Como o piso salarial pode reduzir as desigualdades sociais
Foto: Carolina Lima/CUT-RS
No dia 7 de dezembro foi divulgado o relatório World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais), uma síntese da pesquisa internacional que estuda as desigualdades globais. O estudo agrega o trabalho de mais de 100 pesquisadores de todos os continentes e trata-se de um importante estudo coordenado por Thomas Piketty, autor do livro O Capital no Século XXI.
O livro de Piketty ganhou a atenção da imprensa e da academia quando mostrou empiricamente que aqueles que detém capital (ativos geradores de renda) possuem um aumento em sua riqueza ao longo do tempo superior àqueles que não o detém. Alguém vai pensar, o que há de novo nisso? Minha avó já dizia: dinheiro, chama dinheiro!
Contudo, há muitas teorias ainda vivas que não favorecem a compreensão das causas e a magnitude das desigualdades, e esse é um tema que gera agitação social e, portanto, ameaça estruturas de poder.
Uma dessas teorias (entre outras) é a do gotejamento (Trickle-Down Economics) quer dizer que há uma distribuição “automática” de cima para baixo, com efeito em cascata ou pirâmide, sob a lógica de que apostar em políticas que beneficiem empresas e os mais ricos, garantiria crescimento econômico e todos se beneficiariam, e seria a forma mais eficiente de reduzir desigualdades – “uma maré que cresce levanta todos os barcos”.
Teve uma época em que os mais ricos investiam em empregos e produção e dividiam os excedentes com os trabalhadores. Hoje em dia, escondem seu dinheiro em paraísos fiscais, sonegando impostos. Por isso, a importância de pesquisas robustas sobre concentração de renda e desigualdades.
O que diz o Relatório das Desigualdades Mundiais
O estudo apontou que os 10% mais ricos da população global atualmente respondem por 52% da renda global, enquanto a metade mais pobre da população ganha 8% dela.
Em 2020 a renda média daqueles indivíduos que estavam entre os 10% que melhor ganham no mundo é 38 vezes maior do que a renda média dos 50% mais pobres.
E o relatório ainda apontou que o mundo não evoluiu na distribuição, pelo contrário, a parcela da renda capturada pela metade mais pobre da população mundial é cerca de duas vezes menor hoje do que em 1820.
E qual é a realidade no Brasil
O Brasil figura há tempos entre as nações com pior distribuição de renda. O relatório indica que aqui, o 1% mais rico leva mais de um quarto (26,6%) da renda nacional (salários, juros, dividendos). Ou seja para cada 10 dólares gerados no Brasil, 4 fica com o 1% mais rico e os outros 6 dólares com 99% dos indivíduos.
Quando se trata de riqueza (patrimônio – ativos financeiros e não financeiros, como propriedades imobiliárias), a metade mais pobre no Brasil possui menos de 0,4% da riqueza do país. Na outra ponta, está o 1% mais rico com 48,9% da riqueza nacional.
Outra forma para medir a desigualdade de renda, é o índice de Gini, indicador importante e amplamente utilizado em comparações internacionais, permitindo ranqueamentos e estudos subnacionais.
Essa foi a metodologia empregada pelo Observatório das Metrópoles na análise dos dados de 2012 a 2021, o qual verificou que a desigualdade nas metrópoles brasileiras atinge o nível mais alto já registrado.
E que nesses territórios (onde vivem 40% dos brasileiros, ou mais de 80 milhões de pessoas), quase 30% das pessoas estão vivendo em domicílios com renda per capita do trabalho inferior a um quarto (¼) do salário mínimo.
Esse mesmo estudo também indicou que a Região Metropolitana de Porto Alegre teve o pior resultado entre as metrópoles do Sul do País. O coeficiente (que quanto mais próximo de zero menos desigual é) da Região subiu de 0,599, no quarto trimestre de 2019, para 0,618, no mesmo período de 2020 – alta de 3,1% – pior resultado desde 2012.
A tirania por trás da desigualdade
Por outro lado, conforme constou no World Inequality Lab, nos anos 2000, no Brasil, a desigualdade foi reduzida e milhões de indivíduos tirados da pobreza, em grande parte graças a programas governamentais, em especial a valorização do salário mínimo. Embora tenham inúmeros estudos que comprovem a eficácia desse mecanismo, os tiranos comumente desconfiam.
Vejam o caso curioso do salário mínimo regional no estado do Rio Grande do Sul, onde há anos os trabalhadores enfrentam uma classe patronal organizada defendendo que o piso regional provoca inflação, desemprego e que deve acabar.
Programada para a próxima semana, a matéria do piso regional deverá ir a votação no plenário da Assembleia Legislativa do estado. As Centrais Sindicais lutam para que o governo aprove um projeto que recupere a redução que esse salário mínimo teve, sem reposição da inflação desde 2019.
Prêmio Nobel de economia 2021
Nesse ano, um desses estudos que apresentam evidências robustas sobre os efeitos positivos de um aumento no salário-mínimo foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia.
No início da década de 1990, David Card da Universidade da Califórnia se uniu a Alan Krueger da Universidade de Princeton, em uma pesquisa inovadora sobre o tema. Os pesquisadores compararam cidades fronteiriças no estado de Nova Jersey, que aumentou o salário mínimo, e do estado vizinho da Pennsylvania.
Foram pesquisados 400 estabelecimentos, que costumam remunerar largamente trabalhadores com base no salário mínimo. O objetivo era verificar se o incremento do salário mínimo impactaria negativamente no nível de empregos, como previa a teoria ortodoxa.
O que Card e Krueger encontraram foi que “não há indicação” de que o aumento do salário mínimo reduza postos de trabalho ou aumente os preços ao consumidor.
Observaram ainda que nos Estados Unidos um aumento do salário mínimo elevou o salário médio e reduziu as disparidades salariais, produzindo uma compressão das diferenças na parte inferior da pirâmide de distribuição e uma redução na desigualdade salarial.
Será que aceitar uma realidade empiricamente verificável, pode ser uma nova façanha para o RS?
O salário mínimo introduz um ponto de vista moral na formação dos preços e está relacionado ao valor que determinada comunidade dá ao trabalho – é o mínimo!
Em termos simples, do ponto vista empresarial não há razão para contratar trabalhadores, mesmo que seus salários sejam menores, se não houver demanda pelos produtos.
E se a economia estiver crescendo, o emprego tenderá a aumentar mesmo com o aumento dos salários. Além disso, em um mercado de trabalho cada vez mais desestruturado, informal e desigual, a valorização de um piso resulta em elevação do nível salarial nos mercados de trabalho “secundários” (trabalhadores informais, trabalhadores independentes, etc.).
Assim, ao contrário do que muitos pensam, elevar o piso pode sim ter uma “eficiência” no mercado de trabalho e é sem dúvida uma ferramenta válida, junto com outras, para promover o emprego, a expansão da renda e a diminuição da desigualdade.