessoas trans é o que elege os parlamentares mais transfóbicos e refratários aos direitos das minorias. Desde 1988, apenas um projeto de lei voltado para os direitos LGBT foi aprovado
Por Douglas Glier Schutz / Publicado em 14 de junho de 2022

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Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados

O Congresso que assinalou o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, em 17 de maio, é o mesmo que barra a pauta de direitos de pessoas trans desde 1988

Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados

O Brasil é, há 13 anos, o país que mais mata pessoas trans no mundo. A pesquisa Trans Murder Monitoring (TMM), realizada pela ONG Transgender Europe, mostra que, dos 4.042 assassinatos registrados desde 2009, 1.549 (38,2%) foram no Brasil. Só em 2021, houve 300 mortes violentas envolvendo a população LGBTQIA+, uma a cada 29 horas.

Esse dado é 8% maior que o do ano anterior, de acordo com o Relatório Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil, do Grupo Gay da Bahia (GGB). No entanto, esses números não são suficientes para os parlamentares brasileiros se atentarem às demandas dessa população.

NESTA REPORTAGEM
Desde 1988, ano da redemocratização do país e da promulgação da Constituição Federal, somente um projeto de lei voltado para a comunidade LGBTQIA+ foi aprovado no Congresso Nacional – dominado por bancadas conservadoras que barram a pauta das minorias em geral.

“Temos no Congresso um grupo de parlamentares muito conservador, que acaba não discutindo esse tema. Eles querem discutir pelo viés da religião, o que fere inclusive o Estado Laico”, explica Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+.

Hoje, há cerca de 50 projetos que contemplam a causa LGBTQIA+ tramitando no Congresso Nacional. Nas Assembleias Legislativas, existem aproximadamente 45 projetos aguardando análise. Os dados foram levantados pelo sistema Jota Pro Tracking, o qual monitora as medidas tomadas pelos poderes Legislativo e Executivo.

Ativista da causa LGBTQIA+ desde 1980, Reis lembra também que a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Juventude e o Estatuto da Pessoa com Deficiência citam a questão da orientação sexual. Contudo, não há legislação específica que assegure os direitos dessa comunidade.

Conquistas na esfera judicial

Foto: Arquivo Pessoal

Reis: Congresso tem figuras históricas que atuam contra os direitos das minorias

Foto: Arquivo Pessoal

Todas as vitórias da causa LGBTQIA+ ocorreram via Supremo Tribunal Federal (STF) ou Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segundo Reis.

Apesar de não ser lei, em 2011 o STF garantiu o direito de união estável para uniões homoafetivas e, em 2013, o CNJ assegurou a “celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.

Esse reconhecimento como “entidade familiar” também possibilitou a adoção de crianças por casais homoafetivos.

Além dessas conquistas, as questões de retificação de nome e gênero para a população trans, a possibilidade de doar sangue e a liberdade de cátedra – para que possam ser discutidos os temas de diversidade sexual dentro das escolas – também foram contempladas, nenhum delas via lei, todas por meio do STF.

“O órgão também garantiu que a LGBTfobia seja considerada racismo, até que o Congresso Nacional se posicione sobre o caso”, informa o presidente da Aliança Nacional LGBTI+.

Bancada evangélica

Assim como existem projetos que visam à garantia de mais direitos para a população LGBTQIA+, também tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados propostas que são contrárias à causa. Aproximadamente 16 projetos lutam contra a pauta, a maioria versa sobre a “ideologia de gênero”.

Liderança da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, o pastor fundamentalista Marco Feliciano (PL-SP) apresentou um projeto que “criminaliza comportamento que induz à ideologia de gênero”.

Com a proposta, ele quer alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente e proibir o uso de expressões como “orientação sexual”, “identidade de gênero”, “discriminação de gênero” e “questões de gênero” em documentos e materiais didático-pedagógicos sob pena de detenção, de seis meses a dois anos e multa.

