AMBIENTE

Clima quente para o Brasil na COP26

Desmatamento leva Brasil para quarto no ranking de vilões do aquecimento global e comissão do Senado encaminha denuncia de desmantelamento das políticas ambientais
Por César Fraga / Publicado em 1 de novembro de 2021

Foto: COP26/Divulgação

Começou no domingo, 31, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP26.  Líderes de mais de cem países se reúnem em Glasgow, na Escócia, para discutir novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris para manter o aumento da temperatura média da Terra em 1,5°C.

Compareceram presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, e outros líderes de relevância mundial presentes ao menos para a abertura da COP26 ou ao final dos trabalhos.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro não vai comparecer à conferência. Aliás, para ingressar nas dependências onde ocorre o evento, serão permitidas apenas pessoas com vacinação contra covid-19. Ainda na Itália, na reunião do G-20, o presidente teria reiterado que não se vacinaria.  A delegação será liderada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que conclui-se, esteja vacinado.. O Brasil será alvo certo de pressões e críticas por conta da aceleração do desmatamento desde que Bolsonaro assumiu o governo.

No meio disso, as rusgas entre alguns dos maiores emissores do mundo sobre como reduzir o uso de carvão, petróleo e gás e ajudar países mais pobres a se adaptarem ao aquecimento global será, mais uma vez, o principal desafio.

Ainda no G20, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, apontou o dedo para China e Rússia – que assim como Bolsonaro também  não irão ao COP 26 – . A razão é singela, não possuem propostas. O presidente chinês, Xi Jinping – a China foi considerada a maior emissora de gases de efeito estufa do mundo nos últimos 20 anos conforme a Global Carbon Atlas – participa nesta segunda-feira, 1, apenas por texto. Já Vladimir Putin – a Rússia está entre os três maiores produtores de petróleo do planeta – desistiu de participar até mesmo por videoconferência.

Diferentes rankings com diferentes critérios alteram EUA e China no topo da lista de superaquecedores globais. EUA liderariam ranking histórico (desde o início das emissões) e China nas últimas duas décadas.

Os líderes das 20 maiores economias do planeta anunciaram o compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5°C e a encerrar os subsídios para a produção de carvão mineral. Bolsonaro não, compareceu para a foto na Fontana de Trevi, onde as intenções do concenso foram seladas simbolicamente com o arremeço de moadas na histórica fonte italiana

Os líderes das 20 maiores economias do planeta anunciaram o compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5°C e a encerrar os subsídios para a produção de carvão mineral. Bolsonaro não, compareceu para a foto na Fontana de Trevi, onde as intenções do concenso foram seladas simbolicamente com o arremesso de moedas na histórica fonte italiana

Foto: G20/Divulgação

Comissão do Senado leva denúncia à Conferência

A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal levou à Conferência, um relatório aprovado na semana anterior com graves denúncias ao governo federal brasileiro. Conforme o documento, as ações do Poder Executivo colocam o país em trajetória oposta aos compromissos de redução de emissões e de desmatamento.

O relatório foca sua avaliação na política climática do país e de prevenção e controle do desmatamento no período 2019-2021 e também faz uma série de recomendações para que o Brasil retorne aos trilhos do desenvolvimento sustentável.

O documento será levado pelos integrantes da CMA para a COP26 e será disponibilizado aos participantes do encontro, que reunirá líderes de 196 países até o dia 12 de novembro para avaliar o que foi feito desde o Acordo de Paris, marco nas negociações sobre o clima e assinado por quase 200 países, na COP21, em 2015.

Jaques Wagner (PT-BA) preside a CMA: o Senado busca reconquistar a confiança e a credibilidade do Brasil no âmbito internacional

Jaques Wagner (PT-BA) preside a CMA: o Senado busca reconquistar a confiança e a credibilidade do Brasil no âmbito internacional

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Desmantelamento de órgãos ambientais

De acordo com o relatório, o atual governo desmantelou as estruturas institucionais ambientais.

