Palestras em escola sobre drogas? Má ideia
Estudo de revisão realizado na Escócia e publicado em dezembro de 2016 mostrou que não há evidência de que mais conhecimento sobre as drogas e alertas sobre seus efeitos alterem comportamentos
Foto: Freeimages
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Ilustrando o tema, um dos meus alunos, major da Polícia Militar, relatou um exemplo curioso. A PM estava sendo importunada com muitos trotes para o 190. Identificou, então, que tais chamadas vinham de telefones públicos, quase todos na proximidade de escolas. Deduzindo que alunos estavam entre os autores, a polícia montou uma estratégia de prevenção ao trote com palestras em escolas.
Foram definidos dois bairros muito semelhantes: no primeiro (o de intervenção), as palestras seriam feitas em todas as escolas; no segundo (o de controle), nada seria feito. Assim, poderiam comparar a evolução dos trotes nos dois bairros e saber se as palestras tinham produzido efeito. Nos primeiros 30 dias após as palestras, se repetiu o número médio de trotes no bairro de controle, mas, no bairro de intervenção, os trotes dobraram! O programa foi imediatamente suspenso.
O efeito inesperado foi, possivelmente, decorrência da universalização da informação sobre os trotes. Até aquele momento, um grupo de alunos vinha se divertindo com a história. Com as palestras, a polícia confirmava que estava sendo importunada e, sem se dar conta, generalizava uma sugestão que acabou tendo um efeito iatrogênico, como se costuma dizer na área da saúde.
Algo muito parecido pode ocorrer com palestras feitas em escolas para a prevenção do uso de drogas. Já há muito anos, sabe-se desse risco. Ao final dos anos 1990, em uma meta avaliação de programas de segurança pública nos EUA, Lawrence Sherman, o fundador do movimento conhecido por “policiamento com base em evidências”, e vários outros criminólogos haviam encontrado evidências fortes de que palestras em escolas para prevenção ao uso de drogas não funcionavam. Pior, em alguns casos, poderiam estimular o uso .
As evidências recentes são muito mais amplas. Estudo de revisão realizado na Escócia e publicado em dezembro de 2016 mostrou que “não há evidência de que mais conhecimento sobre as drogas e alertas sobre seus efeitos alterem comportamentos”. Os estudos mais reconhecidos no mundo seguem na mesma linha, sendo que as evidências encontradas apontam que não produzem efeitos positivos ou produzem efeitos iatrogênicos, programas que:
1. Utilizam métodos não interativos, como palestras.
2. Ofertam apenas informações e estimulam o medo.
3. São focados no desenvolvimento da autoestima e em educação emotiva.
4. São direcionados para tomada de decisões éticas ou com foco em valores.
5. Divulgam testemunhos de ex-usuários de drogas e
6. São ministrados por policiais.
Não há evidências científicas que indiquem programas de prevenção ao uso de drogas em escolas que realmente funcionam, mas sobre aquelas abordagens que não funcionam ou que agravam os problemas, as evidências são muitas. Algumas abordagens realizadas com crianças em escolas para outros fins ‒ como o “Jogo do bom comportamento” (Good Behavior Game) ‒ demonstraram efeitos benéficos muitos anos depois, reduzindo indicadores de violência, de impulsividade e de consumo de drogas lícitas e ilícitas entre jovens. Estratégias de apoio às famílias e de desenvolvimento de habilidades de pais e mães na educação das crianças também têm produzido bons resultados. Ambas as abordagens, entretanto, nada têm a ver com palestras sobre drogas.
Tudo indica que é necessário enfrentar os fatores de risco para a vulnerabilidade dos jovens, que aumentam as chances de envolvimento problemático com drogas. Entre esses fatores temos o vínculo frágil com a escola; a evasão escolar; pais negligentes, violentos ou abusadores; estresse psicológico; doenças mentais, amigos usuários etc.
No Brasil, temos muitas iniciativas de palestras em escolas sobre drogas, mas nenhuma avaliação sobre seus resultados. A iniciativa mais popular dessa natureza é o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), desenvolvido e aplicado pelas Polícias Militares de todos os estados há mais de 25 anos, sem um único estudo sobre seu impacto. O Proerd foi inspirado no programa norte-americano Drug Abuse Resistence Education (D.A.R.E.).
Bem, o D.A.R.E. conta com muitas avaliações independentes, realizadas em condições rigorosas de controle e em estudos longitudinais. O que elas mostram é que o programa é muito caro e não funciona . Talvez exista algo diferente no Proerd que permita resultados preventivos, não se sabe. O fato é que uma iniciativa do tipo deveria já contar com muitas avaliações realizadas por universidades e institutos independentes. Mas quem está preocupado em medir resultados de políticas públicas no Brasil?
[1] WARREN, Fran. What works’ in drug education and prevention? Health and Social Care Analysis Scottish Government, 2016.
[1] SHERMANN Lawrence, et al. Preventing Crime: What Works, What Doesn’t, What’s Promising. U.S. Department of Justice; Office of Justice Programs; National Institute of Justice, 1998.
[1] WARREN, Fran. What works’ in drug education and prevention? Health and Social Care Analysis Scottish Government, 2016.
[1] WEST, Steven L and O’NEAL, Keri K. Project D.A.R.E. Outcome Effectiveness Revisited. American Journal of Public Health. 94(6): 1027–1029, 2004.
* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe