OPINIÃO

Presidente do BC mostra despreparo na Comissão de Finanças da Câmara

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 29 de setembro de 2023
Atual presidente do BC mostra seu despreparo técnico à CFT da Câmara dos Deputados

Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto em Audiência Pública sobre política monetária e erro contábil no fluxo cambial na Câmara, em 27 de setembro

Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fugiu do debate com professores preparados e representantes da sociedade civil, faltando à audiência pública para a qual havia sido convidado pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados, ocorrida no dia 30 de agosto.

Quase um mês depois, em 27 de setembro, compareceu sozinho a uma reunião da referida CFT, acompanhado apenas de sua assessoria. Sem o competente contraponto de professores e especialistas, e sem a oportunidade de réplicas por parte de parlamentares, Campos Neto deixou de responder às perguntas mais relevantes, usando a mesma estratégias de outras idas ao Congresso Nacional: acelerada apresentação de telas com diversos gráficos, visando dar a impressão de que sua gestão estaria tecnicamente bem embasada.

Na realidade, a atual administração do Banco Central tem sido desastrosa, tem provocado graves danos à economia brasileira, cometendo erros temerários e falta de transparência. Em resumo:

  • Não há justificativa técnica ou científica alguma para a manutenção da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central em patamares elevadíssimos, com graves prejuízos a todos os setores (empresas, pessoas e setor público), exceto bancos;
  • Uso intensivo da Bolsa-Banqueiro parasita, causando imenso dano aos cofres públicos: em 2022, o Banco Central gastou R$ 181 BILHÕES para o pagamento de juros aos bancos, em apenas um ano! Com essa operação, conhecida como “overnight” (que atualmente usa dois instrumentos: o abuso das Operações Compromissadas e os Depósitos Voluntários Remunerados), o Banco Central gera “escassez” de moeda na economia e provoca absurda elevação dos juros de mercado, tendo em vista que os bancos preferem a generosa remuneração paga pelo Banco Central do que emprestar à sociedade (empresas, famílias e setor público) a juros baixos.
  • Apuração de prejuízo de quase R$ 300 bilhões em 2022, embora o Banco Central esteja sendo generosamente financiado pelo Tesouro Nacional, que lhe deu R$ 212 bilhões de juros em 2022, incidentes sobre mais de R$ 2 trilhões de títulos públicos que também são doados pelo Tesouro ao BC .
  • Queima de cerca de US$ 60 bilhões de nossas Reservas Internacionais nos últimos anos, sem a devida justificativa ou motivação para as obscuras intervenções feitas em câmbio;
  • Anúncio de que poderá terceirizar a administração das Reservas Internacionais, patrimônio da sociedade, pois essas reservas foram constituídas à custa de dívida interna e grande sacrifício social;
  • Aquisição de toneladas de ouro sem transparência alguma acerca da procedência desse ouro, o que é muito grave diante de tantas denúncias de exploração ilegal no país ;
  • Cometeu erro contábil de US$ 12,8 bilhões, referente ao fluxo cambial em 2022;
  • Conflito de interesses, uma vez que Campos Neto já admitiu que possui empresa offshore em paraíso fiscal, setor que pode se beneficiar com a política monetária do próprio Banco Central.

Nenhum desses pontos foram devidamente enfrentados durante a performance de Campos Neto na CFT.

A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) apertou Campos Neto a dizer por que ele havia declarado que “…Você tem que colocar o país em recessão…” visando justificar a disparada da Selic. Claro que ele não enfrentou a questão e tentou desviar de suas próprias palavras que estão gravadas e registradas em manchete :

A citada reportagem mostra que o presidente do Banco Central tinha plena consciência de que os juros altos provocariam uma retração da atividade econômica e, mesmo assim, ele afirmou que iria continuar subindo os juros o quanto fosse necessário para “controlar inflação” e afirmou categoricamente que “…Você tem que colocar o país em recessão para recuperar credibilidade.”.

Durante a sua fala a parlamentares da CFT Campos Neto repetiu várias vezes a “necessidade de controlar inflação com juros altos”, mostrando o seu profundo despreparo técnico, tendo em vista que a inflação que existe no Brasil não se reduz com a alta de juros, pelo contrário! A inflação brasileira tem sido provocada principalmente por aumento de preços de alimentos (devido a erros de política agrícola, agrária e fundiária) e de preços administrados (principalmente combustíveis, devido à prática do Preço de Paridade de Importação – PPI – pela Petrobras desde 2016, aplicando-se o preço de importação a todos os combustíveis produzidos pela estatal no país, o que é insano), e, portanto, subir juros não tem serventia alguma para controlar esse tipo de inflação de preços.

Além de despreparo técnico, sua gestão à frente do Banco Central sequer tem cumprido o disposto no parágrafo único do Art. 1º da Lei Complementar 179/2021, que deu a chamada “independência” ao BC:

Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.

O próprio Campos Neto, na mesma reportagem citada, “reforçou que a meta primária do BC é o controle da inflação e, nesse sentido, as metas secundárias não estão no radar e não haverá metas para elas.  Logo, a instituição não pretende direcionar esforços com as metas secundárias, como de emprego e de atividade econômica...”

De fato, a brutal elevação da Selic (e a sua redução a conta gotas), sob a falsa justificativa de conter inflação, não tem fundamento técnico ou científico algum, e tem levado a economia brasileira à inanição e à manutenção de altos níveis de desemprego, além do aprofundamento alarmante da desigualdade social que aumenta a violência. Por outro lado, segue com taxas de juros elevadíssimas (Selic a 12,75% a.a. e taxas de mercado inimagináveis para qualquer país sério), garantindo sucessivos recordes de lucros aos bancos.

Economistas mundialmente famosos, como Jeffrey Sachs e o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz criticaram a política monetária do Banco Central, sendo que Stiglitz afirmou que as taxas de juros praticadas no Brasil são “chocantes”, equivalentes a uma “pena de morte”: “nenhuma economia resistiria”!

Os juros exorbitantes estão provocando estagnação econômica e servindo para transferir a riqueza dos mais pobres para os mais ricos, rentistas da dívida pública, além de provocar rombo às contas públicas: segundo divulgado pelo próprio Banco Central, a cada 1% de aumento da Selic se tem um gasto a mais de R$ 44,4 bilhões em juros da dívida pública ao ano!

Por isso, parlamentares da CFT precisam estar cientes do despreparo do atual presidente do BC, enfrentar devidamente os diversos danos que a atual administração temerária do BC tem provocado e avançar com a aprovação do PLP 104/2022, que limita os juros a 12% ao ano (como já constou da CF/88 e foi apagado) e, adicionalmente, proíbe a vergonhosa Bolsa-Banqueiro, paga diariamente aos bancos, enquanto o país volta ao Mapa da Fome e convive com inaceitável atraso socioeconômico.

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.

 

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