Eleições, teorias da conspiração e paranoia coletiva
Foto: Reprodução (redes sociais)/Divulgação
O QAnon é um movimento baseado em teorias da conspiração nascido no lado obscuro da internet norte-americana – que tem sido usado eleitoralmente pelos partidários de Donald Trump nos EUA – e que começa a tomar forma no Brasil, com alguns candidatos já usando suas estratégias nas eleições municipais. Este foi o mote inicial desta entrevista com o psicanalista Christian Dunker, pós-doutorado em Patologias da Linguagem pela Manchester Metropolitan University. Mas a conversa foi além. Com sua didática peculiar, o professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) fala de fenômenos indutores, que atiçam o que ele chama de “paranoia sistêmica”, assim como o sentimento de irrelevância. Lembrando o livro de Umberto Eco O Cemitério de Praga (Editora Record), Dunker diz que, a exemplo da história das ideologias, também existe a história das teorias conspiratórias. Para ele, que é um dos fundadores e coordenador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP, o negacionismo científico é só o topo da pirâmide. “Depois que você entra em lógicas delirantes como essas, todos os sinais se invertem”. Christian Dunker se notabilizou pela renovação do pensamento de Jacques Lacan a partir dos conceitos da filosofia social crítica, da antropologia pós-estruturalista e das ciências da linguagem. Autor de 17 livros, Dunker foi premiado na categoria Psicologia e Psicanálise do prêmio Jabuti em 2012 com o livro Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica. Em julho passado lançou Paixão pela Ignorância: a escuta entre a psicanálise e educação (Editora Contracorrente).
Extra Classe – O movimento QAnon surgiu nas redes sociais americanas e ganha seguidores no Brasil. Por que teorias da conspiração conseguem arregimentar tanta gente?
Christan Dunker – Elas conseguem fazer isso sob duas condições: quando o mundo se torna mais complexo e quando a gente tem, dentro dessa complexidade, o medo da perda de posição social, de algo que ameaça os nossos valores ou algo que ofenda a nossa posição identitária no mundo. Então, essas duas coisas promovem uma resposta que a gente pode chamar de paranoia sistêmica. É a nossa tendência de interpretar que, ali, onde as coisas são mais complexas do que a nossa inteligência alcança, existe um sentido oculto. Existe uma trama oculta que, em geral, ela tende a simplificá-la.
EC – Como se dá essa simplificação?
Dunker – Tem alguns personagens. Aqueles que manipulam todo o resto. Isso promove essa simplificação. Promove uma aquietação cognitiva e emocional que, também, gera uma identificação com um grupo que passa a acreditar nessa teoria conspiratória e serve de uma nova referência de identidade. O problema é que este grupo vai estar baseado em laços cada vez mais ofensivos, cada vez mais reativos, mais odiosos em relação àqueles elementos que são percebidos como parte da trama conspiratória.
EC – Em maio de 2019, o FBI declarou que o QAnon representa uma ameaça de terrorismo doméstico. Mesmo assim, Donald Trump deixou clara a sua simpatia pelo movimento. Como explicar?
Dunker – É a adesão de autoridades, nesse caso, que inflam muito esse tipo de teoria. O objetivo é se aproveitar do dualismo que elas introduzem. É mais ou menos assim: aquele time que é mais fraco nos argumentos, que é mais fraco nos números, mais fraco nos dados, se ele jogar o jogo para catimba, para a lama, para uma situação onde ‘todos os gatos são pardos’, em que a gente, enfim, está em uma concorrência de teorias as mais diversas, quem é que ganha com isto? Justamente aquele que já está com uma retórica de produção de perigos, já está com uma retórica paranoica, que já está ajustado para isso. No fundo, ele precisa da renovação periódica disso para conseguir se manter.
PARANOIA SISTÊMICA
EC – Se por um lado as teorias da conspiração buscam a simplificação de assuntos que, digamos, muitos não conseguem explicar, por outro, como agora o senhor falou, se vê presente conotações políticas ao seu entorno. Qual a sua análise?
