Guerra e crise climática: o mundo em uma encruzilhada
Foto: Manuel Elías/ UN Photo
O emprego de aspas aí, para usar a palavra “normalidade”, é mais do que um artifício retórico.
Em primeiro lugar, não voltamos a uma condição de normalidade, porque os impactos da pandemia em nossas vidas, nas relações sociais em geral, foram tão profundos e diversos que ainda não conseguimos dimensioná-los direito. Em segundo, o período pós-pandemia é marcado por uma confluência de crises que afetam o planeta como um todo, destacando-se duas em especial: a crescente ameaça da escalada de guerras, as quais, hoje, ainda são regionais para uma dimensão mundial; e a crise climática, cujos efeitos já começam a fazer parte do nosso cotidiano.
A situação geopolítica mundial, que já era grave com a guerra na Ucrânia, envolvendo direta e indiretamente as principais potências nucleares do planeta, se agravou com a escalada da guerra no Oriente Médio, após os ataques inéditos e sangrentos que o Hamas desferiu em território israelense.
A resposta militar de Israel em Gaza, que não discriminou a estrutura do Hamas de alvos civis, incluindo escolas e hospitais, provocou uma ebulição em praticamente todo o mundo árabe e muçulmano. O que se viu nas últimas semanas não pode mais ser resumido a uma guerra entre Israel e o Hamas, e vem caminhando para um conflito militar de consequências imprevisíveis. E, assim, como na Ucrânia, envolvendo direta ou indiretamente as chamadas superpotências nucleares.
A crise política internacional é tão mais grave na medida em que as instâncias internacionais, que deveriam ser espaços para a resolução e mitigação desses conflitos, em especial a Organização das Nações Unidas (ONU), vem expondo toda a sua impotência como órgãos de diálogo e negociação
O uso recorrente do poder de veto nas reuniões do Conselho de Segurança da ONU vem inviabilizando qualquer busca de solução diplomática e mesmo para atender a demandas humanitárias básicas para socorrer a população civil de Gaza, que vem sendo massacrada. Nem o apelo dramático de organizações internacionais de assistência humanitária, como a Médicos Sem Fronteiras, vem sendo capaz de alterar esse quadro. Em um comunicado divulgado no final de outubro, essa organização relatou:
“Faltam profissionais nos hospitais, alimentos, água, abrigo seguro, medicamentos, equipamentos médicos e até mesmo combustível, o que significa que todos os pacientes que estão atualmente em unidades de cuidados intensivos ligados a ventiladores mecânicos e bebês que estão em incubadoras poderão morrer por falta de eletricidade. Cirurgiões tiveram que operar crianças sem anestésicos adequados, pois eles não estão mais disponíveis. Cerca de 800 a 1.000 pessoas são feridas todos os dias em Gaza, e esse número inclui apenas aquelas que conseguem chegar a um hospital, o que tem sido um desafio pela ausência de lugares e passagens seguras”.
A escalada da guerra, e, por consequência, das tragédias humanitárias, colocou em segundo plano outra escalada não menos grave para a humanidade como um todo: a da crise climática. No Brasil, já vivemos o cotidiano dessa escalada. Enquanto no sul do país, sucedem-se eventos climáticos extremos provocados por ciclones com chuvas e ventos intensos, na Amazônia a seca fez com que dois dos maiores rios do mundo, caudalosos e imensos, secassem de um modo nunca visto. Nos últimos meses, a população de Manaus passou a respirar fumaça, fruto de incêndios, cotidianamente. E isso que ainda não chegamos no verão. Se a onda de calor extremo que atingiu países do Hemisfério Norte neste ano se repetir no Sul, esses fenômenos extremos podem se tornar ainda mais dramáticos.
Assim como ocorre no caso da guerra, a sucessão de eventos extremos e de relatos dramáticos sobre os seus impactos na vida da população mostra-se insuficiente para mobilizar uma articulação internacional efetiva à altura da gravidade dessas emergências globais. Durante a pandemia, tivemos um exemplo de como uma articulação desse tipo é possível e necessária para enfrentar problemas globais. Por alguns meses, o mundo se mobilizou em busca de um objetivo comum. Mas esse exemplo parece já ter sido esquecido e voltamos à “normalidade”, que vai nos empurrando na direção da violência e da destruição.
Marco Weissheimer é colaborador mensal do jornal Extra Classe.