Ilustração: Edgar Vasques
Ilustração: Edgar Vasques
– O homem é naturalmente polígamo. (tese)
Foi a tese que o Oscar propôs no churrasco depois do Brasil e Chile, que todos foram ver na casa do Remi, que tinha tevê com tela grande. Os homens se cotizaram e levaram a carne e a cerveja, as mulheres levaram saladas e doces, o Remi assou. O Remi, por sinal, lançou um movimento de volta à salmoura na feitura do churrasco, sustentando que o sal grosso já cumpriu seu ciclo histórico. Mas isso não tem nada a ver com a história.
Depois das comemorações pela vitória, da carne e de muita cerveja, a conversa derivou da atuação do Ronaldinho para a Suzana Werner e daí para o sexo e o futebol, depois para o sexo em geral. E foi então que o Oscar disse a sua frase.
– O homem é naturalmente polígamo.
– Ah é, Oscar? – disse Maria Helena, sua mulher.
Todos riram, alguém disse “Iiih”, outro disse “sai dessa, Oscar”, e o Oscar se apressou a explicar que estava falando em tese, não defendendo a poligamia legal, muito menos um presumível harém particular. Mas, de acordo com sua tese, todos os monógamos ali viviam em conflito com a natureza. A mulher era naturalmente monógama. O homem não.
– Rá! – disse a Lucilene, mulher do Remi.
– Como, “rá”? – perguntou o Oscar.
– Você acha, então, que o instinto sexual é o que determina o que é natural ou não? As risadas tinham parado com o “rá”. Agora estavam todos prestando atenção.
Afinal, era uma questão científica. O Oscar pensou na resposta, girando a cerveja no copo como se isso ajudasse seu raciocínio. Depois de alguns segundos, disse:
– Acho.
– Natureza é sexo?
– Não, mas é a nossa natureza sexual que determina o nosso comportamento. Ou devia determinar. Nossa cultura monógama é antinatural.
A Lucilene tinha bebido demais. Se entusiasmara com os quatro gols do Brasil, exagerara um pouco. Normalmente, quase não falava. Agora estava de pé, nariz a nariz com o Oscar.
– O homem está no seu apogeu sexual aos 17 anos de idade, certo? Oscar concedeu o ponto.
– Certo.
– A mulher, aos 35. Certo?
Oscar abanou a cabeça, querendo dizer sim, não, talvez, mas… Lucilene insistiu.
Está provado. É científico. O macho aos 17, a fêmea aos 35. Segundo a sua tese, o único casal natural, o único casal de acordo com a natureza, seria um homem de 17 e uma mulher de 35.
Lucilene não disse “como eu”, mas foi o que todo mundo ficou pensando. Lucilene estava com 35 e Remi estava mais perto dos 70 do que dos 17.
– Todos nós somos antinaturais, está entendendo? Todos os nossos casamentos estão errados!
Julinha decidiu intervir na conversa.
– Alguém quer mais rocambole?
Em casa, a Maria Helena cobrou do Oscar.
– Tinha que começar aquela conversa?
– Foi a Suzana Werner!
E todo mundo concordou que o Remi precisava pensar menos nos seus churrascos e mais no seu casamento com a Lucilene. O Remi colecionava espetos e os guardava em ordem, pelo tamanho. Aquilo não era natural.
*Teses é uma republicação do acervo do autor.
Luis Fernando Verissimo colabora mensalmente com o Extra Classe desde 1996.