POLÍTICA

Witzel: “o responsável pelos mais de 450 mil mortos tem nome, endereço e tem que ser responsabilizado”

Afastado por participação em esquema de desvio de verbas, ex-governador do Rio afirma que Bolsonaro fragilizou e deixou estados “a mercê da desgraça”
Por Gilson Camargo / Publicado em 16 de junho de 2021
Em quatro horas de depoimento na CPI, ex-governador do Rio comprometeu Bolsonaro

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em quatro horas de depoimento na CPI, ex-governador do Rio comprometeu Bolsonaro

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Protegido por um habeas corpus, o ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) compareceu à CPI da Pandemia nesta quarta-feira, 16, mas sua presença no colegiado durou cerca de quatro horas e meia e nem todos os senadores presentes puderam fazer perguntas.

Acusado de crime de responsabilidade por um esquema de corrupção em contratações da secretaria de Saúde do Rio de Janeiro para enfrentamento da pandemia, o ex-governador foi alvo de impeachment em julgamento, no dia 30 de abril, no Tribunal Especial Misto, que determinou a perda do cargo e o tornou inelegível por cinco anos. No final de maio, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) recusou um pedido de anulação da sentença. Witzel afirmou que o de impeachment foi resultado de uma perseguição política desencadeada após ele determinar a investigação da morte da vereadora Marielle Franco.

Durante o depoimento, Witzel responsabilizou o presidente Jair Bolsonaro, de quem já foi aliado, pelas mais de 450 mil mortes por covid-19. O governador cassado disse também que o governo federal criou uma narrativa para fragilizar os governadores por terem tomado medidas restritivas.

“Como é que você tem um país em que o presidente da República não dialoga com um governador de estado? E o presidente deixou os governadores à mercê da desgraça que viria. O único responsável pelos 450 mil mortos que estão aí tem nome, endereço e tem que ser responsabilizado aqui, no Tribunal Penal Internacional, pelos fatos que praticou”, atacou.

Ele também acusou o governo federal de agir de caso pensado para deixar governos estaduais em situação de vulnerabilidade, sem condições de comprar insumos e respiradores. “Os governos estaduais ficariam em situação de fragilidade, porque não teriam condições de comprar os insumos, respiradores e, inclusive, atender os seus pacientes no Sistema Único de Saúde, que, embora seja um excelente sistema para um país como o nosso, tem dificuldades. Como é que eu vou requisitar ao governo da China receber respirador? Isso é uma negociação internacional, e não foi feita”.

O intuito do Executivo, disse o ex-governador fluminense, foi se livrar das consequências econômicas da pandemia. “A narrativa que foi criada foi a narrativa de que ‘os governadores vão destruir os empregos’, porque sabia o senhor presidente da República que o isolamento social traria consequências graves à economia”.

Politizando a pandemia

Witzel: “A gestão que esse governo deu teve o objetivo claro de descompromisso com a saúde da população”

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Witzel: “A gestão que esse governo deu teve o objetivo claro de descompromisso com a saúde da população”

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Segundo Witzel, os governadores tentaram se reunir diversas vezes com o presidente Jair Bolsonaro para planejar uma ação conjunta durante a pandemia de covid-19, mas ficaram desamparados. Ele afirmou que o governo federal politizou a pandemia.

“Os governadores, prefeitos de grandes capitais, prefeitos de pequenas cidades, ficaram totalmente desamparados do apoio do governo federal. Isso é uma realidade inequívoca, que está documentada em várias cartas que nós encaminhamos ao presidente da República. Nas poucas reuniões (salvo engano foram duas reuniões que nós tivemos com o presidente), foram reuniões em que o que se percebeu foi a politização da pandemia, o governador Doria foi frontalmente atacado”, apontou.

O senador Humberto Costa (PT-PE) reiterou que o governo federal e o presidente da República são os responsáveis pela tragédia vivida pelo país. “A gestão que esse governo deu teve o objetivo claro de descompromisso com a saúde da população”.

Em resposta ao vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Witzel criticou parlamentares ligados a Jair Bolsonaro que invadiram hospitais de campanha e comandaram carreatas e outras ações contra as medidas restritivas decretadas pelo governo do estado para reduzir a propagação da doença.

Sobre os mais de 600 leitos fechados em hospitais federais no estado do Rio de Janeiro, ele relatou que pediu ao governo federal que cedesse a administração dos hospitais, com as respectivas verbas, mas não foi atendido. “Não fui atendido e durante a pandemia também não fui atendido”, reiterou Witzel, ao afirmar que a medida teria garantido mais leitos durante a crise sanitária e seria mais econômica do que construir hospitais de campanha.

