Senado aprova projeto que torna essenciais serviços contra violência doméstica
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
Na noite da última quarta-feira, 3 de junho, o Senado aprovou por unanimidade, proposta que torna essenciais as medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar e outros tipos de violência cometidas contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública relativa à pandemia de covid-19. A matéria segue para análise Câmara dos Deputados.
O texto aprovado pelos senadores é um substitutivo de Rose de Freitas (Podemos-ES) ao Projeto de Lei (PL) 1.291/2020, apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) e por outras 22 integrantes da bancada feminina no Congresso. A matéria voltará para a Câmara por conta das alterações feitas no Senado.
O substitutivo da senadora Rose de Freitas ampliou o alcance das medidas para incluir além de mulheres, crianças, adolescentes e idosos, também pessoas com deficiência que sofram violência doméstica e familiar ou outro tipo de violência.
O texto aprovado considera essenciais os serviços e as atividades públicas de atendimento das ocorrências de qualquer tipo de ameaça, e não somente aquelas com uso de arma de fogo, como previsto inicialmente no projeto. O texto garante ainda o atendimento presencial de qualquer ocorrência envolvendo lesão corporal, e não somente casos de estupro e feminicídio.
A proposta modifica o Decreto 10.282/2020, que define os serviços considerados essenciais durante a pandemia, e altera também a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 2006).
Ficam mantidos, sem suspensão, os prazos processuais, a apreciação de matérias, o atendimento às partes e a concessão de medidas protetivas que tenham relação com atos de violência doméstica ou familiar, inclusive os cometidos contra pessoas idosas.
O reconhecimento da violência doméstica ou familiar independe de condenação, bastando a alegação da parte, ou do Ministério Público, ou o reconhecimento de ofício pelo juiz, sem prejuízo de eventual responsabilização por possível litigância de má-fé.
O projeto estabelece também que o exame de corpo de delito seja feito no local onde a vítima se encontrar, para preservar a prova.
As penas previstas para os crimes contra a mulher deverão ser aplicadas em dobro se ocorrerem no período de calamidade pública.
O texto ainda prevê campanha sobre prevenção à violência doméstica e familiar e sobre o acesso a mecanismos de denúncia durante a pandemia.
EMENDAS – No Senado, ao todo foram apreciadas 16 propostas de emendas. Autor de sete proposições para o texto original da Câmara, o senador Fabiano Contarato (REDE/ES) viu todas serem aprovadas. Delegado e ex- Corregedor Geral do Estado do Espírito Santo, Contarato sempre destacou em suas intervenções o crescimento do feminicídio em relação ao ano passado. “Em razão do isolamento, vítimas de violência estão tendo mais dificuldades para fazer denúncias. Também sofrem violência crianças, adolescentes e idosos”, afirmou.
PRESENÇA – Dos 81 parlamentares que integram o Senado Federal, 75 se fizeram presentes na votação da PL 1291/20. Pela aprovação, 74. Não houve votos contrários, nem abstenções. O senador encarregado da presidência dos trabalhos não vota.
Índice de violência doméstica subiu 30% durante pandemia
Rose acatou 15 emendas que haviam sido apresentadas e declarou prejudicados dois projetos de lei: o PL 1.796 e o PL 2.029 de 2020, que estavam apensados à proposta principal. Em Plenário, a senadora agradeceu ao presidente da Casa, Davi Alcolumbre, pelo avanço das pautas femininas e destacou a construção de um texto em defesa das pessoas confinadas em casa, expostas à violência doméstica e familiar. Ela declarou que o Senado deu um passo muito importante ao aprovar essa matéria.
“Porque nós estamos, no tempo e na hora, tomando as atitudes necessárias. É a construção a favor de uma mulher presa dentro de um cenário, sofrendo as consequências da violência, da cultura machista que ainda perdura. Isso não é pouca coisa”, avaliou a senadora.
De acordo com a senadora Soraya Thronicke (PLS-MS), neste período de isolamento social, houve aumento de 30% no índice de violência nos lares.