Dunker – Aí a gente precisa recorrer a uma segunda camada de fenômenos indutores da paranoia sistêmica. Não é a paranoia clínica, que exige cuidados, mas é aquela que floresce em situações de alta impessoalidade, de perdas de laços comunitários, redução da vida a pequenos condomínios, em que a gente vai cultivando uma relação com outro que é, assim, de distanciamento e indiferença. No fundo, isso vai se combinar com um efeito colateral desse processo, que é criar mundos de pessoas homogêneas. Mundos em que as diferenças vão sendo erradicadas e o resultado disso é um sentimento de irrelevância, um sentimento de perda de diferenças de cada um. Então, daí a ideia de que nós somos irrelevantes, inadequados, somos sub-reconhecidos, de que ninguém nos escuta. Essa ideia é instrumentalizada para a produção de violência, que é o próximo passo do processo.
EC – Como tratar isso?
Dunker – Olha, nós podemos examinar cada um dos elementos dessa equação. Mais diversidade, mais convívio com a diferença, mais esclarecimento cognitivo; recomposição das autoridades institucionais, que ainda não perceberam – de fato – e que não se transformaram para fazer frente ao novo ambiente digital. Um novo ambiente muito mais horizontal do que os que as antigas instituições estão acostumadas. Elas (as instituições), de certa forma estão indefesas, porque as defesas das instituições são institucionais, são notas técnicas, são notas de esclarecimentos, são notas impessoais que acreditam em um debate público que mudou. Agora ele não é mais composto por figuras, assim, impessoalizadas, mas por demandas que envolvem um nível de transparência que é maior, um nível de autenticidade que é maior, um nível de pessoalização maior.
EC – Pessoalização para quê?
Dunker – Para que a gente possa individualizar responsabilidades. Uma coisa indutora dessas ‘conspirações’ é o nosso cotidiano. Por exemplo, a gente liga para reclamar de uma companhia telefônica e não fala com ninguém responsável. Só fala com máquinas, só fala com pessoas que procedem como máquinas, só fala com um universo burocrático onde a responsabilidade não é individualizada. Ela é lançada para o outro, ela é adiada. A pessoa se vê, então, diante de um sistema anônimo em que ela não se reconhece, onde ela vê que não tem lugar. Aí ela adere a teorias conspiratórias que, no fundo, dizem para ela: ‘Por que que você é importante? Porque, pelo menos, você está vendo a verdade sobre essa situação’.
NAZISMO
EC – Hitler se baseou fortemente em uma teoria da conspiração do início do século 20, Os Protocolos dos Sábios de Sião, para acirrar o ambiente antissemita e criar um “inimigo comum” da Alemanha para fortalecer suas ideias. Hoje, nós temos a nova extrema-direita mundial em um discurso contra o que chama globalismo. Isso não lhe parece uma espécie de segundo tempo de um jogo, já que antes o senhor falou em jogar para catimba?
Dunker – Exatamente. Essa referência a Hitler se encaixa, porque é uma prática que a gente vê em curso: a de criar uma teoria conspiratória a partir de um suposto outro. Os Protocolos dos Sábios de Sião era uma hipótese falsa de que judeus estariam tramando para tomar o poder no mundo. A partir disso, a partir de que os outros estão numa conspiração, eu autorizo a minha conspiração. Eu autorizo a ideia de que eu possa, então, cruzar limites; eu posso atravessar leis, eu posso agir de forma não transparente. Por quê? Por que o outro já está fazendo isto.
EC – Uma espécie de autodefesa?
Dunker – Sim. É essa mesma ideia que vai reaparecer nessa parasitagem das críticas que a direita vem fazendo. A direita vem fazendo isso desde o início desse processo. Essa nova direita, o que que ela faz? Ela diz assim: se você pode ser feminista, eu posso ser machista; se você critica a globalização, eu também vou criticar a globalização e vou dizer que quem está produzindo essa globalização é você! Por que basta, vamos dizer assim, inverter as coisas, que a lógica vai continuar a mesma. Isso acrescenta um grau de veracidade, um grau de prova, para a conspiração elevada, para a metodologia política, para a retórica de governo e ao processo de autodestruição do espaço público.
EC – Como assim, parasitagem?
