PL que muda o Conselho Estadual de Cultura deverá ser votado na próxima semana
Foto: Arima Stock/ALRS
O governo do estado encaminhou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei nº 418/2021, que trata do funcionamento do Conselho Estadual de Cultura, o CEC-RS. O assunto, abordado na imprensa pelo atual presidente do CEC, Benhur Bortolotto, suscitou divergências e debates nas redes sociais.
Em sua manifestação, Bortolotto apresentou, de forma breve, os pontos positivos que a nova Lei trará ao CEC e à comunidade cultural do RS: a ampliação da participação dos profissionais da cultura e das instituições culturais nas eleições do Conselho, tornando-o mais plural e representativo.
Uma das queixas dos que se posicionaram contrariamente ao PL 418/2021 é sobre o seu caráter de urgência: o mesmo deverá ser votado ainda na próxima semana. Algumas entidades e um grupo de ex-presidentes do CEC alegam necessidade de maior tempo para discussões e debates com a comunidade cultural e têm solicitado ao governo do estado a retirada do regime de urgência.
Discussão e encaminhamentos
O entendimento de alguns conselheiros, no entanto, é de que o assunto já foi amplamente discutido, tanto no Conselho Estadual de Cultura quanto fora dele, a exemplo da Audiência Pública da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, realizada em ambiente virtual no dia 9 de julho, conduzida pela deputada Sofia Cavedon (PT).
Levantamento feito pela Câmara Diretiva nas atas do Conselho também mostra que foram dedicadas à Lei do CEC trinta sessões (parcialmente ou integralmente) entre os dias 5 de março e 6 de agosto.
As reuniões resultaram em discussões, encaminhamentos e debates, e algumas delas contaram com a presença dos Colegiados Setoriais da Dança (19/4), do Circo (26/4) e do Audiovisual (10/5); presença de presidentes de Conselhos Estaduais de Cultura de outros estados (18/5), que apresentaram os diferentes modelos dos conselhos estaduais e subsidiaram o CEC-RS com sugestões para as mudanças na Lei; presença de ex-presidentes do CEC-RS (9/6) para uma análise da lei vigente e contribuições para as propostas de sua alteração; presença do Comitê Cultura Viva (21/6) e sessão com a Secretária de Cultura, Beatriz Araujo (28/6).
O ofício nº 047/2021, assinado pelo então presidente, José Airton Machado Ortiz, enviado à Sedac no dia 6 de agosto de 2021, já sinalizava a ampla discussão da matéria, que foi realizada ao longo de quatro meses entre os próprios conselheiros e com representantes de instituições culturais do Rio Grande do Sul.
O referido Oficio indica o encaminhamento à Sedac de minuta “contendo as contribuições do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul para a reformulação da Lei que rege a atuação deste Conselho.” Aponta também que “O texto em anexo é resultado de quatro meses de um amplo debate, feito de forma democrática e transparente, a partir de sugestões da comunidade cultural do Estado.”
Propostas acatadas
Embora haja algumas diferenças entre o texto encaminhado pelo CEC à Sedac e a redação final do Projeto de Lei enviado pela Sedac à Assembleia Legislativa, os dois estão muito próximos, e pode-se considerar que a proposta apresentada pelo Conselho Estadual de Cultura foi praticamente acatada na integralidade pela Sedac.
Atual vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura, José Francisco Alves, historiador, pesquisador e professor do Atelier Livre de Porto Alegre, também tem falado publicamente, inclusive nas sessões do CEC em que o assunto é abordado, sobre o ineditismo da consulta que a Sedac fez ao Conselho.
Segundo ele, essa é a primeira vez na história do CEC que o mesmo foi consultado por um governo, sendo convidado a enviar contribuições, contempladas em boa parte no PL enviado à Assembleia Legislativa.
Assim como na Audiência Pública anteriormente citada, houve os que defenderam a inoportunidade de alteração da Lei do Conselho Estadual de Cultura, considerando principalmente o momento pandêmico que atravessamos; agora, há os que pedem a retirada do regime de urgência. Atendendo às manifestações públicas, o apoio a essa retirada foi inclusive votado e aprovado pelo CEC – embora não tenha atingido unanimidade – e encaminhado à Assembleia Legislativa.
Na última quinta-feira, 9, a Câmara Diretiva do CEC foi recebida pelo líder do governo, deputado Frederico Antunes (PP), e pelo deputado Carlos Búrigo (MDB), presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa. Na oportunidade, foi entregue para análise e consideração o texto produzido pelo conselho com as suas sugestões para a nova Lei do CEC. A intenção é que os deputados possam cotejá-lo com o texto final do PL 418/2021, que tramita na casa.
Hegemonia no CEC
Para contribuir com a discussão e convidar artistas e comunidade cultural a uma reflexão mais aprofundada, consulta realizada nas edições do Diário Oficial do Estado desde 2005 mostra que há conselheiros que entram e saem do CEC de forma alternada em diferentes momentos.
