Artigo científico quantifica a influência bolsonarista nas mortes por covid-19
Arte/Fotos: Divulgação
A cidade gaúcha de Sapiranga registrou uma taxa de 360 mortes a cada 100 mil habitantes por covid-19 durante a pandemia. Já, Crato, no Ceará, teve 110. A explicação para essa disparidade entre duas cidades de pontos extremos do país, separadas por 3.647 quilômetros, foi evidenciada no dia 14 em um artigo publicado na revista científica Lancet: quanto maior a influência do presidente Jair Bolsonaro (PL) em determinada região, maior o número de mortes na pandemia.
Se Sapiranga apresentou um índice de mortalidade três vezes superior à do município nordestino, em números gerais a possibilidade de se morrer por causas do coronavírus foi 44% maior nas cidades cujas lideranças políticas são mais alinhadas com o presidente da República.
Critérios
Concretizado por pesquisadores independentes vinculados à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade de Brasília (UNB) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho faz uma retrospectiva das mortes por covid-19 registradas no Sistema de Informações de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), utilizado pelos governos municipais, estaduais e federal para monitorar infecções respiratórias agudas graves no Brasil.
Ao cruzar as informações do Sivep-Gripe com o resultado das eleições presidenciais de 2018, os pesquisadores conseguem demonstrar à comunidade científica internacional que os municípios brasileiros que deram vitória à Bolsonaro por larga margem ao seu então oponente Fernando Haddad (PT) são exatamente as que registram o maior número de mortes por covid-19.
Não é por menos que “municípios bolsonaristas” das regiões Sul e Sudeste apresentaram índices de mortalidade muito superiores aos de “não bolsonaristas” do Nordeste, destaca o estudo.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Por levar em conta cidades com estruturas de saúde equivalentes, a possibilidade de subnotificação foi considerada um ponto sem relevância. Segundo Christovam Barcellos, geógrafo e pesquisador em saúde pública da Fiocruz e um dos autores do artigo, “a principal diferença foi o voto em Bolsonaro”.
Nas conclusões do artigo, a ausência de um trabalho coordenado nacionalmente pelo governo federal fez com que os municípios tivessem um papel forte no processo de comunicação sobre a pandemia. Assim, em cidades de pequeno e médio porte, lideranças políticas e empresariais tiveram grande influência.
Ainda segundo o trabalho, “ao contrário do caso norte-americano, o movimento anticiência brasileiro não foi organizado, mas cresceu rapidamente nos três anos desde a posse do atual governo”. Isso, segundo os pesquisadores, fez com que fosse implementada de cima para baixo uma agenda anticiência que permeou a sociedade brasileira. No Brasil, registram, “de fato, a adesão ao distanciamento social e uso de máscaras é menor do que em outros países”.
O artigo na Lancet afirma ainda que houve uma sabotagem sobre o esforço de contenção da pandemia no país. Um ato que foi capaz de anular fatores como o alto IDH da população ou a atuação forte do SUS nas regiões.