OPINIÃO

As pioneiras do Sul

Barbosa Lessa / Publicado em 3 de junho de 2001

Voltemos ao período em que ainda não havia o Rio Grande do Sul e a extremidade meridional do Brasil-Colônia mal chegava à enseada catarinense de Laguna. Foi quando dali saíram as irmãs paulistas Lucrécia e Beatriz, incentivando os maridos Jerônimo d’Ornellas e Dionísio Rodrigues Mendes para que tentassem puxar a fronteira lusitana até as margens do Guaíba. E assim se levantou, em território também pretendido pelos espanhóis, o Porto do D’Ornellas – mais tarde Porto Alegre.

Lucrécia trazia consigo quatro filhas mocinhas: Fabiana, Rita, Antônia e Maria.

Daí a um tempo, Antônia casou com o lusitano Manuel Gonçalves Meirelles e incentivou-o a que ocupasse terras mais para o oeste, à margem do rio Jacuí, no rumo das prósperas Missões então mantidas pelos jesuítas espanhóis. O Governador-Geral das Capitanias, General Gomes Freire, prometeu conceder-lhes uma sesmaria de terras, desde que reservassem meia légua quadrada para erguimento de uma capela comunitária. Assim se estabeleceu, em 1747, a Sesmaria da Piedade. Mas tudo era difícil, dificílimo. Os índios não aceitavam se sujeitar ao trabalho sob as ordens do homem branco. As cabeças de gado, arrebanhadas às “vacarias” missioneiras, eram por sua vez arrebanhadas pelos mestiços “gaudérios” – andejos sem rei nem lei. A dona-de-casa não tinha shopping por perto e precisava desdobrar-se desde o plantio de alimentos até o tecer de abrigos contra a intempérie. Antônia lidava todo o santo dia e, ao lhe nascer a primeira filha, ainda precisou achar tempo para cuidar bem direitinho. Além do mais, ainda não conseguira ajudantes para erguer a capela comunitária. Começava a cair em desânimo. Mas eis que vê chegar sua irmã Rita, com o marido Capitão Francisco Xavier de Azambuja, e toma um alce. A longínqua barra do Rio Grande até parece que ficou mais perto. E o redobrado esforço culmina em 9 de janeiro de 1757 com a tão desejada instalação da paróquia de São Bom Jesus do Triunfo.

Antônia entrou em vibração e mandou um convite aos pais para que abandonassem a solidão de Porto Alegre e fossem participar do erguimento do novo povoado, na “forquilha” do rio Taquari com o rio Jacuí. A matrona Lucrécia pensa e repensa e termina dando o recado ao resto da parentalha: é chegada a hora de SAIR de Porto Alegre!

Começa então a epopéia de gradativa ocupação das terras ao sul do Jacuí, com vistas à efetiva conquista do território contíguo à barra – o “Continente” do Rio Grande. Mas tudo é tão longe! Uma das netas de Lucrécia, a Faustina Maria, pega pelo braço o marido Victoriano José Centeno e vai se assentar na sesmaria do Butiá. E outra das netas, a Perpétua, casada com o capitão-de-dragões Joaquim Gonçalves da Silva, desce até o rio Camaquã e, no despejar de suas águas na Lagoa dos Patos, implanta a Estância do Cristal. Aqui despontará a liderança farroupilha do bisneto Bento Gonçalves da Silva.

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