Novo Fies impede acesso de jovens ao ensino superior
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O “Novo Fies”, sancionado pelo presidente no dia 7 de dezembro de 2017 (Lei 13.530), desagradou as universidades, os estudantes e impedirá que milhões de jovens acessem o ensino superior. No Rio Grande do Sul, segundo pesquisa do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS), mais de 70% das instituições deixarão de oferecer vagas devido as novas regras. Esta retração é, também, reconhecida pelo Comung, o maior consórcio de Universidades do Estado. Configura-se, portanto, que o objetivo principal do “Novo Fies” é cessar a série histórica de expansão do ensino superior brasileiro, negar o direito dos jovens trabalhadores a cursar uma graduação e inviabilizar seus sonhos de estudar numa universidade.
O Brasil, que possui uma das maiores demandas educacionais do mundo, oportuniza acesso ao ensino superior para apenas 16% dos jovens. Por esta razão, no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), o Brasil assumiu o compromisso de “elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta” (meta 12), ou seja, deveríamos estar expandindo o acesso ao ensino superior para dobrar as matrículas ao invés de reduzir oportunidades. E o pior, os dados do Censo da Educação Superior/2016 apontaram uma estagnação das matrículas no ensino superior e diminuição de alunos nas instituições privadas, responsáveis por 6.058.623 (75,3%) das matrículas nos cursos de graduação. Portanto, com o “novo” programa, vai piorar.
Entre 2014 e 2016 aumentou de 22,7% para 25,8% o percentual de jovens, entre 16 e 29 anos, sem trabalho (ocupação) e sem educação. Também, foram os jovens os mais afetados pela crise, especialmente aqueles de cor preta ou parda (29,1%) e, neste grupo, as mulheres pretas e pardas foram o grupo mais afetado pelo fenômeno (37,6%), de acordo com PNAD/2017. Segundo o Atlas de Violência de 2017 (IPEA), mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil entre 2005 e 2015. Apenas em 2015, foram 31.264 homicídios de pessoas com idade entre 15 e 29 anos. Os homens jovens continuam sendo as principais vítimas e, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras.
Nessa realidade, o financiamento da Educação Superior privada feito diretamente pelos estudantes e suas famílias tem limitações, determinadas especialmente pelo fato de que, de cada dez estudantes, quatro vivem em casas com renda mensal de três a dez salários mínimos, e três, com renda de um a três salários mínimos. Passam, então, a ser decisivos para o financiamento, os programas governamentais como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Financiamento do Estudante do Ensino Superior (Fies), o Programa de Estímulo à Reestruturação das Instituições de Ensino Superior (Proies), Programa Ciências Sem Fronteiras, Bolsas Capes, CNPq e outros. Uma Política de Apoio ao Estudante de Estado não é somente necessária, mas condição para jovens pobres acessarem a educação superior.
O Novo Fies, com apenas 310 mil vagas em 2018, prevê 100 mil vagas a juro zero para estudantes com renda familiar per capita mensal de até três salários mínimos (público já contemplado pelo Prouni e Proies). Outras 150 mil vagas para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, restando apenas 60 mil vagas para todo o Brasil, com uma população de aproximadamente 208 milhões de pessoas e, destas, 50 milhões são jovens. A dimensão da riqueza brasileira permitiria investir, em todos os níveis, mais recursos públicos com a educação de seus cidadãos e, como asseveram alguns autores, “o Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos pobres”.
