Homens e mulheres sempre se queixaram uns dos outros, nenhuma novidade, mas a forma como isso vem acontecendo é de se coçar na cabeça os neurônios da modernidade. Estou tentando escrever um samba sobre o assunto, também por isso ando bastante encafifado com ele. Suponho que me falte alguma pesquisa de campo mais ampla, uma conveniente atualização. Há um bom tempo não sei o que é uma boemia e não freqüento propriamente nenhum círculo de casais que pudesse servir de amostra significativa. Mas isso já se estabelece, talvez, como um indício. Entre amigos e conhecidos de ambos os sexos, a grande maioria é de gente solteira, separada, divorciada, disponível, enfim, com ou sem filhos, mas aparentemente convicta de que no copinho do seu banheiro só cabe uma escova de dente das grandes.
Não se diga que penduraram as chuteiras, pelo contrário, há uma frenética atividade de busca, conhecimento, enamoramento, sexo casual e animal, mas o dia seguinte de todas essas investidas é costumeiramente uma lamúria sobre a insensatez, insensibilidade e inaptidão amorosa do sexo oposto – ou do pretendente de mesmo sexo, o que talvez já sejam outros quinhentos e muita areia analítica pro meu caminhãozinho. Ou não. Mas é só um samba, pelo amor de Deus!
Descartando, então, a idéia de que os seres humanos tenham todos se tornado insensatos, insensíveis e inaptos, o que torna tão difícil a realização de uma parceria razoavelmente harmoniosa e duradoura? Aos homens, digo com convicção porque pertenço ao clube, as mulheres de hoje assustam. Um século depois de Freud se perguntar “Afinal, o que desejam as mulheres?”, fico com a resposta sugerida pelo psicanalista Alfredo Jerusalinsky, em entrevista para a Zero Hora: “Que tal, tudo?”.
A modernidade trouxe, para a mulher, autonomia e liberdade sexual, mas não lhe retirou a exclusividade da gestação dos filhos e, na prática, da sua guarda e educação, ainda que legalmente esse direito exista para os homens. Também não lhe privou, e por decreto não seria, de continuar a exigir do homem a fidelidade conjugal que, no tocante a ela própria, é muitas vezes classificada como uma amarra da qual deva corajosamente se livrar. As mesmas conquistas sociais e profissionais que a realizam e que confirmariam uma independência exigem que se desdobre no cotidiano para manter o melhor de sua forma, aparência e beleza, porque a voracidade do mercado de trabalho e o escrachado individualismo moderno demandam que mantenha suas velhas armas sempre em prontidão.
Ou seja, tendo que bater ponto no trabalho, levar o pirralho na escola, arrumar a casa, cuidar das roupas e do cabelo, pagar as contas e agora obrigatoriamente gozar ao final do dia, a mulher comete o paradoxo de acenar a bandeira da sua libertação quando, mais do que nunca, precisa desesperadamente de um parceiro de gincana. Coisa que não lhe cai bem confessar, diga-se, como se dividir o prêmio fosse retornar ao velho estado de submissão. Prefere sonhar que um dia encontrará um príncipe do novo século, pai que não concorra na sua ascendência sobre os filhos, provedor que não lhe estorve a carreira profissional, marido que não a impeça de ter outros relacionamentos, amante incansável que não ronque. Bom, me estendi um pouco, e alguém dirá que ficou faltando uma linha de autocrítica do lado masculino. Estamos aí pra isso também, acho que posso assinar pelo clube. Mas desde que parem de nos tratar como objeto. E é só um samba, por favor.