Para a relatora apontou a relatora, senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), os órgãos ambientais seguem sendo sucateados, com orçamentos à míngua e grandes desfalques em seus quadros de pessoal.

A CMA registra que o cenário do período 2019-2021, que compreende o Governo Bolsonaro, é desanimador. O relatório aponta que as taxas de desmatamento anual na Amazônia Legal têm-se mantido acima dos 10 mil km² e as emissões líquidas brasileiras de gases de efeito estufa alcançaram o maior valor nos últimos treze anos, por força do aumento do desmatamento.

“O Brasil se coloca em trajetória oposta aos compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa, de zerar o desmatamento ilegal até 2030 e de se tornar uma economia carbono neutra até 2060. No período, foram observados também crescimento súbito no desmatamento do Cerrado e grande número de queimadas no Pantanal”, alerta a relatora.

Para elaborar o documento, a CMA ouviu especialistas e representantes da sociedade civil, do governo e do setor produtivo. Segundo a relatora, o documento aprovado pela CMA expõe a preocupação conjunta com os rumos da política ambiental brasileira.

“A conjuntura atual põe em risco em primeiro lugar nosso patrimônio natural, florestas, fauna, flora e recursos hídricos. Ameaça também a credibilidade do país no concerto internacional de nações. Comungam com essa visão membros da comunidade científica, empresas, governos estrangeiros e a maior parte da imprensa mundial. Esperamos que o Brasil retorne aos trilhos do desenvolvimento sustentável e de uma economia carbono neutra. Esse é o futuro que merecem as atuais e futuras gerações”, diz trecho do relatório.

Prejuízos a empresas e ao agronegócio

O presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA) afirmou que o Senado busca reconquistar a confiança e a credibilidade do Brasil no âmbito internacional. A atual política ambiental, segundo o senador, tem impactado empresas brasileiras e mesmo o agronegócio.

“Se o Executivo mandar um projeto e conseguir reconquistar confiança, credibilidade no âmbito internacional, eu acho ótimo para o Brasil, para os brasileiros e para os negócios do Brasil, que tendem a sofrer se nós não tivermos uma imagem diferenciada. Na medida em que o Executivo construiu uma imagem lá fora muito ruim para o país, o esforço é de tentar mostrar que essa é a voz do Executivo, e não necessariamente da sociedade ou desta Casa Legislativa”, considerou Wagner.

Recomendações

Em meio às recomendações ao Poder Executivo brasileiro, a CMA pede a reativação do Fundo da Amazônia em comum acordo com Noruega e Alemanha, países doadores, e o fortalecimento do Ibama, do Instituto Chico Mendes e do Ministério do Meio Ambiente por meio da ampliação e reposição do quadro de pessoal concursado, além de garantir dotação orçamentária para o monitoramento e prevenção do desmatamento. O relatório também cobra a elaboração de planos para retirada de invasores de terras indígenas e unidades de conservação, além da criação de novas unidades para impedir a expansão da grilagem.

A CMA defende ainda a aprovação de uma série de projetos em tramitação no Congresso, entre eles, o PL 6.539/2019, que atualiza a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) ao contexto do Acordo de Paris e a PEC 233/2019, que inclui entre os princípios da ordem econômica a manutenção da estabilidade climática e determina que o poder público adote ações de mitigação da mudança do clima e adaptação aos seus efeitos adversos.

Além do COP26, o documento será encaminhado também ao governo brasileiro, à Mesa do Senado, ao Tribunal de Contas da União (TCU) e a outros órgãos.

Argumento brasileiro esvaziado por novo ranking histórico

O argumento brasileiro levado ao COP26 alega que países desenvolvidos poluíram muito mais ao longo da história para enriquecer e devem, portanto, compensar nações em desenvolvimento pela proteção de suas florestas. Porém, uma nova pesquisa sobre acumulado histórico de emissões de gás carbônico põe o Brasil entre os maiores poluidores do mundo. No estudo, que leva em consideração pela primeira vez o desmatamento ao contabilizar a liberação de CO2, o Brasil aparece em quarto lugar no ranking de emissões desde 1850.

