Plano de recuperação: Melo ignora universidades para contratar especialistas em reviravoltas
Foto: Giulian Serafim/PMPA
Foto: Giulian Serafim/PMPA
Respaldado pelo decreto de estado de calamidade pública que permite contratações sem processo de licitação em meio a tragédias, o prefeito Sebastião Melo (MDB) anunciou a contratação da Alvarez & Marsal para o plano de recuperação de Porto Alegre, no dia 13 de maio. A empresa de consultoria norte-americana se autodeclara “especialista em reviravoltas”. Melo afirmou à imprensa que a empresa estrangeira ficou sensibilizada com a catástrofe e está atuando gratuitamente pelos próximos 60 dias.
Já em outro comunicado, a própria A&M disse que a consultoria pro bono, ou seja, voluntária, será por 30 dias em Porto Alegre. Não se sabe ainda quanto a multinacional vai embolsar após o fim deste período. Segundo o prefeito, no meio do caminho, vai se ver se ela permanece e qual será o custo para os cofres públicos.
Quando se trata de negócios deste tipo com o setor privado, um especialista em políticas públicas lembra que, nestas horas, seria bom ter em conta uma expressão que também tem origem no inglês. “There is no free lunch”. Traduzida, a frase é bastante popular, principalmente no meio empresarial. ‘Não existe essa coisa de almoço ou cafezinho grátis’.
A A&M costuma focar sua atuação em cidade devastadas por tragédias naturais e onde os serviços públicos estão em crise, lucrando com consultoria e planos de recuperação. Em 2005, a empresa atuou na cidade de Nova Orleans quando foi atingida pelo furacão Katrina. Em 2019, foi contratada para auxiliar a Vale no desastre em Brumadinho, Minas Gerais.
Nos Estados Unidos, a Alvarez & Marsal prestava serviços a cidades que precisaram restaurar seu funcionamento, cujo custo já ultrapassava os 15 milhões de dólares por contrato (em torno de R$ 77 milhões), algumas décadas atrás. Além de faturar alto com esses serviços, a empresa também é especialista em abrir caminho para a privatização de serviços públicos, como o do ensino em Saint Louis, no Missouri; e demitir sete mil funcionários da educação pública imediatamente após o furacão Katrina, em New Orleans.
Em New Orleans, onde o serviço custou 16 milhões de dólares, o caso, inclusive, foi retratado pelo escritor Kenneth Saltman, no livro chamado “Capitalizando os desastres: tomar e destruir escolas públicas”.
Foto: Mateus Raugust/ PMPA
Inteligência nacional
Ao saber da decisão da prefeitura, um dos maiores engenheiros ambientais do país logo destaca que haveria oportunidade depois de outras empresas gaúchas e nacionais, que conheciam, inclusive, melhor a realidade local, a participar do processo licitatório e também ter a chance de prestar o serviço tão bem ou melhor do que a empresa estrangeira. Quando relembrado que se trata de um momento de exceção, devido ao estado de calamidade pública (Decreto nº 22.667/2024), o especialista fica suspenso. Finaliza. “É…infelizmente…”.
Uma das universidades gaúchas que poderia assessorar o governo da capital na reconstrução da cidade é a Ufrgs. Aliás, uma das áreas que já vem gerando e disponibilizando dados e informações sobre a tragédia climática no RS é o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH). Desde os primeiros dias da catástrofe, o IPH prestas esclarecimentos públicos e disponibiliza dados científicos para a melhor tomada de decisão dos governantes, como este “Repositório de informações geográficas para suporte à decisão – Rio Grande do Sul 2024” e Análises e previsões diárias sobre cheia do Guaíba e demais locais.
“Nossa instituição junto com a empresa Rhama Analysis, de Porto Alegre, tem todas as condições de desenvolver o trabalho que está sendo passado para a Alvarez & Marsal”, atesta o professor do IPH/Ufrgs e doutor em engenharia ambiental pela Universitat Politécnica de Catalunya, Barcelona, Gino Gehling.
Além disso, os cientistas da Ufrgs já estão trabalhando em projetos de diversos eixos para a recuperação dos municípios gaúchos. A pesquisadora Marcia Barbosa, com reconhecimento internacional, está à frente da iniciativa. Ela, inclusive, pediu exoneração do cargo de secretária de Políticas e Programas Estratégicos, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para se dedicar ao estado.
“Lidero um grupo de pesquisadores de universidades do Sul e pequenos empresários, que estão montando um plano detalhado de serviços. Estamos entregando aos governos de Porto Alegre, do RS e Federal. Há disponibilidade de assessorar em cada passo. Somos parte da solução”, revela a professor da Ufrgs.
Plano de recuperação: cabe buscar consultoria para fora do estado?
Sobre a contratação da A&M, a cientista salienta que há uma tendência de as pessoas acharem que empresas de consultoria que atuam fora da região são eficientes. “Temos a capacidade instalada local para resolver o problema, mas precisamos de escuta”, afirma.