Opção pelo atraso
Foto: AlaN Santos/PR
Este “novo Fies” é mais uma das várias medidas de subjugar o direito a educação ao ajuste fiscal e a lógica do mercado, operadas por Temer/Mendonça, que continuam extinguindo todas as políticas e programas, tanto na educação básica quanto na superior. Esse “novo” programa se soma a outras iniciativas, como: aprovação da PEC 95, fixando um teto de gastos sociais por 20 anos (PEC nº 95/2016); nova regulamentação da Educação a Distância (EaD), totalmente reformulada em um ano (Decreto 9.057/2017 e Portaria MEC 11/2017); apoio oficial ao Projeto Escola Sem Partido; nova Política de Formação de Professores; Base Nacional Comum Curricular (BNCC) fragmentada: BNCC do Ensino Fundamental (aprovada pelo Conselho Nacional de Educação em 15/12/2017); BNCC para o ensino médio e da BNCC para Formação de Professores prometida para 2018; redução e extinção de Programas de Assistência Estudantil (Fies, Prouni, Ciência Sem Fronteiras, Pibib,…) e abandono deliberado do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024). A mais recente medida é o Decreto nº 9.235, de 15/12/2017, dispondo sobre as funções de regulação, supervisão e avaliação das Instituições e cursos superiores de graduação e pós-graduação no sistema federal de ensino.
Este tratamento irresponsável que o governo atual oferece aos jovens não é uma causalidade, mas sim um projeto e uma estratégia de manipulação da “elite” econômica e política que domina e usurpa nossas riquezas naturais e humanas. A sociedade brasileira, bem como as Instituições de Ensino Superior (IES), precisam ter consciência e discernimento político, posicionando-se em defesa de políticas de Estado, exigindo expansão do acesso ao ensino superior e cumprimento das metas do PNE vigente. O silêncio, o pragmatismo utilitarista e a disputa, entre si, pelos alunos já matriculados no sistema, novos arranjos curriculares e, a mera simplificação do ensino híbrido (EaD & presencial), é o pior caminho, pois é o caminho da estagnação, da retração e da morte. As juventudes do Brasil merecem, por parte das Universidades, uma liderança acadêmica mais lúcida em defesa do direito à educação superior e uma visão de futuro mais ampla do que este desgoverno míope implementa. O compromisso para com um projeto de nação deve unir a todos – universidades, estudantes, entidades educacionais – e evitar um retrocesso secular na educação.
Porém, não é só isso. É necessário analisar mais profundamente o que, efetivamente, está em jogo quando se opta por não investir em educação e na formação dos jovens? Para a pesquisadora Martha Nussbaum, da Universidade de Chicago, a educação atualmente está direcionada somente para atender o desenvolvimento econômico e, dada a natureza da economia da informação, os países podem aumentar seu PIB sem se preocupar muito com o acesso à educação, desde que criem uma elite tecnológica e empresarial competente. Além das competências básicas para muitos e das competências mais avançadas para alguns, basta formar uma elite relativamente pequena. Nesta perspectiva, no Brasil, com 16% dos jovens no ensino superior, atingimos o teto de acesso e a nova estratégia é impedir a expansão. Ensino superior para poucos, uma elite. Evitar a universalização é a ordem desde 2016.
Mas, recentemente, o Grupo Banco Mundial (BM), atacou o ensino público brasileiro, propôs a redução de 1,5% do PIB em investimentos na educação básica e superior e recomendou a introdução imediata da cobrança de mensalidades nas universidades públicas. No relatório denominado Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil (novembro 2017), considera as despesas com o ensino superior como “ineficientes e regressivas” e, propõe uma reforma do sistema, que poderá “economizar 0,5% do PIB do orçamento federal”, já que o “O Governo Federal gasta aproximadamente 0,7% do PIB com universidades federais”. Tais propostas confrontam a meta 20 do PNE que definiu aumentar os investimentos educacionais em 10% do PIB até 2024.
Os riscos do encolhimento da educação
Qual é o risco reduzir os investimentos na educação e restringir o acesso dos jovens ao ensino médio e superior com qualidade? Qual é o perigo da situação atual? O poeta e dramaturgo francês, Victor Hugo (1802-1985), nos ajuda a entender: “A ignorância. A ignorância, muito mais que a miséria. … É num momento semelhante, diante de um perigo como esse, que se pensa em atacar, em mutilar, em sucatear todas essas instituições que têm como objetivo específico perseguir, combater e destruir a ignorância” (1848). Ainda que o conhecimento não seja garantia de um comportamento ético, a ignorância é praticamente garantia de mau comportamento. A estupidez moral é necessária para executar programas de desenvolvimento econômico que ignoram as desigualdades econômicas e sociais.