Normatização do governo para proteção de dados ameaça privacidade dos cidadãos
Foto: Bruno Fortuna/Fotos Públicas
Foto: Bruno Fortuna/Fotos Públicas
Uma nova disputa se abre após o Senado rejeitar no final de agosto a Medida Provisória que adiava o inicio de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Nesta terça-feira, 8, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para cancelar dispositivos do Decreto 10.747 que regulamentou a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Segundo o parlamentar, a normatização do governo Bolsonaro coloca em risco a eficiência da nova agência e a proteção de dados pessoais no país.
Concretamente, ANPD foi criada da noite para o dia. A Casa Civil trabalhou madrugada adentro após ser pega de surpresa pelos senadores e colocou a principal autoridade nacional para a proteção de dados no país como um órgão ligado à Presidência da República.
Como deveria ser
Se durante o governo Temer a ideia original da criação de uma autoridade nacional para fiscalizar a questão do uso de dados no país perdeu muito do seu caráter de entidade autônoma, seguindo os exemplos da Europa e Uruguai, José Renato Laranjeira de Pereira afirma entender perfeitamente e concordar com as preocupações apresentadas pelo deputado Molon.
Diretor de Políticas Públicas do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN), José Renato acredita que, em geral, o decreto de regulamentação de Bolsonaro aumenta a ingerência do governo sobre a ANPD.
A proposta inicial, de uma autoridade totalmente autônoma, “era porque essa entidade iria fiscalizar inclusive o próprio Estado”, aponta José Renato.
Como ficou
Segundo ele, a modelagem não só aumenta a ingerência da Casa Civil, mas ao colocar sob as atribuições dos futuros diretores da agência todo o processo de criação e apresentação de listas tríplices para a escolha de representantes da sociedade civil para o seu conselho, praticamente aponta para nomes que estejam “afinados com a diretoria”.
Esse dispositivo, Molon chamou de um duplo filtro que prejudica o conceito de se fazer representar na ANPD pluralidades de pensamentos.
Outro questionamento é o que José Renato chama de “reserva de competência para a AGU (Advocacia Geral da União” na nova agência. “Na hora que um juiz for analisar qualquer questão, o peso da AGU certamente vai contar”, reflete.
Militares
Entre os pontos levantados, o que trata de possíveis militares que vierem a ser cedidos à ANPD é o que chama mais a atenção. Tanto na opinião do deputado Molon quanto na de José Renato, é a que na prática pode vir a comprometer mais a isenção e autonomia da nova entidade.
O decreto de Bolsonaro diz que os militares requisitados ficarão vinculados ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), seja para fins disciplinares, remuneração ou alterações.
Onde mora o perigo
Foto: Chico Ferreira/Ag. Câmara
Na atual estrutura de governo, ao GSI cabe a gestão das estruturas de Inteligência da União. A Agência Nacional de Inteligência (Abin) é um dos seus órgãos vinculados, por exemplo. “É ai que mora o perigo”, diz José Renato ao lembrar um fato recente que envolveu o serviço de inteligência nacional que teve seu acesso a dados do sistema do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) suspenso pelo próprio governo após questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Sinal de alerta
“Ali acendeu a luz vermelha”, diz José Renato. Caso não houvesse questionamentos, e mantida a autorização, a Abin teria acesso a informações de 76 milhões de brasileiros. Seriam nomes, filiação, endereços, telefones, dados dos veículos e fotos do portadores da carteiras de motorista podendo ser vistos sem maiores preocupações de uma possível invasão de privacidade.
Privacidade ameaçada
O deputado Molon integrou em 2016 a comissão especial da Câmara para analisar regras sobre proteção de dados pessoais. Para ele, além, das ameaças a privacidade de milhões de brasileiros, “o governo está tentando amordaçar o órgão consultivo da ANPD por meio de filtragens das indicações dos membros da iniciativa privada e da sociedade civil. Uma medida descabida e que vai de encontro com o que foi aprovado pelo parlamento: a criação de um colegiado independente e que possa garantir a proteção dos dados dos brasileiros”.