Com base no habeas corpus, Witzel pediu para se retirar após sua declaração inicial e depois de responder o relator Renan Calheiros (MDB-AL) e a alguns dos senadores inscritos. Durante questionamentos de Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre investigações de superfaturamento enquanto Witzel foi governador do Rio, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), comunicou o encerramento do depoimento a pedido do depoente. “Não contribuiu em nada”, reclamou senador Jorginho Mello (PL-SC).

Caso Marielle

Ao alegar que é vítima de perseguição política, Witzel afirmou que isso foi consequência das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco, então vereadora da cidade do Rio de Janeiro, executada pela milícia em uma emboscada que vitimou também o motorista Anderson Gomes, em março de 2018. “Tudo isso começou porque eu mandei investigar, sem parcialidade, o caso Marielle. Quando foram presos os dois executores da Marielle, o meu calvário e a perseguição contra mim foram inexoráveis”, alegou.

O ex-governador disse que foi acusado “de forma leviana” de interferir na polícia do Rio de Janeiro para que a investigação do caso Marielle fosse adiante, e que passou a receber retaliações do governo federal.  “Ver um presidente da República, numa live lá em Dubai, acordar na madrugada para me atacar, para dizer que eu estava manipulando a polícia do meu estado, ou seja, quantos crimes de responsabilidade esse homem vai ter que cometer até que alguém o pare?”.

Ele relatou um encontro que teria ocorrido no ano passado com Sergio Moro, então ministro da Justiça. Moro teria repassado um recado de Bolsonaro para que Witzel parasse de dizer que queria ser presidente da República, sob pena de ser retaliado pelo governo federal. “Esse tipo de coisa, lamentavelmente, de menino de recado, não é um papel que se espera de um magistrado”.

A conversa ocorreu a partir da sua solicitação para que o Ministério da Justiça não pedisse de volta cinco delegados da Polícia Federal que estavam cedidos ao governo do Rio de Janeiro. Witzel disse que foi convidado por Moro para conversar, e que achou “estranho” que o então ministro da Justiça não quisesse tirar foto com ele durante o encontro.

Coação de testemunha

As ameaças, segundo o ex-governador, ocorreram depois da prisão dos acusados de assassinar Marielle Franco. Witzel lembrou que o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, onde o presidente da República mora, depôs à Polícia Civil do Rio durante a investigação, e nesse depoimento afirmou que, no dia do crime, um dos acusados pelos assassinatos, o ex-PM Élcio Queiroz, teria informado que iria na Casa 58, do “Seu Jair”. Posteriormente, o porteiro mudou o depoimento.

“O porteiro, uma pessoa simples, prestou depoimento à Polícia Civil. Logo depois, o ministro Moro, de forma criminosa, lamentavelmente, requisita um inquérito para investigar crime de segurança nacional, porque o porteiro depõe, prestou um depoimento para dizer que o executor da Marielle teria chegado no condomínio [Vivendas da Barra] e mencionado o nome do presidente. Se isso é verdade ou não, não é problema meu, não tenho nada com isso, eu não sou juiz e nem delegado do caso”.

Gabinete das sombras

O empresário Carlos Wizard Martins foi apontado como um dos membros mais influentes e um dos financiadores do gabinete paralelo e foi convocado para a CPI

Fabiano Accorsi/Divulgação

O empresário Carlos Wizard Martins foi apontado como um dos membros mais influentes e um dos financiadores do gabinete paralelo e foi convocado para a CPI

Fabiano Accorsi/Divulgação

Depois de muita discussão sobre a convocação ou não do secretário-executivo do Consócio Nordeste, Carlos Eduardo Gabas, os senadores da CPI da Pandemia rejeitaram, por seis a quatro votos, os requerimentos apresentados para seu testemunho ao colegiado. Foram aprovados nesta quarta-feira cinco requerimentos de transferência de sigilos, três de convocação e três de informação.

Entre os requerimentos de transferência aprovados estão a quebra de sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário do empresário Carlos Wizard Martins, apontado como membro do “gabinete paralelo” um esquema ilegal de lobistas que interferiram no enfrentamento à pandemia por interesses econômicos. O empresário está sendo esperado para depor à CPI nesta quinta-feira, 17.

“Os trabalhos desta CPI já demonstraram a existência de um “gabinete das sombras” que ditaram os rumos da atuação do governo federal no combate à pandemia. Esse gabinete defendia a utilização de medicação sem eficácia comprovada, apoiava teorias como a da imunidade de rebanho e fez campanha contra as vacinas. O senhor Carlos Wizard Martins é um de seus membros mais influentes e um de seus financiadores”, afirma o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento.

O colegiado também aprovou, a pedido de Rodrigues, as transferências de sigilo do presidente e da diretora da empresa Apsen Farmacêutica, respectivamente Renato Spallicci e Renata Farias Spallicci; do sócio da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano e do sócio da Vitamedic Indústria Farmacêutica, José Alves Filho.

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