Dunker – Por exemplo, o movimento pós-moderno, os movimentos de correção de críticas à forma da gente falar, que com os preconceitos vão se multiplicando pela forma de dizer. Eles vão ser apropriados pela direita que diz: ‘olha, isso, esse politicamente correto é uma forma de inautenticidade, isso faz parte de uma trama. Isso é um código que eles inventaram para falar entre si. Isso tudo, na verdade, a gente tem que combater’.
“As pessoas, em determinadas conformações de grupo, deliram! Exatamente igual a pessoas que têm uma psicose, que têm uma esquizofrenia, que têm um transtorno mental mais sério. A gente cria artificialmente sintomas. Isso é o que está acontecendo”
LÓGICAS DELIRANTES
EC – Falamos de que as teorias da conspiração objetivam a simplificação de temas para atingir um objetivo político. Mas, cá entre nós, não é algo surreal ouvir da boca de um ministro brasileiro que o aquecimento global é uma trama marxista; que bilionários como Bill Gates e George Soros sejam comunistas?
Dunker – Depois que você entra em lógicas delirantes como essas, todos os sinais se invertem. O Partido Nacional Socialista de Hitler seria socialista porque ele tem lá o socialismo no nome, o que é completamente falso. Você usar elementos das discussões científicas em torno do aquecimento global, por exemplo, para dizer ‘olha não há consenso, tem 1% que acha que o processo não seja exatamente assim’. Vai se apegando em brechas, pegando franjas, para no fundo criar uma indeterminação da realidade que você semeia com a sua certeza delirante. Tudo aquilo que a gente não pode controlar vira meramente uma conspiração marxista, por exemplo.
EC – Agora se fala muito de comunismo, de Marxismo Cultural.
Dunker – Isso é muito interessante porque joga com as fantasias das pessoas. Fantasias se transmitem ao longo do tempo, de geração em geração. Então, é possível que a fantasia dos comunistas, os que querem fazer revolução, estivesse nos pais dos que hoje têm, sei lá, 30 anos, 40 anos. Por tocar fantasias que são transgeracionais, a gente começa a ser vulnerável para elas. Assim como mobilizações de conteúdos sexuais.
EC – Um exemplo.
Dunker – É a mamadeira de piroca. ‘Olha, ela não existe, mas ela cai tão bem na minha fantasia’. Não é? É a fantasia de como alguém pode ter uma felação, que pode transformar aquela pessoa numa pessoa menos viril. Eu já tenho aquela fantasia. Então a conspiração vem dar a imagem e a forma para esses conteúdos que para você, vendo de fora, são completamente fora de propósito.
EC – O que são essas pessoas que fazem isso?
Dunker – Elas são delirantes. As pessoas, em determinadas conformações de grupo deliram! Exatamente igual a pessoas que têm uma psicose, que têm uma esquizofrenia, que têm um transtorno mental mais sério. A gente cria artificialmente sintomas. Isso é o que está acontecendo.
NEGACIONISMO
EC – Como o senhor vê ideias negacionistas sobre clima, terra plana, vacinas?
Dunker – A negação é um processo defensivo descrito pelo Freud. Para aquele processo de ‘eu não quero aceitar a realidade’. Perdi uma pessoa querida; perdi o emprego porque eu não estou tão atualizado; perdi o emprego porque a política da empresa me desfavoreceu. Ou seja, quando eu não consigo ler e aceitar a realidade eu parto para uma negação. A negação cria uma satisfação psíquica. Ela cria uma espécie de ‘olha só, eu consigo reduzir a dor, eu consigo reduzir a angústia simplesmente por um sentimento de que não está acontecendo’. Eu não quero que aconteça, então, não acontece; eu não quero que tenha existido, então, não existiu. Essa prerrogativa que existe na criança – criança pequena faz muito isso – pode ser reativada quando? Quando o trauma é muito grande, quando a complexidade é muito grande, quando os meus recursos simbólicos não estão muito disponíveis, quando eu estou, por exemplo, em uma situação de incerteza e anomia social, quando eu estou, assim, limitado do ponto de vista de interpretação do meu papel social.
EC – É mais complexo do que se parece, então?
