Em discurso na ONU, Bolsonaro apresenta “um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada”
Foto: Alan Santos/PR
Único chefe de Estado não imunizado contra a covid-19 a participar da abertura da 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira, 21, em Nova York, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) recorreu em seu discurso a informações falsas e forneceu indicadores distorcidos na tentativa de oferecer ao mundo uma imagem positiva do país. O evento reúne líderes das 19 principais economias do mundo, além da União Europeia (G20), na sede da ONU.
Foto: Thiago Dezan/Democracy Brazil/Divulgação
Em Nova York desde domingo, 19, a comitiva brasileira é composta pelo presidente e os ministros Carlos Alberto França (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), Joaquim Leite (Meio Ambiente), Gilson Machado (Turismo), Marcelo Queiroga (Saúde) e assessores. No sábado, 18, o diplomata responsável pelo cerimonial testou positivo para covid-19.
Desde o desembarque, os brasileiros têm sido hostilizados por ativistas e alvos de críticas e de análises da imprensa mundial por seus comportamentos bizarros.
Foram impedidos de acessar locais públicos por não terem se vacinado e encurralados por protestos nas ruas da capital.
Na segunda-feira, 20, ativistas do Democracy Brazil circularam com um carro e telão que exibia uma foto do presidente brasileiro e frases que pediam a prisão de Bolsonaro e o relacionavam à destruição da Amazônia.
“Se não quer ser vacinado, nem venha”, disse a Bolsonaro o prefeito Bill de Blásio em uma coletiva. Jornais dos EUA e do Reino Unido destacaram que o presidente brasileiro participaria da Assembleia Geral da ONU sem ter tomado a vacina.
O ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, postou numa rede social a imagem da comitiva brasileira comendo pizza na rua. Marcelo Queiroga, que deverá ser ouvido novamente na CPI da Pandemia sobre o escândalo da Covaxin, apareceu em rede nacional mostrando o dedo médio a manifestantes de dentro da van da comitiva.
Hostilizado por ativistas, Bolsonaro teve que entrar no hotel pela porta dos fundos. O filho dele, o senador Flávio Bolsonaro, foi xingado ao comprar acessórios em uma loja: “você é uma vergonha”.
Realidade paralela
Foto: Twitter/ Reprodução
Eleito há 2 anos e oito meses, Bolsonaro é alvo de investigações da CPI da Pandemia do Senado e do Ministério Público por denúncias de corrupção na compra do imunizante Covaxin pelo Ministério da Saúde. Também está no centro dos escândalos das fake News e das rachadinhas – com envolvimento dos filhos – investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Sob seu governo, o país vive a pior crise ambiental da década, com recordes de desmatamento, queimadas e avanço do garimpo ilegal na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal; e desmonte das políticas e fiscalização ambiental. A economia também vai mal desde antes da posse e o mau desempenho das políticas empurrou o país para o descontrole de preços, a fome e a recessão. No trimestre encerrado em agosto, o desemprego atingiu 14,4%, pior índice já registrado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, iniciada em 2012.
Contrariando a série de indicadores ruins, no entanto, em seu discurso de 12 minutos Bolsonaro exaltou a política ambiental, o desempenho da economia e disse que o país vive a plenitude da democracia.
Como costuma fazer em lives semanais a apoiadores, recorreu à linguagem rudimentar, aos argumentos persecutórios e posições contraditórias em relação às vacinas.
Bolsonaro voltou a defender o “tratamento precoce” à covid-19 – contrariando a comunidade científica e pareceres da Organização Mundial da Saúde (OMS), Associação Médica Brasileira (AMB) e Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Posicionou-se pela vacinação e chegou a afirmar que até novembro todos os brasileiros estariam imunizados, mas condenou as restrições adotadas pelas nações contra pessoas que se recusam a tomar a vacina.
Já na abertura, Bolsonaro anunciou que mostraria aos presentes “o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões” e que “mudou, e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019”.
Disse que seu governo está “há dois anos e oito meses sem qualquer caso concreto de corrupção”. Ele também provocou desconforto e risos entre líderes presentes ao evento ao declarar que “o Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo” e que “estávamos à beira do socialismo”.
Depois de afirmar que as estatais “davam prejuízos de bilhões de dólares, hoje são lucrativas” e que o “Banco de Desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias”, o mandatário enumerou obras e investimentos e outros feitos de seu governo, como a privatização de aeroportos e apresentou “um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada”.
Mentira como critério
Para o jurista e professor de Direito Constitucional Lênio Streck, da Unisinos, é difícil mensurar a quantidade de informações falsas na fala do presidente ao G20. “O discurso do presidente é uma prova de que a mentira é o critério da verdade. A questão desafiadora é saber o número de informações e narrativas inverídicas”.
Streck observa que Bolsonaro abandonou mais uma vez os protocolos e optou pela linguagem informal. “Tem se a impressão de que o presidente não estava na ONU, e sim, em um grupo de WhatsApp”. Sobre a postura do presidente em comparecer Assmbleia da ONU sem ter tomado a vacina e ostentar isso, o jurista afirma que “o Brasil perde muito em imagem”. “Se o próprio presidente confessa – e se jacta – de não ter tomado vacina e defende tratamento precoce diante da ONU é porque perdemos o rumo”, avalia.