POLÍTICA

MP do trabalho sem salário vigorou por um dia apenas, diz Lênio Streck

O Executivo não pode publicar uma MP e depois revogar parte dela, apresentando novamente para apreciação do Congresso. Assim, o Governo tem de fazer nova MP para apresentar ao Congresso Nacional
Por Gilson Camargo / Publicado em 24 de março de 2020

"A MP é contra a população pobre e pequenos comerciantes, autônomos. Não atinge os mais ricos. Há mais de 200 bilionários no Brasil, segundo a Forbes. Taxando a riqueza, conforme, aliás, manda a Constituição, poderíamos distribuir cestas básicas e minimizar os efeitos da crise"

Foto: Reprodução

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Para o jurista e professor de Direito Constitucional Lênio Streck, da Unisinos, o presidente Jair Bolsonaro deve fazer outra Medida Provisória para substituir a Medida Provisória 927, publicada no domingo, 22, e alterada na segunda, 23, após manifestações e críticas de sindicatos e movimentos sociais. O governo subtraiu o artigo 18, que estabelecia que durante o estado de calamidade pública o contrato de trabalho poderia ser suspenso pelo prazo de até quatro meses para “participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual”. “Parece que já o fez. Mas a 927 valeu por um dia apenas. Quem dispensou seus funcionários de acordo com aquele artigo da MP pode alegar que estava dentro da lei. Isso se chama Lei no Tempo”, explica nesta entrevista.

Extra Classe – Como o senhor avalia a edição e o recuo do presidente no caso da MP 927?
Lênio Streck – Bolsonaro apenas sendo Bolsonaro. Só que desta vez o recuo não se deu calculadamente. O recuo foi contingencial. Teve uma pedra no meio do caminho. E o fez recuar.

EC – Mesmo com a revogação do artigo 18, a medida é devastadora para a classe trabalhadora e para a economia.
Streck – A MP é contra a população pobre e pequenos comerciantes, autônomos. Não atinge os mais ricos. Há mais de 200 bilionários no Brasil, segundo a Forbes. Taxando a riqueza, conforme, aliás, manda a Constituição, poderíamos distribuir cestas básicas e minimizar os efeitos da crise. Mas no Brasil taxar ricos e seus lucros e dividendos não parece ser do agrado dos governantes. Nem de esquerda, nem de direita. Ou estou errado?

EC – O Executivo não pode publicar uma MP e depois revogar parte delas, apresentando novamente para apreciação do Congresso. Por quê?
Streck – Ele deve, nesses casos, fazer outra MP. Parece que já o fez. Mas aquela valeu por um dia. Quem dispensou seus funcionários de acordo com aquele artigo da MP pode alegar que estava dentro da lei. Isso se chama Lei no Tempo.

EC – O Executivo não deveria ter em mãos os dispositivos constitucionais e a jurisprudência na hora de editar uma MP?
Streck – Sim, deveriam ler a Constituição e alguns livros de Direito Constitucional.

EC – Como o Sr. está vendo o comportamento de Bolsonaro frente à pandemia de coronavírus? O que o país está deixando de fazer?
Streck – Bom, os panelaços mostram bem o que parcela da população acha do comportamento do presidente. Porém, não se pode subestimar o apoio que ele detém, mesmo com alguns fiascos. Por que você acha que o presidente, mesmo correndo risco de perder apoios importantes, manteve-se fiel ao seu eleitorado, esse que lê o mundo via redes sociais? Eu tenho uma tia que posta todos os dias, independentemente do que disse ou fez Bolsonaro, que seu maior desejo, e invoca até Deus para isso, é ver Bolsonaro reeleito, Lula preso e o fechamento do parlamento. O que é isso, senão a amostra de que há um percentual ainda grande de apoio incondicional ao presidente?

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