POLÍTICA

Comissão de juristas vai revisar legislação sobre racismo

Objetivo é dotar o sistema jurídico para combater o encarceramento em massa da população negra, a violência policial e o cruzamento do racismo com o machismo e a homofobia
Por Gilson Camargo / Publicado em 22 de janeiro de 2021
A deputada Áurea Carolina (PSol-MG) defendeu a participação popular na melhoria da legislação antirracista

Foto: Cleia Viana/ Câmara dos Deputados

A deputada Áurea Carolina (PSol-MG) defendeu a participação popular na melhoria da legislação antirracista

Foto: Cleia Viana/ Câmara dos Deputados

Uma comissão da Câmara dos Deputados formada por 20 juristas negros tem 120 dias para rever e aperfeiçoar a legislação brasileira sobre racismo. Instalado na quinta-feira, 21, por meio de reunião virtual, o grupo pretende dotar o sistema jurídico de instrumentos para combater o encarceramento em massa da população negra, a violência das abordagens policiais e o cruzamento do racismo com outros tipos de discriminação, como o machismo e a homofobia.

No documento de criação da comissão, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), destacou que as populações negra e indígena são as mais atingidas pela violência e pela pobreza. Durante a cerimônia de instalação do grupo, Maia disse que, a partir de 2 de fevereiro, quando deixa a Presidência da Casa, estará em Plenário ajudando no aperfeiçoamento da legislação.

“Daqui pra frente, com esse trabalho, vamos fazer uma nova história, importante, onde nós vamos certamente conseguir tirar da nossa história essas notícias, todos esses dramas do cotidiano, do dia a dia que muitos vivem com esse racismo estrutural que existe no nosso país”, prometeu.

Escravidão e racismo institucional

Gonçalves, do STJ, presidente da Comissão, ressaltou que o racismo estrutural está cristalizado na cultura popular e acaba naturalizado pela sociedade

Foto: Gustavo Lima/ STJ

Gonçalves, do STJ, presidente da Comissão, ressaltou que o racismo estrutural está cristalizado na cultura popular e acaba naturalizado pela sociedade

Foto: Gustavo Lima/ STJ

A comissão de juristas tem como presidente o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na reunião de instalação do colegiado, ele lembrou que o Brasil foi o maior território escravagista do Ocidente e o último das Américas a abolir a escravidão, tendo a segunda maior população de origem africana do mundo.

O ministro do STJ, que comandou em agosto de 2020 a operação que levou à prisão o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, acrescentou que o racismo precisa ser tratado em duas dimensões. O racismo institucional, segundo ele, é menos evidente e se reflete, por exemplo, na desconfiança de agentes de segurança sobre a população negra sem justificativa. A outra vertente é o racismo estrutural, ainda menos perceptível.

Assassinato de João Alberto por seguranças do Carrefour, em Porto Alegre, foram lembrados por juristas e parlamentares

Foto: Igor Sperotto

Assassinato de João Alberto por seguranças do Carrefour, em Porto Alegre, foram lembrados por juristas e parlamentares

Foto: Igor Sperotto

“O racismo estrutural está cristalizado na cultura do povo de um modo que, muitas vezes, nem parece racismo. A presença do racismo estrutural pode ser constatada pelas poucas pessoas negras que ocupam lugar de destaque nas instituições”, afirmou.

Tanto os juristas quanto parlamentares reivindicaram a ampliação da comissão, com participação de representantes da sociedade civil. A deputada Áurea Carolina (Psol-MG) enfatizou a importância desta sintonia para a melhoria da legislação antirracista.

“Sem esse diálogo com a participação popular, nós não teremos um avanço na quantidade e na intensidade, que é preciso nesse momento”.

Muitos discursos lembraram o assassinato de João Alberto Freitas, espancado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour em Porto Alegre em novembro do ano passado. Foram ressaltados itens a serem discutidos na revisão das leis, como as ações afirmativas e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil – a exemplo da Convenção Interamericana de Combate ao Racismo, ratificada pela Câmara em dezembro.

"A missão que tem no meu coração é honrar os meus ancestrais, salvar vidas e apontar um caminho", disse o professor de Direito e relator do grupo, Silvio Almeida

Foto: TV Câmara/ Reprodução

“A missão que tem no meu coração é honrar os meus ancestrais, salvar vidas e apontar um caminho”, disse o professor de Direito e relator do grupo, Silvio Almeida

Foto: TV Câmara/ Reprodução

O relator da comissão de juristas, o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Silvio Luiz de Almeida, sintetizou o objetivo do grupo.

“A missão que tem no meu coração é honrar os meus ancestrais, é também salvar vidas e é também apontar um caminho, juntamente com os meus companheiros e as minhas companheiras que aqui estão pra que este país se torne um país melhor, um país mais justo, um país mais digno”, disse.

Filósofo, advogado tributarista e professor universitário com especializações em Direito Político e Econômico e Teoria Geral do Direito, Almeida estuda as relações raciais no Brasil e publicou, em 2020, o livro Racismo estrutural (Editora Polén).

Uma das leis que pode ser revista pela comissão de juristas é o Estatuto da Igualdade Racial. O grupo será assessorado por dois consultores legislativos da Câmara e poderá convocar acadêmicos e especialistas para participar das discussões. Deputados da bancada negra vão propor que a comissão se torne uma estrutura permanente.

*Com Agência Câmara.

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