As figuras patéticas que o bolsonarismo produziu e suas bandeiras indefensáveis
Fragmento de Christ before Pilate, de Hieronymus Bosch (1505)/ Domínio Público
Fragmento de Christ before Pilate, de Hieronymus Bosch (1505)/ Domínio Público
A manifestação do 25 de fevereiro que reuniu partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro munidos com bandeiras do Brasil e de Israel, na Avenida Paulista, tentou de forma patética fazer a defesa de bandeiras indefensáveis em uma democracia e de um personagem que está no centro das investigações do STF sobre a tentativa de golpe de Estado por ocasião da derrota de Bolsonaro nas urnas.
A arquitetura do golpe, cujas consequências apenas começam a se desenhar, remetem à angústia que experimentamos nas eleições presidenciais anteriores, de 2018, quando eu e tantos outros cidadãos acompanhamos a apuração dos votos com uma amarga sensação de derrota. Brasil
Como explicar para nós mesmos o triunfo eleitoral ou a capacidade de ocupação de ruas e espaços democráticos de tantos picaretas, ladrões, corruptos e criminosos confessos? Como explicar aos meus estudantes que o Brasil no qual vivemos escolheu um pacto social fundado na brutalidade e no ódio às diferenças?
Se em 2018, eu me surpreendia com a notícia de que Bolsonaro recebera 48% dos votos válidos no primeiro turno, após tanto tempo observando a falta de apreço desse homem e seus asseclas às instituições que compõem nossa civilidade, hoje me surpreendo ainda mais.
Não sou sociólogo, nem filósofo, historiador ou psicólogo para ter algum tipo de explicação consistente sobre os fatos e comportamentos que nos trouxeram até aqui.
Sou professor e às vezes escritor e preciso escrever para formular hipóteses, tatear palavras para nomear impressões e, quem sabe, a partir do texto, entender melhor o que estou sentido e como tenho compreendido a realidade, a qual, diga-se de passagem, nunca deixa de nos surpreender.
Em 2018, havia a apropriação de um sentimento de revolta generalizada contra todas as instituições formais do país – principalmente em relação ao Executivo e Judiciário.
Bolsonaro não era uma novidade na política: ele mamava das tão vilipendiadas “tetas” do governo há 28 anos e, nesse longo tempo, sempre teve uma atuação medíocre, sem projetos de lei aprovados, compondo o pior da política nacional, junto aos filhos que ajudou a eleger e aos milicianos por eles condecorados ou empregados em seus gabinetes.
Pois bem, naquela eleição, ainda havia uma desculpa de que esse candidato representava a antipolítica, seria a novidade e falava tal qual os setores da sociedade que nunca estiveram sob os holofotes da cultura e dos meios de comunicação – justamente por odiarem essa mesma cultura e tudo o que ela representa.
Afinal, se há algo que os bolsonaristas odeiam mais do que as mulheres, os negros, indígenas e pessoas da comunidade LGBTQIA+, é a cultura, a intelectualidade e a construção de conhecimento, tanto pela preguiça mental que caracteriza esses rebentos obscurantistas, quanto pela aridez e falta de domínio de conceitos, ideias e, acima de tudo, por falta do princípio de caridade e tolerância que deve balizar os debates intelectuais.
No ano de 2018, o Brasil (essa abstração) tinha desculpa para escolher o capitão do mato como presidente. Já, agora, as desculpas acabaram. Não só Bolsonaro foi o pior presidente da nossa história, faltando a ele toda responsabilidade, empatia e generosidade que deviam ser as bases para alguém no papel de gestor supremo de uma nação, mas também seu governo e subordinados fracassaram em todas as atribuições que os cidadãos e a Constituição lhe outorgaram.
Durante quatro duros anos, acompanhamos escândalos de rachadinha, queima de arquivo (alô, Adriano da Nóbrega), aparelhamento da Polícia Federal para a proteção dos filhotes presidenciais, destruição da Amazônia, negligência com a morte de ambientalistas e indigenistas, avanço da grilagem, do garimpo, venda de madeira ilegal, mobilização das forças de Estado para impedir que uma menina estuprada pelo tio tivesse acesso a um direito garantido por lei, redução e corte de verbas na educação, na pesquisa, na infraestrutura das universidades; na merenda das crianças, na verba de apoio às mulheres vítimas de maus tratos, falta de absorvente para as meninas de baixa renda; enfim, foram quatro anos de desprezo ao bem comum e à dignidade das pessoas que compõem a nação brasileira.
Já no cenário de 2022, termos amargado a vitória eleitoral de tantos anti-humanistas como Damares Alves (a ministra que odiava as mulheres), Ricardo Salles (que odiava o meio ambiente), Pazuello (que deixou faltar oxigênio em Manaus e enviou equipamento para o estado errado), Moro, Clara Zambelli e tantos outros “cidadãos de bem” é desesperador. Como foi possível chegar tão baixo? E como utilizar essa tristeza não como forma de letargia, mas de ação e mudança?
No Brasil, perdeu-se a capacidade de dialogar. Os algoritmos, o comportamento tribal e as redes sociais criaram hábitos linguísticos em que cidadãos de uma mesma nação falam línguas diferentes. Não sei como mudar isso e voltarmos a conviver uns com os outros. O fato é que precisamos de um novo pacto social que não retorne à violência e à sociedade em castas que nos caracterizam.
O lado positivo é que, apesar de farsantes, essas pessoas que se apropriaram de ideias conservadoras sabem que o tempo tudo muda e suas formas de crença vão morrer.
O triste é que isso pode levar tempo e não podemos esperar tanto.
Arthur Beltrão Telló é professor da PUCRS e do Colégio Gabarito.