Ela ainda alerta que o Sul é permeado de universidade públicas e comunitárias, com institutos federais em quase todas as microrregiões do estado. “Por exemplo, a Ufrgs é considerada a melhor federal do país. Cabe buscar apoio de consultoria fora do estado?”, questiona.
O professor de Direito Urbanístico, Ambiental e Agrário da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e autor do livro “Fundamentos do Direito à Cidade” Claudio Carvalho enfatiza o mesmo caminho da pesquisadora gaúcha. “Entendo que é totalmente desnecessário a contratação de uma empresa do exterior. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul já conhece profundamente a geografia, o clima e as mínimas peculiaridades de Porto Alegre, podendo entregar um trabalho muito mais célebre e eficaz”.
Segundo o especialista em questões ambientais e urbanísticas, a questão é se a administração municipal está disposta a receber as críticas necessárias desse processo de planejamento e falta de manutenção no sistema de proteção contra as enchentes. Sobre as falhas e negligências referente ao sistema, o Mistério Público do RS já anunciou ampla investigação, conforme divulgado em primeira mão pela Extra Classe no dia 13.
Caso Moro e apuração no TCU
Alvarez & Marsal ganhou destaque no Brasil também porque contratou o senador Sergio Moro (União-PR) como sócio-diretor entre 2020 e 2021. A empresa americana assumiu a recuperação judicial de empresas que foram arrastadas pela Lava Jato e, depois, contratou o ex-juiz da operação como consultor.
Contrato de Moro com A&M é alvo de apuração do Tribunal de Contas da União. O TCU apura se houve irregularidade, já que mais de dois terços do faturamento da A&M até 2022 vinham de empresas envolvidas na Lava Jato. A empresa disse que Moro não atuou em casos ligados à operação.
Moro teria recebido quase R$ 4 milhões em doze meses de serviços prestados. Ele deixou o cargo para se filiar ao Podemos em outubro de 2021. O processo está em tramitação na Corte, sem prazo para ser encerrado.
Controverso até para a inteligência artificial
Em 2019, a empresa foi contratada para auxiliar a Vale, após o desastre em Brumadinho, onde uma barragem de rejeitos se rompeu, causando uma tragédia ambiental e humana. Um dado curioso é que o currículo polêmico da empresa não passaria em uma breve pesquisa a uma ferramenta de buscas e de Inteligência artificial (IA). Perguntado sobre os problemas da A&M em Brumadino, o ChatGPT respondeu o seguinte:
Conflitos de interesse: houve questionamentos sobre possíveis conflitos de interesse da Alvarez & Marsal, uma vez que a empresa já havia prestado serviços para a Vale antes do desastre. Isso levantou preocupações sobre a imparcialidade da empresa na investigação do incidente e na implementação de medidas corretivas.
Transparência e comunicação: alguns críticos afirmaram que a Alvarez & Marsal não foi transparente o suficiente em sua comunicação com as autoridades, comunidades afetadas e o público em geral. A falta de divulgação de informações detalhadas sobre as investigações e planos de mitigação gerou desconfiança e insatisfação.
Rapidez na recuperação: algumas partes interessadas expressaram preocupação com a velocidade com que a Alvarez & Marsal estava conduzindo os esforços de recuperação em Brumadinho. Houve críticas sobre a aparente lentidão na implementação de medidas para reparar os danos ambientais, apoiar as comunidades afetadas e prevenir futuros desastres.
Plano de recuperação de Nova Orleans e um furacão de polêmicas
E na reconstrução de Nova Orleans (EUA), após a devastação do furacão Katrina em 2005, quais foram as críticas? ChatGPT elenca algumas:
Transparência e prestação de contas: houve preocupações sobre a falta de transparência nos contratos e na alocação de fundos para a reconstrução. Alguns criticaram a falta de prestação de contas e supervisão adequada sobre como o dinheiro estava sendo gasto.
Desigualdade na reconstrução: muitos criticaram a forma como a reconstrução estava sendo conduzida, destacando que determinadas comunidades, principalmente aquelas de baixa renda e predominantemente afro-americanas, estavam sendo deixadas para trás. Isso levantou questões sobre justiça social e equidade no processo de reconstrução.
Deslocamento de residentes: houve relatos de deslocamento forçado de residentes, especialmente aqueles que não tinham os recursos necessários para reconstruir ou que foram excluídos dos processos de tomada de decisão sobre a reconstrução de suas comunidades.
Ineficiência e desperdício de recursos: alguns críticos apontaram para a ineficiência na utilização dos recursos destinados à reconstrução, incluindo alegações de desperdício de dinheiro público e falhas na execução de projetos.
Falta de envolvimento comunitário: muitas comunidades sentiram que não estavam sendo adequadamente consultadas ou envolvidas nos processos de reconstrução, resultando em projetos que não atendiam às suas necessidades específicas.
Todas as informações apontadas via inteligência artificial foram verificadas e pela nossa reportagem.