OPINIÃO

Professor Curuja

Publicado em 24 de dezembro de 2001

De família bastante pobre, Antônio Álvares Pereira nasceu em Porto Alegre em 1806. Seus pais conseguiram matriculá-lo na escolinha do Padre Tomé – onde os alunos costumavam ganhar um apelido que os diferenciasse dos não-estudantes – e lá chegou o guri, para a primeira aula, vestindo uma casaquinha marrom muito feia, quase horripilante. Estava pedindo para ser chamado de “Coruja”. E assim ganhou um nome que perdurou não só durante o curso, mas para o resto da vida.

Por trás da casaquinha marrom, porém, batia um coração muito forte e, sob a firme orientação do Padre Tomé, o menino foi desenvolvendo uma inteligência incomum. E, ao despedir-se da escola, já decidira: iria ingressar na carreira de professor.

Por essa época, na Corte do Rio de Janeiro, vinha sendo adotado, como novo sistema de ensino, um revolucionário método de Lancaster – destinado a solucionar o problema da escassez de professores. Se, pelo sistema tradicional, o mestre precisava dar atenção individual a cada aluno – atendendo, vamos supor, a uns dez guris – pela nova fórmula ele se fazia assessorar por alguns de seus melhores alunos, então nomeados “decuriões”, e essa prática de ensino mútuo já permitia que se atendessem, vamos supor, a uns quarenta guris. Que genial solução!

Para tirar a limpo se esse tal de “ensino mútuo” realmente funcionava bem, lá se foi para a Corte o jovem Pereira Coruja. E voltou para Porto Alegre aos 21 anos de idade, em 1827, alardeado seu diploma de professor régio. Abriu sua escola, aqui pioneira no método Lancaster, e foi em frente.

A par do magistério, Pereira Coruja passou a desempenhar atividades complementares que logo o projetaram na sociedade sul-riograndense. Em 1831, redator do jornal “Compilador de Porto Alegre”. Pouco depois, lançava seu primeiro livro didático, de ampla repercussão: “Compêndio de Gramática da Língua Nacional”. Em 1835, eleito deputado à Assembléia Provincial. Não escondia sua simpatia para com a grei dos farroupilhas e, em 1836, por ocasião da reação legalista, teve o castigo de ser um dos deputados deportados para a Corte do Rio de Janeiro.

Privado de realizar seus sonhos no Rio Grande do Sul realizou-os, porém, no Rio de Janeiro, com uma eficácia notável. Começou por fundar e dirigir sua própria escola, o Liceu Minerva. Depois, deixou marcos tais como a Sociedade Imperial Amante da Instrução, a Sociedade Literária do Rio de Janeiro e – congregando a colônia gaúcha – a Sociedade Sul-Riograndense. Não tardou a obter o reconhecimento público, atingindo o grau de Comendador da Ordem da Rosa.

Incansável autor de livros didáticos. Além do já citado “Compêndio de Ortografia da Língua Nacional”, “Aritmética para Meninos”, “Lições de História do Brasil” e “Manual dos Estudantes de Latim”. Mas suas obras de mais ampla adoção nacional foram o “Manuscripto”, as “Taboadas” e o “Livro de Leitura”, podendo-se afirmar que, por mais de meio século, as gerações de jovens brasileiros se ampararam, em boa parte, em tais livros. E, quando algum aluno cometia um erro feio, logo comentavam: “Deu uma facada no Conja”.

Embora vivendo afastado do Rio Grande do Sul, jamais esqueceu sua terra natal e enriqueceu-se com notáveis obras de pesquisa e divulgação. Pelas páginas do “Anuário da Província do Rio Grande do Sul”, de Graciano Azambuja, publicou lindos ensaios tais como “Senadores e Deputados da Província”, “As Ruas de Porto Alegre”, “Alcunhas de Porto Alegre”, etc. E alcançou projeção com sua “Coleção de Vocábulos e Frases Usados na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul”, com 1ª edição em Londres (1856) e mais três por aqui mesmo. Ali apareciam, por primeira vez em letra de fôrma, verbos tais como “acolherar”, “amadrinhar”, “abombar”, “apojar”, “bombear”, e por aí afora.

O Comendador Coruja faleceu no Rio de Janeiro em 4 de agosto de 1889.

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