Nova denúncia reafirma que Moro comandava força-tarefa da Lava Jato
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Na noite de sexta-feira, 14, em que o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro ocupou duas páginas do jornal O Estado de São Paulo se defendendo em entrevista e desafiando o The Intercept a divulgar todo o conteúdo que afirma ter sido hackeado de telefones de autoridades da Lava Jato, o site internacional de jornalismo investigativo divulgou trechos de chat nos quais o atual ministro da Justiça de Bolsonaro, na época responsável pelo julgamento em primeira instância do ex-presidente Lula sugeriu à Lava Jato emitir uma nota oficial contra a defesa do petista. Segundo o The Intercept, os procuradores acataram a ideia do magistrado e acabaram virando pauta na imprensa nacional.
Foto: MPF/ Divulgação
Segundo as novas informações do The Intercept, a conversa foi travada entre Moro e o então procurador da República, Carlos Fernando dos Santos Lima, hoje aposentado. Na troca de mensagens, o ex-juiz pediu uma nota à imprensa para rebater o que chamou de “showzinho” da defesa de Lula que, segundo Moro, teria ocorrido após o depoimento do ex-presidente no caso do triplex do Guarujá. O coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, também entrou em cena, segundo a revelação do The Intercept, reforçando a necessidade da manifestação do MPF de Curitiba à assessoria de imprensa da instituição. Para o procurador Santos Lima, Dallagnol disse que a ação era importante para “trazer conforto para o juízo e assumir o protagonismo para deixá-lo mais protegido e tirar ele um pouco do foco”.
Para o The Intercept, que cruzou a conversa com a manifestação do MPF de Curitiba, o fato de o pedido ter sido viabilizado é mais uma evidência de que Moro atuava como uma espécie de coordenador informal da acusação no processo do triplex. O site ainda diz que a revelação joga por terra o que foi dito pelo atual ministro de Bolsonaro, que afirma ser “absolutamente normal”, segundo as palavras de Moro a O Estado de São Paulo, que juiz e procuradores conversem. Segundo o The Intercept “agora, está evidente que não se trata apenas de “contato pessoal” e “conversas”, como diz o ministro, mas de direcionamento sobre como os procuradores deveriam se comportar”.
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A conversa entre Moro e o Procurador, segundo revela o The Intercept, ocorreu em 10 de maio de 2017. Na ocasião, Moro já era responsável pelo julgamento de Lula no caso do apartamento triplex do Guarujá quando pegou o celular, abriu o aplicativo Telegram e digitou uma mensagem ao Ministério Público Federal em Curitiba.
“O que achou?”, pergunta Moro, no Telegram, ao procurador Santos Lima, da força-tarefa da Lava Jato, referindo-se ao depoimento do ex-presidente. O embate entre o juiz e Lula era o assunto do dia no país, com o vídeo da oitiva circulando fortemente nas redes sociais.
The Intercept disse ainda que procurou a assessoria do ministro Sérgio Moro nesta sexta-feira e apresentou com antecedência todos os pontos mostrados na reportagem. Em resposta, o site recebeu a seguinte mensagem do ministério da Justiça e da Segurança Pública: “O Ministro da Justiça e Segurança Pública não comentará supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por meio de invasão criminosa de hackers e que podem ter sido adulteradas e editadas, especialmente sem análise prévia de autoridade independente que possa certificar a sua integridade. No caso em questão, as supostas mensagens nem sequer foram enviadas previamente”.
Para o site investigativo, apesar de chamar as conversas de “supostas”, Moro admitiu a autenticidade de um chat em uma coletiva, na qual chamou de “descuido” o episódio no qual, em 7 de dezembro de 2015, passa uma pista sobre o caso de Lula para que a equipe do MP investigue.
A assessoria de imprensa dos procuradores da Lava Jato em Curitiba também foi procurada pelo The Intercept, mas não se manifestou.
Veja o diálogo entre Moro e o procurador Santos Lima e os comentários do The Intercept contextualizando os fatos
Santos Lima – 22:10 – Achei que ficou muito bom. Ele começou polarizando conosco, o que me deixou tranquilo. Ele cometeu muitas pequenas contradições e deixou de responder muita coisa, o que não é bem compreendido pela população. Você ter começado com o Triplex desmontou um pouco ele.