Um dos projetos mais graves é o da ex-deputada Júlia Marinho (PSC/PA) que “proíbe a adoção conjunta por casal homoafetivo”. Na justificativa do projeto, a parlamentar salienta que a proposição tem a finalidade de “evitar que crianças e adolescentes adotados sejam inseridos em situação delicada e de provável desgaste social”.

Invisíveis para o Censo

A construção de políticas públicas se torna um problema ainda maior quando não existem dados disponíveis sobre essa população. O Censo de 2022, que se inicia no dia 1º de agosto, mais uma vez, não trará dados sobre a população LGBTQIA+.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletar essas informações é incompatível com a metodologia utilizada. Em nota, o órgão informou que essa decisão se dá pelo “caráter sensível e privado da informação”. Conforme o IBGE, “perguntas sobre orientação sexual de um determinado morador só podem ser respondidas por ele mesmo”.

Após ser acionado na Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF), pela falta desses dados no Censo 2022, o IBGE divulgou, pela primeira vez, no dia 25 de maio, informações sobre a orientação sexual da população. Segundo o MPF, essas questões são fundamentais para a criação de políticas públicas voltadas a essa comunidade.

As informações fazem parte da Pesquisa Nacional em Saúde e estão disponíveis onze anos após a instituição da Política Nacional de Saúde Integral LGBT – que tem como um dos objetivos a construção de mais equidade no SUS. Os dados foram coletados em 2019 e levam em consideração o perfil de pessoas maiores de 18 anos.

Maioria minorizada

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O Congresso precisa assumir que há negligência em relação às proteções e direitos LGBTQIA+ no ordenamento brasileiro, alerta Contarato

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Toni Reis vê no Congresso Nacional um reflexo da sociedade, que é repleta de discriminação e preconceito.

“Temos parlamentares que são contra os direitos humanos, direitos de negros e negras, contra as mulheres, contra indígenas e contra a nossa comunidade no Congresso. Temos de 20% a 30% de parlamentares a favor da população LGBTQIA+, mas ainda somos minoria”, afirma Reis.

Senador mais votado do país em 2018, Fabiano Contarato (PT/ES) é uma das vozes da comunidade LGBTQIA+ no Congresso. O parlamentar acredita na política como avanço civilizatório, mas afirma que não existe uma solução rápida ou imediata para acabar com qualquer tipo de preconceito.

“São necessárias políticas estruturadas nas áreas da educação, saúde, economia e segurança. O Congresso precisa avançar e assumir o papel de que há muita negligência para consagrar proteções e direitos LGBTQIA+ no ordenamento brasileiro”, argumenta.

O primeiro projeto aprovado

Para garantir o debate dentro do Congresso, Contarato faz questão de apresentar projetos que foram concebidos para beneficiar toda a comunidade LGBTQIA+ no país.

Entre as propostas, há um projeto de lei complementar que destina recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para o desenvolvimento de ações destinadas a combater o preconceito e a discriminação motivados por orientação sexual e identidade de gênero.

A primeira vitória no Congresso aconteceu no dia 4 de novembro de 2021 com a aprovação do Projeto de Lei nº 2353, de Contarato.

A proposta “proíbe a discriminação de doadores de sangue com base na orientação sexual”. Na ocasião, o senador declarou que a Casa Legislativa parece não estar no século 21, mas sim “discutindo pautas do período medieval”.

Para que mais projetos avancem, Toni Reis conta que houve uma mudança de estratégia na abordagem. “Hoje, dialogamos com todos os parlamentares, inclusive aqueles que são contrários à pauta. Nas eleições de 2022, queremos aumentar a nossa frente parlamentar e conseguir aprovar os projetos que dizem respeito à nossa comunidade”, finaliza.

Contarato também explica que a visibilidade LGBTQIA+ é de extrema importância para jovens que são expulsos de casa por conta da sua orientação sexual.

“É necessário que eles entendam que podem fazer parte desse processo como protagonistas, e não como maiorias minorizadas pela opressão estrutural”, sentencia o parlamentar.


Reportagem realizada por Douglas Glier Schutz, estagiário de jornalismo, com supervisão e edição de Gilson Camargo, editor-executivo.

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