EDUCAÇÃO

Reserva indígena ameaçada pela Mina Guaíba está sem escola

Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Aldeia Guajayvi funcionava na casa do cacique, mas foi destruída por um incêndio
Por Gilson Camargo* / Publicado em 10 de março de 2020
Escola improvisada na casa do cacique foi destruída por um incêndio em 2018

Foto: Flavia Lima Moreira/ Observatório do Carvão/ Divulgação

Escola improvisada na casa do cacique foi destruída por um incêndio em 2018

Foto: Flavia Lima Moreira/ Observatório do Carvão/ Divulgação

Invisibilização, ameaças e abandono. Os dias e noites na aldeia TeKoá Guajayvi são de sobressalto para as sete famílias de indígenas da etnia Mbyá Guarani que vivem nas proximidades da área onde a empresa de mineração Copelmi pretende instalar a maior mina de extração de carvão mineral a céu aberto do país, localizada entre Eldorado do Sul e Charqueadas, na Região Metropolitana de Porto Alegre.

Situada no perímetro de Charqueadas, a 50 quilômetros de Porto Alegre, a aldeia é uma das duas reservas que foram ignoradas na elaboração do projeto de licenciamento da mina. O outro território guarani é a comunidade Pekuruty, ou Arroio Divisa, que compreende dez famílias e está localizada nas margens da BR 290, em Eldorado do Sul, a 7,2 km do local escolhido para o empreendimento. No final de fevereiro, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a suspensão imediata do processo de licenciamento ambiental do projeto Mina Guaíba devido à omissão por parte da empresa e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam), que deixaram de comunicar à Fundação Nacional do Índio (Funai) a existência de duas comunidades mbyá guarani na área que será impactada pelo projeto.

"Como podem prometer urgência, prioridade e nada de entrega? Educação não pode ser tratada dessa forma”, desabafa o cacique Acosta

Foto: Yasmin Bonfim/Coesus/ Divulgação

“Como podem prometer urgência, prioridade e nada de entrega? Educação não pode ser tratada dessa forma”, desabafa o cacique Acosta

Foto: Yasmin Bonfim/Coesus/ Divulgação

Além de não constarem no projeto como uma das populações a serem removidas, os indígenas relatam que são comuns as visitas de desconhecidos armados que se aproximam das aldeias de carros e dão recados ameaçadores. “Eles dizem que têm ordem de atirar para matar”, explica uma liderança. No final de janeiro, três aldeias foram alvos de ataques no mesmo final de semana. Dois anos depois que um incêndio destruiu a escola indígena improvisada pela comunidade na casa do cacique Cláudio Acosta, as crianças da aldeia continuam sem aulas. Em nota, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) informa que atualmente existem 89 escolas indígenas em atividade na rede estadual de educação. Sobre a aldeia TeKoá Guajayvi, a Seduc afirma que “as aulas para anos iniciais e alunos entre o 6º e 9º anos já foram iniciadas em 3 de março.  Os materiais escolares e merenda, após atraso de dois dias, foram repassados normalmente”.

INVISÍVEIS – Criada pelo governo estadual em 2012, a Reserva Indígena Estadual que abriga a aldeia TeKoá Guajayvi, ainda está em processo de regularização fundiária. Antes utilizada pela Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) para plantação de eucaliptos e a confecção de postes de luz, nas mãos dos indígenas a área passou a ser reflorestada. Mais de 2 mil mudas nativas na região já foram plantadas e aos poucos a mata nativa vai ressurgindo onde antes só havia a monocultura de eucaliptos. Os dias são divididos entre o cultivo da terra e a agricultura, produção de artesanato, caça e pesca. A vida na aldeia, no entanto, não é nada tranquila. “São anos de resistência”, resume Acosta, referindo-se às ameaças, ao abandono e a falta de uma escola para as crianças indígenas. “Parece que somos invisíveis. O caso da nossa escola é mais uma prova disso. Como podem prometer urgência, prioridade e nada de entrega? Educação não pode ser tratada dessa forma”, desabafa.

Foto: Flavia Lima Moreira/ Observatório do Carvão/ Divulgação

Foto: Flavia Lima Moreira/ Observatório do Carvão/ Divulgação

A Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Aldeia Guajayvi foi destruída em 2018. Na verdade, o estado jamais construiu uma escola no local. O espaço que abrigava a única sala de aula era simplesmente a sala da casa do cacique. Desde então há uma incessante busca por auxílio do governo estadual. Ele relata que, em 2019, a esperança dos cerca de 20 alunos, do jardim ao nono ano do ensino fundamental, foi renovada. Em reunião na 12ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Acosta foi informado que, apesar de haver muitas pendências nas escolas indígenas em todo o estado, a da sua aldeia seria priorizada, mas nada aconteceu. “Além de não termos uma escola, não temos nem merenda escolar. As aulas deveriam ter iniciado no dia 2 de março, mas dias antes fomos informados que não há recursos para a merenda escolar. Se educação é um direito, por que esse descaso?”, indaga a professora da rede estadual de ensino, Márcia Luísa Tomazzoni. “Vemos um esforço enorme de parte do secretariado do governo estadual para instalar uma mina de carvão ao lado da aldeia, mas não vemos nenhum esforço para a reforma de uma escola?”, indaga Renan Andrade, coordenador do programa Fé, Paz e Clima da ONG 350.org.

*Com reportagem de Flavia Lima Moreira, do Observatório do Carvão.

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