Dunker – Então, o negacionismo científico é só o topo da pirâmide de um negacionismo mais banal. Que é o negacionismo da desigualdade social; o negacionismo do racismo; o negacionismo da violência cotidiana; o negacionismo da corrupção. É um negacionismo que vai se acumulando e uma hora se transforma em forma de vida. Ele se transforma em um modo para silenciar e se integrar com outras pessoas. ‘Vamos nos unir pra negar juntos? Oba, que legal’. E assim se formam as massas digitais negacionistas.
Foto: Acervo Pessoal/Divulgação
Foto: Acervo Pessoal/Divulgação
“O cidadão Q me parece mais a criação de uma espécie de mito. É a pessoa que, quanto mais você desafia ela, mais ela foge do debate. Mais ela diz assim: ‘eu não vou aí porque se eu for eu vou macular a minha aparência’. Vai macular é o truque. Não pode. Ele depende do anonimato para manter a sua covardia. Um pouco como o Bolsonaro se mostra”
FAKE NEWS NA HISTÓRIA
EC – Por falar em massas digitais, o livro Os Protocolos dos Sábios de Sião fez um estrago enorme em uma época onde a ideia circulava apenas de forma impressa e boca a boca. E agora, que as teorias da conspiração trafegam por redes sociais mais poderosas?
Dunker – É um momento de fato de originalidade, de início de uma nova era. Todas as vezes que a gente teve um degrau tecnológico desse tipo, a gente teve ideias regressivas que voltaram. Vamos pensar no Renascimento, vamos pensar no cosmopolitismo helênico, vamos pensar na Revolução Industrial Inglesa. Em todos os momentos em que mudaram os patamares de linguagem, você vai ter uma reação regressiva que vai durar um tempo. Vai dar trabalho enfrentar, vai dar trabalho construir marcos regulatórios para a internet. É o que a gente está fazendo.
EC – O senhor está se referindo aí a toda discussão na sociedade e no Congresso a respeito das fake news?
Dunker – Sim. A minha esperança e aposta é que a gente consiga fazer isto como parte de um processo de resistência cultural, que a gente não precise judicializar completamente o universo digital para, por exemplo, entender que uma pessoa não possa entrar num site com um perfil falso, com um nome que não seja o dela para agredir outras pessoas. Quando a gente passar a ver pessoas fazendo comentário em um jornal, em um meio de comunicação, em uma conferência científica usando um nome falso, isso é uma coisa que a gente deve coibir. Não deixar acontecer. Por que, senão, a gente vai ter uma normatização em que as pessoas vão ser obrigadas a se submeter a cadastros, a controle do Estado. Vamos ter perdido uma janela de oportunidade muito importante para pensar a circulação da palavra em um outro nível.
EC – No caso de Os Protocolos dos Sábios de Sião, além dos judeus, maçons também estariam por trás da trama para dominar o mundo através da destruição do mundo ocidental. Os maçons entram aí por ser uma sociedade secreta?
Dunker – Sim. Mas aí o que que acontece: assim como a gente tem uma história das ideologias, a gente tem uma história das teorias conspiratórias. Elas apareceram, como mostrou o Umberto Eco lá no seu livro O Cemitério de Praga justamente na virada dos séculos 18, 19. E essa reaparição retoma coisas que estavam lá no século 16. Existe uma continuidade. O que é muito interessante é que, se os maçons, que eram uma sociedade secreta e tiveram influência, por exemplo, na República brasileira, na independência do Brasil, se isto existiu na história, a gente pode também mobilizar para a confirmação da tese de que existem seitas secretas e que elas são muito perigosas. Basta que tenham evidências históricas disso para que se possa manipular e produzir justificativas que são próprias do fascismo. O fascismo é uma revolução preventiva.
SEITAS INVISÍVEIS
EC – Revolução preventiva?