Moro – 22:11 – A comunicação é complicada pois a imprensa não é muito atenta a detalhes.
Moro – 22:11 – E alguns esperam algo conclusivo.
Além do depoimento, outro vídeo com Lula circulou na internet e virou pauta dos telejornais naquele mesmo dia. Depois de sair do prédio da Justiça Federal, o ex-presidente se dirigiu à Praça Santos Andrade, em Curitiba, e fez um pronunciamento diante de uma multidão. Por 11 minutos, Lula atacou a Lava Jato, o Jornal Nacional e o então juiz Sergio Moro. Disse que estava sendo “massacrado” e encerrou com uma frase que entraria para sua história judicial: “Eu estou vivo, e estou me preparando para voltar a ser candidato a presidente desse país”. Era o lançamento informal de sua candidatura às eleições de 2018.
Comentário do The Intercept: Um minuto depois da última mensagem, Moro mandou para o procurador Santos Lima:
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Moro – 22:12 – Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele
Moro – 22:13 – Por que a Defesa já fez o showzinho dela.
Santos Lima – 22:13 – Podemos fazer. Vou conversar com o pessoal.
Santos Lima – 22:16 – Não estarei aqui amanhã. Mas o mais importante foi frustrar a ideia de que ele conseguiria transformar tudo em uma perseguição sua.
Comentário do The Intercept: Moro, o juiz do caso, zombava do réu e de seus advogados enquanto fornecia instruções privadas para a Lava Jato sobre como se portar publicamente e controlar a narrativa na imprensa.
As afirmações do então magistrado que The Intercept divulga agora contradizem também o que ele dissera horas antes a Lula, naquele mesmo dia do julgamento, publicamente, ao iniciar o interrogatório do petista: que o ex-presidente seria tratado com “todo o respeito”.
“Eu queria deixar claro que, em que pesem alegações nesse sentido, da minha parte não tenho nenhuma desavença pessoal contra o senhor ex-presidente. Certo? O que vai determinar o resultado desse processo no final são as provas que vão ser colecionadas e a lei. Também vamos deixar claro que quem faz a acusação nesse processo é o Ministério Público, e não o juiz. Eu estou aqui para ouvi-lo e para proferir um julgamento ao final do processo”, disse Moro.
“Pq resolveram falar agora? Pq era o ex-presidente?”
Comentário do The Intercept: Dez minutos depois da conversa com o então juiz, naquele 10 de maio, Santos Lima abriu o grupo Análise de clipping, em que também estavam assessores de imprensa do MPF do Paraná. Ele estaria em Recife no dia seguinte em um congresso jurídico.
Santos Lima – 22:26:23 – Será que não dá para arranjar uma entrevista com alguém da Globo em Recife amanhã sobre a audiência de hoje?
Assessor 1 – 22:28:19 – Possível é, só não sei se vale a pena. E todos os jornalistas que estão aqui e já pediram entrevista?
Assessor 2 – 22:28:32 – Mas dr., qual o motivo?
Assessor 2 – 22:29:13 – Qual a necessidade, na realidade..
Santos Lima – 22:30:50 – Uma demanda apenas. Como está a repercussão da coletiva dos advogados?
Assessor 2 – 22:30:58 – Rito normal do processo…vcs nunca deram entrevista sobre audiência… vai servir pra defesa bater… mais uma vez…
Comentário do The Intercept: Oito minutos depois, Santos Lima copiou a conversa que teve em seu chat privado com Moro – em que o juiz sugere a nota pública para apontar as contradições de Lula – e colou em outro chat privado, com o coordenador da Lava Jato no MPF, Deltan Dallagnol. Eram 22h38.
Àquele horário, os procuradores da força-tarefa discutiam num chat chamado Filhos de Januário 1 se deveriam comentar publicamente o depoimento de Lula. Às 22h43, Santos Lima escreveu no grupo, dirigindo-se a Dallagnol: “Leia o que eu te mandei”. Ele se referia às mensagens que trocara com Moro. Três minutos depois, Dallagnol responderia em quatro postagens consecutivas no grupo:
Deltan – 22:46:46 – Então temos que avaliar os seguintes pontos: 1… 1) trazer conforto para o juízo e assumir o protagonismo para deixá-lo mais protegido e tirar ele um pouco do foco; 2) contrabalancear o show da defesa.
