A Greve Geral e a ameaça de um novo 68
Greve Geral do dia 28 de abril mostrou, entre outras coisas, que o Brasil está diante de uma encruzilhada, cujos caminhos apontam tanto para a retomada da vida democrática como para um fechamento político ainda maior, de consequências imprevisíveis. A greve convocada por uma unidade inédita de centrais sindicais de diferente orientação política, movimentos sociais e populares, levou mais de 1 milhão de pessoas às ruas em todo o país e paralisou atividades como transporte, bancos, comércio e serviços diversos. A mobilização manifestou um rechaço frontal às propostas de reforma da Previdência e reforma trabalhista enviadas pelo governo de Michel Temer (PMDB) ao Congresso Nacional.
Foto: reprodução video TVT
O presidente conduzido ao poder por um golpe parlamentar aparece, cada vez mais, sem legitimidade e base de apoio popular. O maior indicador dessa falta de legitimidade é que, desde que assumiu, Temer não sai às ruas, para evitar ser recebido com vaias e protestos. Enquanto isso, nos últimos meses, a presidente afastada Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva arrastam multidões por onde passam, deixando exposta uma fratura de dimensões crescentes. Um governo impopular com a legitimidade cada vez mais corroída, encastelado no Palácio do Planalto, tenta aprovar a toque de caixa no Congresso reformas que retiram direitos do conjunto da população e beneficiam especialmente o grande capital, principal base de sustentação de Temer.
A imprensa internacional foi unânime em destacar o êxito da Greve Geral de 28 de abril. O jornal espanhol El País destacou que a Greve Geral “encontrou apoio inesperado além das tradicionais alas da esquerda”, submetendo o governo Temer a uma prova de fogo decisiva que pode marcar o futuro do presidente. A BBC falou da primeira grande Greve Geral das últimas décadas, assinalando que “milhões de trabalhadores, incluindo os funcionários do transporte público, de bancos e professores foram convocados a paralisarem suas atividades por sindicatos e grupos sociais”.
Enquanto isso, a maior parte da imprensa brasileira fazia uma cobertura discreta da greve, destacando muitas vezes os problemas de trânsito provocados ou simplesmente omitindo o que estava acontecendo no país. Na noite que antecedeu a greve, o Jornal Nacional, da Rede Globo, ainda o telejornal de maior audiência no Brasil, simplesmente omitiu que no dia seguinte ocorreria uma Greve Geral. Na edição do dia seguinte, o mesmo programa divulgou uma matéria para “provar” que a Globo havia, sim, feito a cobertura da Greve Geral. A matéria em questão mostrava repórteres da emissora fazendo a cobertura da greve.
O papel da mídia, especialmente da Globo, na sustentação do governo Temer ganhou destaque no dia seguinte à greve, quando Lula e Dilma, durante um ato em defesa do pólo naval de Rio Grande, apontaram a empresa como a direção política do golpe. “Este país sofreu um golpe. Eu fui afastada sem crime de responsabilidade por um bando de corruptos. É um golpe que tem na Rede Globo o seu principal partido político e que possui um objetivo muito claro: enquadrar o Brasil social, política e economicamente no neoliberalismo”, disse Dilma. Na mesma linha, Lula desafiou a emissora a apresentar logo o seu candidato às eleições de 2018: “Desejo que a Globo escolha logo o seu candidato para 2018. Terei o maior prazer em derrotar o escolhido da Rede Globo”.
Uma das interrogações centrais da conjuntura agora é se teremos eleições em 2018. A base político-empresarial que apoiou a derrubada de Dilma quer aprovar o mais rápido possível as reformas da Previdência e trabalhista, bem como uma série de outras medidas. Um governo ilegítimo e impopular só tem um caminho para implementar essa agenda: a força. E ela vem aparecendo crescentemente, especialmente por meio das polícias militares. Na Greve Geral, o estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiânia, Mateus Ferreira, foi atingido na cabeça por um policial militar, sofrendo traumatismo no crânio. Em São Paulo, três militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos e acusados de “incitação à violência, incêndio criminoso e explosão”. O crescente recurso à repressão policial contra as manifestações faz crescer o fantasma de 1968, quando a ditadura civil-militar que havia chegado ao poder em 1964 decidiu aprofundar a repressão e o fechamento político por meio do AI-5.