Dunker – Ele agride antes porque já conseguiu convencer que você está sendo agredido. Que você está sendo manipulado. Por quem? (Solta um longo Ah…!) Pelas seitas invisíveis, pelos judeus, pelos maçons, pelos rosa cruz, pelos alquimistas, pelos marxistas culturais que se encontram no Foro de São Paulo que, na realidade, é uma reunião daqueles que ficam tramando para conquistar o mundo. Isso tudo pode ser assim: ‘vai lá, verifica! De fato aconteceu o Foro de São Paulo. Ele foi uma espécie de congresso científico, das pessoas falando sobre política. Não! Na verdade houve um encontro secreto por trás. Aquilo foi só um código de aparência’. O que que está sendo usado aí? A ideia de que, assim como existe uma diferença entre o público e o privado – a gente se comporta de um jeito na rua e de outro em casa – e essa diferença varia muito de pessoa para pessoa, de classe para classe, haveria, assim, uma espécie do privado do privado.
EC – Como assim?
Dunker – No caso da Maçonaria: no público, tal como ela aparece; aí, tem o privado, que são as pessoas que fazem parte dela, mas a gente não sabe como. E, no privado do privado, são aquelas pessoas agindo sobre o público secretamente, porque elas têm poderes secretos. Veja como isso ativa a nossa imaginação dos super-heróis! Do Clark Kent, que é o Super-homem; do Peter Parker, o Homem-Aranha. Já existe uma pré-disposição psíquica que a gente gosta e cultiva. Imaginar pessoas com superpoderes que não são revelados para todo mundo.
QANON, CIDADÃO Q E MAÇONARIA
EC – Nessa lógica, que papel faz o tal cidadão Q por trás do QAnon?
Dunker – Aproveita a vulnerabilidade de todo mundo que se reconhece nele. É o ‘eu sou um anônimo, não conto, ninguém me escuta, eu sou irrelevante, mas, opa, esse Q, ele me representa’. Ele é a voz dos anônimos. Ele é a voz daqueles que se reúnem e têm um laço conspiratório entre si. De fato, é o clube dos ressentidos. É o clube dos irrelevantes.
EC – Pode nos dar um exemplo de integrante desse clube dos irrelevantes e sua teoria conspiratória?
Dunker – A gente pode sentir quando trafega um pouco no ambiente Incel, aqueles que são involuntariamente celibatários. Eles acham que as mulheres não querem manter relações sexuais com eles porque as mulheres estão punindo eles. Elas se reuniram e fizeram uma espécie de acordo entre elas e resolveram escolher alguns para serem privados dos ‘favores sexuais’ e, por isto, elas têm que ser atacadas. ‘Elas estão mancomunadas pra fazer isto com a gente’. É o mesmo processo.
EC – Se os maçons – por seu caráter secreto – foram atacados, o tal cidadão Q, por ter também a sua identidade secreta, não apresentaria uma vulnerabilidade?
Dunker – Eu não sei se representa uma vulnerabilidade porque faz parte da história que ele não possa revelar a sua identidade. Não é uma fraqueza. É, assim, parte da confirmação da história. Se ele se revelar, ele vai ser perseguido, ele vai ser morto. Ele faz isto e ele tem que continuar fazendo isso. No caso do maçom, ele está associado com o quê? Com a riqueza, que ele é uma pessoa que já tem superpoderes. Ele só não pode revelar que ele age com esses super poderes. O cidadão Q me parece mais a criação de uma espécie de mito. É a pessoa que, quanto mais você desafia ela, mais ela foge do debate. Mas ela diz assim: ‘eu não vou aí porque se eu for eu vou macular a minha aparência’. Vai macular é o truque. Não pode. Ele depende do anonimato para manter a sua covardia. Um pouco como o Bolsonaro se mostra.
BOLSONARO E O BOLSONARISMO
EC – Por falar em Bolsonaro, como ele se insere em todo esse contexto que conversamos?
Dunker – O bolsonarismo tem na criação de inimigos, os outros, o mecanismo de seu funcionamento. Acontece que, agora, a pandemia violou fortemente essa lógica. Porque aí é um inimigo que não foi você quem criou, portanto não é você quem manipula. Quando se deu conta disso, Bolsonaro tentou negar a gravidade do vírus. A negação, como falei antes, é uma atitude psíquica. A mais simples diante do desconhecido.
EC – E ele, no contexto das teorias da conspiração?
Dunker – Então, teorias conspiratórias como a de que buscam manipular a crise para atrapalhar seu governo são condizentes com o negacionismo. Elas permitem que o poder da narrativa permaneça com o conspirador. É como a continuação de uma lógica já conhecida.