Deltan – 22:47:19 – Esses seriam porquês para avaliarmos, pq ng tem certeza.
Deltan – 22:47:50 – O “o quê” seria: apontar as contradições do depoimento.
Deltan – 22:49:18 – E o formato, concordo, teria que ser uma nota, para proteger e diminuir riscos. O JN vai explorar isso amanhã ainda. Se for para fazer, teríamos que trabalhar intensamente nisso durante o dia para soltar até lá por 16h.
Comentário do The Intercept: Foi a vez então de Dallagnol mandar uma mensagem ao grupo Análise de clipping, dos assessores de imprensa.
Deltan – 23:05:51 – Caros, mantenham avaliando a repercussão de hora em hora, sempre que possível, em especial verificando se está sendo positiva ou negativa e se a mídia está explorando as contradições e evasivas. As razões para eventual manifestação são: a) contrabalancear as manifestações da defesa. Vejo com normalidade fazer isso. Nos outros casos não houve isso. b) tirar um pouco o foco do juiz que foi capa das revistas de modo inadequado.
Comentário do The Intercept: O assessor de imprensa estranhou o pedido e alertou que poderia ser um “tiro no pé”.
Assessor 2 – 23:15:30 – Quem bate vai seguir batendo. Quem não bate vai perceber a mudança de posicionamento e questionar. É uma parte do processo. Na minha visão é emitir opinião sobre o caso sem ele ter conclusão… e abrir brecha pra dizer que tão querendo influenciar juiz. Papel deles vai ser levar pro campo político. Imprensa sabe disso. E já sabe que vcs não falam de audiências geralmente. Mudar a postura vai levantar a bola pra outros questionamentos. Pq resolveram falar agora? Pq era o ex-presidente? E voltar o discurso de perseguição… é o que a defesa fez, faz… pq não tem como rebater a acusação. Acusação utilizar da mesma estratégia pode ser um tiro no pé.
Comentário do The Intercept: O que os assessores não sabiam é que não era o MPF que queria influenciar o juiz, mas o juiz que estava influenciando o MPF. Três minutos antes de mandar essas mensagens ao grupo, Dallagnol havia escrito a Moro. Além de elogiá-lo pela condução da audiência, o procurador falou sobre a nota:
Deltan – 23:02:20 – Caro parabéns por ter mantido controle da audiência de modo sereno e respeitoso. Estamos avaliando eventual manifestação. A GN acabou de mostrar uma série de contradições e evasivas. Vamos acompanhar.
Moro – 23:16:49 – Blz. Tb tenho minhas dúvidas dá pertinência de manifestação, mas eh de se pensar pelas sulilezas envolvidas.
Comentário do The Intercept: O pedido de Moro para apontar as contradições da defesa de Lula seria discutido no chat Filhos do Januário 1 até o fim da noite e também na manhã do dia seguinte, 11 de maio. E, finalmente, atendido.
Os procuradores, acatando a sugestão de Moro, distribuíram uma nota à imprensa, repercutida por Folha de S. Paulo, Estadão, Jovem Pan e todos os principais veículos e agências do país. As notícias são centradas justamente na palavra desejada pelo juiz: “contradições”.
Na nota, a força-tarefa expõe o que considera serem três contradições do depoimento de Lula e refuta diretamente uma alegação da defesa do petista, que os procuradores consideraram mentirosa.
Naquela noite, Dallagnol enviou uma mensagem a Moro para explicar por que não explorou a fundo as contradições do petista:
Deltan – 22:16:26 – Informo ainda que avaliamos desde ontem, ao longo de todo o dia, e entendemos, de modo unânime e com a ascom, que a imprensa estava cobrindo bem contradições e que nos manifestarmos sobre elas poderia ser pior. Passamos algumas relevantes para jornalistas. Decidimos fazer nota só sobre informação falsa, informando que nos manifestaremos sobre outras contradições nas alegações finais.