“O que o projeto traz é justamente a possibilidade de atendimento a essas vítimas de violência, de tornar esse tipo de atendimento essencial. Precisamos estar sempre atentos, porque a violência contra a mulher se encontra em todas as classes sociais e muitas vezes essas mulheres sofrem caladas”, observou Soraya.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) lembrou do período em que trabalhou como médica no serviço de urgência, quando atendeu diversas mulheres vítimas de violência.
“O fato de elas poderem prestar queixar num momento como esse, de pandemia… Eu sei da situação difícil [que essas mulheres enfrentam]. Além das dificuldades econômicas, e nós sabemos que as mulheres ganham menos do que os homens, elas ainda têm que aguentar a agressão. Pode ser psicológica ou física” disse Zenaide.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também apoiou a aprovação da proposta.
“O Senado falou hoje em alto e bom som que a vida e a dignidade das mulheres importa”, declarou Bezerra.
Denúncias por meio eletrônico e telefones de emergência
O texto aprovado pelo Senado estabelece que o registro da ocorrência poderá ser realizado por meio eletrônico ou de número de telefone de emergência designado pelos órgãos de segurança pública.
Também estabelece que o poder público deverá criar canal eletrônico permanente para o recebimento de denúncias de violência doméstica e familiar contra a mulher e de violências cometidas contra crianças, adolescentes e pessoas idosas.
Ainda de acordo com o texto, as denúncias de violência recebidas pela Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Ligue 180) e pelo serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual (Disque 100) devem ser repassadas no prazo máximo de 24 horas para os órgãos competentes.
Oitivas serão feitas com protocolos de segurança sanitária
A proposta prevê que a vítima de violência doméstica e familiar será ouvida imediatamente, preferencialmente em sua residência, se isso for possível e se ela assim desejar.
Prevê também que crianças e adolescentes devem ser ouvidas obedecendo às regras sanitárias e conforme o sistema de garantias nos inquéritos e no curso dos processos previstos na Lei 13.431/2017.
Atendimento pedagógico e encaminhamento para programas de geração de renda
Pela proposta, a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios ofertarão atendimento psicológico, pedagógico e encaminhamento para programas de geração de renda às mulheres, adolescentes, crianças e pessoas idosas em situação de violência doméstica e familiar.
Poderão ser celebrados contratos de locação e promoção de reforma ou adaptação de imóveis próprios ou de terceiros para conversão em casas-abrigo ou casas de acolhimento. É dispensável a licitação para obras, serviços, compras e locações de imóveis.
As providências e as medidas protetivas de urgência, apreciação de provas e a intimação das partes poderão ser adotadas sob a forma eletrônica. As medidas protetivas deferidas serão automaticamente prorrogadas para vigorar durante a vigência da lei.
O atendimento às partes poderá ser feito por meio remoto somente quando não for possível a modalidade presencial em razão de medida de segurança sanitária.
Intimações preferencialmente por telefone durante pandemia
De acordo com a proposta, durante a pandemia de covid-19 a intimação da ofendida será feita preferencialmente por telefone, por aviso de recebimento ou mão própria, por e-mail, por aplicativo de mensagens eletrônicas, do tipo WhatsApp, ou por outro meio tecnológico. A intimação se dará nos casos do ingresso e da saída do agressor da prisão; na concessão, indeferimento ou designação de data para audiência; na revogação das medidas protetivas de urgência; e na pronúncia de condenação ou absolvição do acusado.
Os réus, vítimas e testemunhas também poderão aderir ao procedimento de intimação por meio dos canais estabelecidos. Dessa forma, O projeto buscou maneiras de evitar fraude na intimação por meio eletrônico.
Ao justificar as medidas, Rose de Freitas citou casos em que “alguém da família recebe a intimação do oficial de justiça, mas protege aquele que deveria depor ocultando a intimação”. Ela observou que, “mesmo que o prazo corra, atestados médicos e mais outros instrumentos acabam inviabilizando a denúncia da mulher”.