AMBIENTE

A boiada segue passando sob as barbas do governo Lula

Lei da Mata Atlântica altera o código florestal, prorroga prazos de regularização de imóveis rurais, afrouxa regras de proteção ao bioma e facilita a construção e execução de obras em áreas nativas
Da Redação / Publicado em 25 de maio de 2023

A boiada segue passando sob as barbas do governo Lula

Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Ao apagar das luzes da última quarta-feira, 24, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 1150/22 (editada no governo Bolsonaro e que integrava a boiada do ex-ministro do meio ambiente e hoje senador Ricardo Salles), que muda o prazo para o proprietário ou posseiro de imóveis rurais fazer sua adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

A MP será enviada à sanção presidencial, mas o ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha disse que o governo vetará a alteração da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/06), e aposta no compromisso do Legislativo (Câmara e Senado) de respeitar o veto.

A medida altera o Código Florestal, afrouxa as regras de proteção ao bioma e facilita a construção de obras, como gasodutos.

A emenda do Senado que alterava os jabutis da Câmara teve 364 votos contrários e 66 a favor.

Uma das alterações prevê que o novo prazo, de um ano, contará a partir da notificação pelo órgão ambiental – e não a partir da convocação, como constava no texto da Câmara.

A emenda determina ainda que o órgão ambiental realizará previamente a validação do cadastro e a identificação de passivos ambientais.

O relator da MP, deputado Sergio Souza (MDB-PR), considerou como emendas supressivas do Senado as impugnações feitas sobre artigos que tratavam de supressão de vegetação na Mata Atlântica.

Essas emendas acabaram rejeitadas pela Câmara, que restaurou o texto anterior dos deputados.

O texto aprovado altera a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/06) para permitir o desmatamento quando da implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, de gasoduto ou de sistemas de abastecimento público de água sem necessidade de estudo prévio de impacto ambiental (EIA) ou compensação de qualquer natureza.

Será dispensada ainda a captura, coleta e transporte de animais silvestres, garantida apenas sua afugentação.

Dia da Boiada

Considerada por uns como tratoraço do Congresso e por outros como novo dia da boiada, a votação ocorreu horas depois de o Congresso impor uma série de derrotas ao Governo Lula nas questões ambientais.

O Observatório do Clima,  que reúne entidades civis do setor, não poupou críticas ao legislativo e ao executivo.

“Jair Bolsonaro passou, mas a boiada ficou, e com sócios inusitados. Nesta quarta-feira, 24, uma comissão mista do Congresso aprovou por 15 votos a 3 o relatório do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL) que desidrata os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. O texto altera a Medida Provisória 1.154, que definiu a estrutura administrativa do governo, dando ao MMA quase a mesma cara que tinha na gestão Bolsonaro: a pasta de Marina Silva volta a ficar sem a Agência Nacional de Águas e sem o Cadastro Ambiental Rural, que passam aos ministérios da Integração e da Gestão, respectivamente. Já o Ministério dos Povos Indígenas perde sua principal tarefa, a demarcação de terras, que volta para a Justiça”, diz nota.

Ao Observatório, o movimento dos parlamentares não surpreendeu.

“Congresso dominado pelo combo ruralistas-extrema-direita, que desde o começo do ano vem tentando fazer passar todas as boiadas que o bolsonarismo não conseguiu”, manifestou.

A nota também destaca que o governo Lula “sequer fingiu indignação ao descobrir que não manda nem na organização dos próprios ministérios”.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, elogiou a MP na terça-feira; o PT no Senado comemorou nas redes sociais a “vitória” da aprovação na comissão, que deve ser referendada pelo plenário da Câmara já nesta quinta-feira, 25. O que indignou ecologistas.

“Ao rifar a agenda socioambiental no gabinete, o governo Lula emula seu antecessor, que iniciou o desmonte do MMA justamente por retirar-lhe atribuições. E contradiz o discurso ambiental do presidente, que jurou proteger os indígenas e fortalecer o combate ao desmatamento e às mudanças do clima”, cravou a nota.

O documento também ironizou: ‘De brinde, a Câmara também votou nesta noite a MP 1.150, que ganhou dos deputados uma emenda que enfraquece a proteção à Mata Atlântica, como sonhara Ricardo Salles. Os jabutis retirados no Senado, voltaram à Medida Provisória. Só resta a Lula vetá-los. Como não falta emoção em Brasília, os deputados ainda aprovaram a urgência do PL 490, que dificulta demarcações de terras indígenas e libera a exploração econômica dos territórios. O PL estabelece o infame “marco temporal”, segundo o qual indígenas que não estivessem produzindo em suas terras em 1988 perderiam direito a elas. Arthur Lira e seus homens da motosserra tocam a boiada, mas quem abriu a porteira desta vez foi o Palácio do Planalto.”

Espécies ameaçadas de extinção

No mesmo dia, o IBGE divulgou a atualização dos dados sobre espécies ameaçadas de extinção, referente ao ano de 2022. As informações fazem parte da pesquisa “Contas de ecossistemas: espécies ameaçadas de extinção no Brasil”, divulgada pela primeira vez em 2020, com dados de 2014.

A revisão tem como base as informações contidas na nova lista de espécies ameaçadas, publicada em dezembro de 2022 pelo então Ministério do Meio Ambiente, na Portaria MMA Nº 354, de 27 de janeiro de 2023.