A Pesquisa de 2019 da Carbon Brief fez uma mudança na metodologia, que altera a lista dos maiores poluidores históricos. Anteriormente, eram consideradas apenas emissões por queima de combustível. Assim, os cinco maiores emissores eram  EUA, China, Rússia, Alemanha e Reino Unido.

No estudo atualizado, publicado em outubro, Brasil e Indonésia passam a constar entre os grandes emissores, por causa da liberação de CO2 na atmosfera decorrente de desmatamento e manuseio do solo ao longo dos últimos 171 anos. Considerando este novo ranking, os cinco países que mais poluíram desde a Revolução Industrial, de 1850 a 2021, são: EUA, China, Rússia, Brasil e Indonésia. No Brasil e na Indonésia, a maior parte das emissões vem da derrubada de florestas e uso do solo para pecuária e agricultura, não da queima de combustíveis fósseis, como ocorre com os demais grandes poluidores. Divulgada ás vésperas do COP26 o novo ranking esvazia o discurso que será levado pelo ministério do Meio Ambiente brasileiro à Conferência.

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima

Foto: Observatório do Clima/Divulgação

De acordo com Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, organização brasileira que também calcula anualmente as emissões brasileiras, nos últimos 30 anos, cerca de 80% das emissões do país foram decorrentes de desmatamento e uso do solo para pecuária. “Se você pegar os últimos 30 anos, 73% do das emissões do planeta estão na área de energia. Se você pegar os últimos 30 anos no Brasil, 55% das emissões são por desmatamento. Se você incluir emissões decorrentes da pecuária brasileira, a gente bate na casa dos 80%”, declarou recentemente à BBC Brasil.

Em agosto, Astrini disse ao Extra Classe que o problema, do Brasil, na realidade, não é só a posição que ocupa. É o que o país está fazendo em relação ao que foi detectado pela ONU e que deve comprometer as metas do Acordo de Paris.

“O que se tem feito na realidade é piorar o problema. Se todos os países tivessem a mesma atitude que o Brasil com relação ao clima a gente já estava sem esperanças de atingir os 1,5 graus”.

Astrini se refere ao acordo referendado por 195 países, entre eles o Brasil, de se manter a temperatura média da Terra abaixo de 2 graus celsius, acima dos níveis pré-industriais. Além de esforços para limitar o aumento da temperatura até 1,5 graus acima dos níveis pré-industriais.

“Estamos fazendo tudo errado. O problema do Brasil é desmatamento e o governo está incentivando o crescimento dele”, denuncia.

Saldo do pífio no G20 e boas intenções sem prazo

Ao final da pré-conferência, na reunião do G20, em Roma, os líderes das 20 maiores economias do planeta se limitaram anunciar o compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5°C e a encerrar os subsídios para a produção de carvão mineral. As conclusões constam do documento final da reunião de cúpula do G20, que terminou, no domingo, 31.

O acordo foi firmado no mesmo dia em que começou a 26ª edição da Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia. Responsáveis por 80% das emissões globais de gás carbônico, os países do G20 pretendem interromper, ainda neste ano, os financiamentos de novas usinas de carvão. Em relação à eliminação do material como fonte de energia, os líderes do grupo não estipularam um prazo para que isso ocorra, porque não houve consenso. Ou seja, o saldo do encontro fica apenas no plano das da intenções para deter o processo de aquecimento global, o G20 não estabeleceu uma data para a neutralidade de carbono, quando todas as emissões deverão ser compensadas por medidas de produção de oxigênio, como o reflorestamento. O documento final informou somente que esse objetivo deve ser alcançado “por volta da metade do século”.

O encontro não teve a participação de China e Rússia, dois países dependentes do carvão como fonte de energia. Atualmente, a China enfrenta uma escassez de carvão mineral que vem encarecendo o custo da energia na segunda maior economia do planeta. Também dependente da energia do carvão, a Índia participou da reunião e defendeu a meta de neutralidade de carbono apenas para 2060.

 

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