Os períodos individuais dos mandatos (atualmente um mandato é de dois anos, sendo permitida uma recondução e posterior carência de dois anos para possível retorno), quando somados, variam de 8 a 12 anos, e podem aumentar se consultas forem feitas em anos anteriores a 2005. Há casos de conselheiros que ora são eleitos pelos segmentos, ora são nomeados pelos governos.
Outro dado importante: quando a análise é feita sobre as instituições ligadas aos segmentos culturais, percebe-se que quase sempre são as mesmas habilitadas a participarem do processo eleitoral do CEC, quase todas de Porto Alegre e região metropolitana, como se a cultura do interior inexistisse.
Também há conselheiros que já integraram o CEC participando do processo eleitoral por diferentes instituições e segmentos. Ou seja, quando não entram por um, postulam uma vaga no CEC por outro segmento. E há casos de conselheiros eleitos pelos seus segmentos com os votos de apenas duas entidades, passando a representar o respectivo segmento em âmbito estadual.
Talvez por isso as mudanças previstas com a nova Lei encontrem maior resistência justamente entre os representantes de algumas instituições que historicamente integram o CEC, uma vez que o PL 418/2021, se aprovado, ampliará o colégio eleitoral.
Participação do interior do estado
Para quebrar esse ciclo de hegemonia, o PL 418/2021 estende a participação para o interior do RS, ampliando o número de conselheiros de 24 para 27, assegurando a representatividade regional, permitindo que sejam eleitos conselheiros das nove Regiões Funcionais do Estado, com a participação nas sessões garantida de forma remota.
A tabela abaixo mostra as alterações que ocorrerão caso a Lei seja aprovada, demonstrando maior número de integrantes, maior representatividade regional e setorial e ampliação do colégio eleitoral.
Foto: Divulgação
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Como o atual modelo de processo eleitoral do CEC é regido por uma comissão designada pelo próprio presidente (eleito anualmente), sem o acompanhamento de órgãos ou instituições externas, equívocos e injustiças podem daí decorrer, fato já apontado pelo Extra Classe no dia 16 de julho de 2020, quando o Conselho Estadual de Cultura indeferiu 70 pedidos de instituições da sociedade civil que se habilitaram para participar do processo eleitoral daquele ano que escolhia os novos conselheiros do órgão.
Tendo em vista os problemas decorrentes de processos eleitorais anteriores, o PL 418/2021 busca criar um mecanismo que evite a continuidade dessas injustiças, uma vez que serão elegíveis ao Conselho Estadual de Cultura candidatos indicados pelas entidades culturais com registro na Secretaria da Cultura do Estado.
Novas regras
Nesse sentido, de acordo com o Art. 6º da nova Lei do CEC, caberá ao Conselho Estadual de Cultura, com o auxílio da Secretaria da Cultura do Estado, organizar o processo eleitoral, nos termos previstos nesta Lei e no respectivo regulamento, garantida: I – a possibilidade de votação pela comunidade cultural através de suas entidades, observados os procedimentos cadastrais prévios ou utilização de plataforma eletrônica.
Ou seja, a nova Lei corrigirá importantes falhas da Lei nº 11.289, de 23 de dezembro de 1998, que atualmente dispõe sobre a organização, funcionamento e atribuições do Conselho Estadual de Cultura, e que, embora venha cumprindo o seu papel da melhor forma possível, como vimos, também restringe a participação e o alcance da comunidade. Por isso, entende-se necessária a sua atualização.
Importante ressaltar que no RS a função de conselheiro é remunerada por jetom (na maioria dos estados não há remuneração, e essa é uma conquista que aqui segue preservada), atualmente em R$ 2.557,80, pela participação nas 15 reuniões mensais (de duas horas cada).
Já a remuneração do presidente do conselho é acrescida em 50% do valor recebido pelos demais conselheiros, chegando a quase 4 mil reais pelas mesmas 15 reuniões, ou seja, 30 horas mensais. Embora os conselheiros tenham alguns compromissos para além das reuniões presenciais pelas quais são remunerados (análise e relatoria dos projetos da LIC-RS, por exemplo), a baixa carga horária permite que possam dar continuidade às suas atividades profissionais paralelas. Para alguns, no entanto, essa acaba sendo a única fonte de renda.
O conjunto de informações apresentado nesse texto talvez explique em parte a movimentação e a resistência de alguns grupos e instituições ao Projeto de Lei nº 418/2021, na mesma medida em que sinaliza a necessidade de sua aprovação.
Essa atualização permitirá avanços significativos, possibilitando que artistas, trabalhadores da cultura e instituições culturais de todo o Estado, inclusive do interior, tenham assegurado o seu direito de participarem do processo eleitoral do CEC e de possivelmente integrarem o mesmo, uma vez que a Lei, se aprovada, permitirá não só maior abrangência, mas a continuidade da participação dos conselheiros de forma remota e online, a exemplo do que já acontece desde o início da pandemia do coronavírus.
Cristiano Goldschmidt é doutorando e mestre em Artes Cênicas (Ufrgs). Conselheiro de Estado da Cultura.