As listas são elaboradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pelo Centro Nacional de Conservação da Flora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (CNCFlora/JBRJ).

De 2014 a 2022, o número de espécies avaliadas aumentou tanto na flora quanto na fauna. Atualmente, são reconhecidas no Brasil um total de 50.313 espécies de plantas e 125.251 espécies de animais. A quantidade de espécies avaliadas da flora saiu de 9% (4.304 espécies) para 15% (7.517 espécies) das espécies reconhecidas. Na fauna, o aumento foi menor: de 10% (12.009) para 11% (13.939).

De acordo com o estudo, a Mata Atlântica, assim como em 2014, segue com o maior número de espécies avaliadas (de 9.042 em 2014 para 11.811 em 2022) e, também, com a maior quantidade de espécies ameaçadas (de 2.016 para 2.845).

Quando se cruza as espécies em ameaça de extinção entre biomas e ambientes, o padrão de 2014 se mantém em 2022, com quatro combinações se destacando com os maiores percentuais e trocando de posição no ranking.

A flora terrestre da Mata Atlântica se manteve com 43% das espécies ameaçadas nos dois períodos, liderando a lista de bioma-ambiente com mais risco. Já a fauna terrestre do Sistema Costeiro-Marinho tinha 37% e passou ao segundo lugar com 38% das espécies ameaçadas em 2022.

Trocou de lugar com a flora terrestre do Cerrado, que tinha 40% em 2014 e passou para 37% em 2022. Por fim, a flora marinha da Mata Atlântica, que subiu de 34% para 36% das espécies ameaçadas nos últimos oito anos.

“Cabe ressaltar que é uma passagem de tempo relativamente pequena no contexto das transformações ocorridas nos ecossistemas do país”, pondera o coordenador da pesquisa, Leonardo Bergamini.

Quais normas foram afrouxadas na legislação ambiental

– vegetação secundária em estágio médio de regeneração poderá ser derrubada para fins de utilidade pública mesmo quando houver alternativa técnica ou de outro local para o empreendimento;

– dispensa da anuência prévia de órgão ambiental estadual e autorização passa a ser exclusivamente de órgão ambiental municipal para o corte de vegetação no estágio médio de regeneração situada em área urbana;

– o parcelamento do solo para loteamento ou edificação em área de vegetação secundária em estágio médio de regeneração na Mata Atlântica poderá ocorrer com autorização de órgão municipal e não precisará mais ser prévia;

– a compensação ambiental para a derrubada de vegetação primária ou secundária nos estágios médio ou avançado de regeneração na Mata Atlântica poderá ocorrer em município vizinho e, quando envolver área urbana, também com terrenos situados em áreas de preservação permanente;

– o corte ou exploração de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração na Mata Atlântica poderá ser autorizado também por órgão municipal competente.

Corredores ecológicos
Zona de amortecimento e corredores ecológicos em unidades de conservação, quando situadas em áreas urbanas definidas por lei municipal, passam a ser dispensados.

Rios urbanos
No caso de rios urbanos, o texto dispensa consulta a conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente para definir o uso do solo em faixas marginais ao longo de qualquer corpo hídrico. Hoje, a lei permite a adoção de faixas de proteção mais estreitas que as estipuladas pelo Código Florestal (Lei 12.651/12).

Impugnação
Com base em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre impossibilidade de colocar temas estranhos ao assunto original de uma medida provisória, o Senado Federal impugnou todas as mudanças que haviam sido feitas pela Câmara referentes à derrubada de vegetação na Mata Atlântica.

Sergio Souza explicou, no entanto, que a inclusão desses dispositivos resultou de um acordo envolvendo os autores das emendas acatadas, os líderes de seus partidos e do governo e representantes do Ministério do Meio Ambiente. “O acordo promovido foi de que elas serão acatadas pelo relator e, se forem vetadas, houve o compromisso de manter o veto”, explicou o relator na primeira votação da matéria.

Prazo de adesão ao PRA
Antes da MP, editada ainda no governo Bolsonaro, o prazo para a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) era de dois anos após o prazo final para inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Segundo o Código Florestal, aqueles que fizeram a inscrição no CAR até 31 de dezembro de 2020 teriam direito de adesão ao PRA, que deveria ser feita até 31 de dezembro de 2022, portanto dois anos após o fim do prazo para o cadastro.

Com a proximidade do fim desse prazo, a MP passou a vincular a adesão à convocação pelo órgão ambiental.

Financiamento
Como a adesão ao PRA é exigida para o produtor rural obter financiamento de bancos federais, o texto deixa explícito no Código Florestal que, a partir da assinatura do termo de compromisso vinculado ao PRA e durante o seu cumprimento, o proprietário rural será considerado em processo de regularização ambiental e não poderá ter o financiamento de sua atividade negado.

Para embasar suas decisões, as instituições financeiras poderão acessar informações de órgãos oficiais sobre o cadastro e o programa, a fim de verificar a regularidade ambiental do interessado.

O texto determina ainda que os órgãos ambientais competentes deverão manter atualizado e disponível em sítio eletrônico um demonstrativo sobre a situação da regularização ambiental dos imóveis rurais, indicando, no mínimo:

  • quantidade de imóveis inscritos no CAR;
  • cadastros em processo de validação;
  • requerimentos de adesão ao PRA recebidos; e
  • termos de compromisso assinados.

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