Contra protestos, Bolsonaro quer licença para matar
Foto: Reprodução/Instagram
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“O cenário dos anos de chumbo, que marcou a região
nas décadas de 1960 e 1970, ressurgiu com violência
renovada e ameaça se instalar também no Brasil”.
Equador, Chile, Colômbia, Haiti, Bolívia… Nos últimos meses, esses países têm sido palco de massivos protestos populares, em função das políticas neoliberais aplicadas por seus governos (nos quatro primeiros) e do golpe de Estado contra o governo de Evo Morales, no caso da Bolívia. Nos quatro países, as manifestações foram alvo de uma pesada repressão policial, militar e mesmo paramilitar com um saldo trágico de mortos e feridos, especialmente na Bolívia. O cenário dos anos de chumbo, que marcou a região nas décadas de 1960 e 1970, ressurgiu com violência renovada e ameaça se instalar também no Brasil, onde o presidente da República já anunciou que pretende dar “carta branca” para a polícia e as Forças Armadas reprimirem manifestações semelhantes.
Na Bolívia, segundo levantamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), até o dia 16 de novembro, o saldo era de pelo menos 23 mortos e 715 pessoas feridas desde o início dos protestos. O chamado “governo provisório” editou o Decreto 4078 autorizando a “participação militar na restauração da ordem pública” e isentando as forças militares da responsabilidade criminal. Esse decreto, denunciou a CIDH, “ignora os padrões internacionais de direitos humanos e, por seu estilo, estimula a repressão violenta”. Nas últimas semanas, as cenas da repressão policial e militar contra as comunidades indígenas bolivianas se espalharam pelas redes sociais.
No Chile, segundo dados divulgados pelo governo, 23 pessoas morreram desde o início dos protestos, na metade de outubro. As forças de segurança chilenas cometeram sérias violações de direitos humanos, inclusive assassinatos, ao empregar força para controlar os protestos de rua no país, afirmou a organização Human Rights Watch em um relatório publicado dia 26 de novembro. Segundo o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH), até o dia 21 de novembro, considerando somente as pessoas que entraram com denúncia criminal, o saldo era de 442 vítimas de agressões, tratamento cruel, torturas, estupros, assassinatos e tentativas de assassinatos cometidos pelas forças de segurança.
Na Colômbia, até o dia 26 de novembro, o saldo era de pelo menos quatro pessoas mortas. Um desses casos teve repercussão e visibilidade mundial. O estudante Dilan Cruz, de 18 anos, morreu após passar dois dias internado com um ferimento na cabeça, causado por um projétil de gás lacrimogêneo disparado por um integrante da polícia de choque colombiana. Um vídeo, que circulou amplamente nas redes sociais, registrou o momento exato em que o estudante foi atingido pelas costas pelo disparo do policial. No Equador, o número de mortos foi de pelo menos cinco pessoas, com 554 feridos e 929 presos, segundo levantamento da Defensoria Pública nacional.
Os protestos no Haiti tiveram menos visibilidade midiática, mas um número alto de vítimas. No Haiti, a população saiu às ruas contra a falta de combustíveis e de recursos, exigindo a renúncia de Jovenel Moïse. A resposta do governo foi, mais uma vez, repressão policial. Segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), 42 pessoas foram mortas durante os protestos. Já as organizações de direitos humanos do país contabilizam mais de 77 mortes nos protestos ao longo deste ano.
“Licença para matar” – Diante desse cenário de crescente tensão, o presidente Jair Bolsonaro classificou os manifestantes chilenos como “terroristas” e prometeu dar carta branca para as forças de segurança reprimirem protestos desta dimensão, caso eles ocorram também no Brasil. Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei com regras para regulamentar o chamado excludente de ilicitude. O objetivo é isentar militares das Forças Armadas e integrantes de forças de segurança, como policiais civis e militares, que atuam em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), de eventuais punições. Na mesma linha, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, e Paulo Guedes, ministro da Economia, afirmaram que a resposta do governo a possíveis protestos pode ser um “novo AI-5”.
O Ministério Público Federal (MPF) criticou o projeto de lei afirmando que o mesmo é inconstitucional e não se compara nem a atos institucionais da ditadura militar. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a Comissão Pastoral da Terra também se manifestaram repudiando o uso das Forças Armadas para reintegração de posse no campo. Na avaliação do MST e da CPT, a chamada GLO corresponde a uma ação para tentar criminalizar movimentos populares. Para a CPT, o governo Bolsonaro segue uma escalada autoritária que, no fundo, representa “uma licença para matar”.