Massacre reaquece debate sobre desproporção entre Palestina e Israel na mídia
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil
O massacre e sequestro de civis que ocorreu no ataque promovido pela organização palestina Hamas que surpreendeu Israel e o mundo no último sábado, 7 de outubro, coloca novamente em discussão não só um conflito de décadas por territórios, mas conceitos como terrorismo, antissemitismo, sionismo e questões como a estigmatização de um povo e a parcialidade ou a falta de espaço nos noticiários para um dos lados.
Desde o sábado, os dois lados da guerra contabilizaram 1.830 pessoas. Dois brasileiros estão entre as vítimas fatais e uma desaparecida. Israelenses alegam ter encontrado outros 1.500 corpos de integrantes do Hamas em território israelense. Nesta terça, 10, o Exército israelense mantém fortes bombardeios em Gaza, contabilizando centenas de mortos, casas e prédios destruídos.
“O que a gente vê na mídia é que a vida israelense, a vida judia, tem mais valor que a vida palestina. Ela tem direito a ser velada; a gente sabe o nome dos judeus que foram mortos, a gente sabe as suas histórias, a gente sabe de onde eles vêm. Enquanto os palestinos, a gente não sabe absolutamente nada. Eles não têm rosto, não têm nome, não têm história”, afirma Bruno Huberman, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e vice-líder do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (Geci). A ênfase de seus trabalhos passam justamente por Palestina/Israel, Neoliberalismo, Espaços Urbanos, Geopolítica do Oriente Médio e Política Externa dos EUA e do Brasil para o Oriente Médio.
Para Huberman, que é membro da comunidade judaica paulistana, não há somente uma evidente desproporção militar e econômica entre Israel e Palestina.
“Os israelenses têm os meios de comunicação de massa. Por exemplo, você acompanha Globo News e o tempo todo tem alguém relacionado com o Estado de Israel e com as tropas israelenses. São integrantes das forças israelenses falando o tempo todo na televisão, enquanto não se vê a mesma coisa com os palestinos”, expõe.
Reginaldo Nasser, coordenador do Geci da PUCSP e professor dos programas de Pós Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), Universidade de Campinas (Unicamp) e PUCSP, pontua três questões que são importantes no conflito e não são abordadas de forma que considera adequada pelos meios de comunicação.
“Primeiro, a chamada questão palestina é uma luta anticolonialista, não é guerra; em segundo, o ponto de partida para compreendê-la começa com a criação de Israel e ganha impulso em 1967 com massacres e expulsão dos palestinos de sua terra. Em terceiro, Gaza é uma situação deplorável. População cercada por terra, mar e ar”, enumera.
Foto: Acervo Pessoal
A resistência é violenta
A análise é compartilhada por Huberman. “Eu acompanho o noticiário da palestina e Israel todo dia. Todo dia morre um palestino. Todo dia morre uma criança palestina, todo dia um adolescente palestino é assassinado, todo dia alguém é preso de uma forma completamente absurda lá. Por exemplo, na ocupação, existe o mecanismo da prisão administrativa. Um palestino pode ser preso por tempo indeterminado, sem direito à defesa, sem nenhuma acusação. Então, os palestinos são subjugados o tempo todo, todo dia, de uma forma material, discursiva e midiática”, afirma.
Nasser, de ascendência árabe, acrescenta outro componente à atual situação. “No dia 22 de Setembro de 2023, o Primeiro Ministro de Israel (Binyamin Netanyahu) foi a ONU e mostrou um mapa onde não existia a Palestina. Creio que não é preciso explicar o significado disso”.
A referência foi a fala do Premiê de Israel na Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde Israel e alguns países árabes de seu entorno foram destacados sob o título “o novo Oriente Médio”.
Ressaltando ser totalmente contra a violência, Huberman diz que esse contexto palestino é fundamental para entender o confronto.
“A resistência é violenta. Foi assim que os haitianos e argelinos se libertaram da colonização francesa, foi assim que os vietnamitas se libertaram primeiro dos franceses e depois dos americanos, enfim. Lutas dos sul-africanos contra o regime do Apartheid. Mandela foi chamado de terrorista antes de ser o líder da paz. Foi preso por anos por causa disso”, lembra.
Foto: Reprodução/TV PUC
Convivência pacífica entre Israel e Palestina e o efeito Bin Laden
Huberman entende não haver grupo terrorista. “Existem ações terroristas. O terrorismo é uma tática de confronto militar em conflitos irregulares altamente assimétricos. Por exemplo, na Revolução Francesa, os revolucionários franceses bradavam “viva o terror”, porque o terror era uma forma de luta, de libertação contra o Estado opressor.
Já para Michel Gherman, professor de sociologia e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade de Jerusalém, o Hamas protagonizou um ato terrorista covarde, de fato, sem precedentes na história de Israel. No entanto, ele, um judeu sionista de esquerda, defende a convivência pacífica entre israelenses e palestinos, com a instauração de dois estado nacionais, conforme o preconizado pela ONU.
Hamas e Netanyahu são vozes covardes, diz sociólogo
Foto: Bianca Laurezano/Divulgação
“As vozes do Hamas e do Bibi (Benjamin Netanyahu) são vozes de pessoas covardes. Aquilo ali vai levar para um ciclo de violência sem fim. O Hamas promoveu uma carnificina. A resposta ser outra carnificina nos coloca em um lugar sem saída”.
Huberman e Gherman concordam: o Hamas atende aos interesses da direita judaica.
“O Hamas virou aliado tático da direita israelense e de Nethanyahu e adversário amargo do nacionalismo secular palestino”, declara Gherman.
“Não é uma questão de opinião, já teve gente do lado israelense admitindo que ajudou a fortalecer o Hamas no contexto da primeira intifada para enfraquecer os movimentos palestinos socialistas, o Fatah, a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) e a Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP).
De fato, os professores acreditam que o grupo agora apontado como extremista e terrorista por Israel, cumpriu papel parecido ao de Bin Laden que chegou a ser financiado pelos Estados Unidos para se contrapor à então União Soviética no Afeganistão. Após ter se tornado um fundamentalista islâmico com o apoio americano, ele se voltou contra o seu criador e protagonizou o ataque às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001.