Foto: Anna Shvets/ Pexels
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No longínquo ano de 2007, um editorial do periódico Cell, uma das revistas científicas mais importantes do mundo, promulgava: “A Ciência latino-americana vai para o centro das atenções”. Era o tempo em que países como Argentina, México, mas especialmente o Brasil, comemoravam um incremento inédito na produção científica e investimentos em formação de recursos humanos, inovação e tecnologia.
No Brasil, o setor como um todo passava a ter, através da regularização do fomento com base nos fundos setoriais (reserva composta por contribuição obrigatória de empresas que exploram recursos naturais do território brasileiro), um lastro seguro para consolidar um sistema nacional de investigação científica que permitisse ao país assumir protagonismo na agenda do século 21.
O período seguinte, com investimento crescente até ao redor do ano de 2013, foi de expansão continuada na geração de conhecimento, notadamente atrelada à formação de pessoal. O Brasil saltou da 27ª posição para a 13ª colocação na produção de artigos científicos publicados. A ciência brasileira deixava a ‘zona do rebaixamento’, formava mestres e doutores capazes de fazer crescer um sistema de pesquisa e inovação que antes se resumia grandemente ao eixo das instituições públicas e se expandiu fortemente para as universidades comunitárias.
Os efeitos no campo da educação se fizeram sentir nos anos seguintes também pela interiorização da produção de conhecimento, com a chegada desse novo contingente de profissionais às novas universidades abertas longe dos polos de formação tradicional. Programas de pós-graduação espalhados nesse mesmo horizonte geográfico permitiam que desigualdades regionais históricas na formação de recursos humanos altamente capacitados fossem sendo sobrepujadas. Os reflexos da qualificação de quadros ainda são sensíveis nos corpos docentes atuantes no ensino de graduação e mesmo no ensino médio e fundamental.
Todavia, a partir do ano de 2014, atendendo à acomodação de contas públicas desta entidade etérea nomeada amiúde como “mercado”, há o início de um declínio no dispêndio federal em ciência e tecnologia que atinge bolsas, capital e custeio. A queda a partir de 2016 passa a ser vertiginosa e atinge as maiores agências do país, incluindo Capes, CNPq e Finep. A partir de 2018 se dá continuidade ao crepúsculo do sistema e, a despeito de esforços da comunidade científica e mesmo dos próprios indivíduos mais ligados à área de C&T no executivo, os valores dotados no orçamento federal já não perfazem o total nem o montante que outrora era o que se destinava apenas ao CNPq, por exemplo.
Vem a pandemia e o Brasil fica febril, sem ar, tosse e agoniza. A ciência, essa simpática Geni, é chamada às pressas. E responde, gera soluções, as universidades e os centros de pesquisa se mobilizam e atendem nos mais diversos aspectos ao que é fundamental no enfrentamento à pandemia: diagnóstico, comunicação, estudos dos mais variados, tecnologias, enfim. E isso em um ambiente em que parte da população glorifica a ciência, parte simplesmente a ataca sem dó, estimulada até por autoridades. Há uma luta incessante entre a verdade factual e histórias acalentadoras de bálsamos milagrosos. Mas, enfim, a batalha contra o vírus e contra uma certa dose cavalar de obscurantismo vai sendo paulatinamente vencida, aqui e em outros recantos.
O mundo agora começa a respirar sem tanto medo – diga-se de passagem –, culpa da ciência. A bola da competitividade no cenário mundial foi colocada ao centro com a pandemia, correto? Para qualquer indivíduo razoavelmente letrado, se houve uma crise instalada com a pandemia que atingiu todos os países, parece estratégico pensar que agora é hora de aquecer os motores, acelerando com toda a potência disponível para rumar ao futuro ou pelo menos sair do atraso e chegar ao presente.
Pensamos nós, seres racionais, que, através da ciência, tecnologia e inovação, vamos lá, avante, estimular novos cérebros do país e impulsionar, através do conhecimento, nosso reposicionamento no contexto mundial. Certo? Não. Certo para mim e para ti, não para o “mercado”, não para a visão rentista de curto prazo e dos interesses de uma minoria bem nutrida que opera a economia do país. Amargamos um corte de 90% nas verbas do setor que representam, no mínimo, a estagnação. Consolida-se o plano de nos manter inexoravelmente na lanterna do desenvolvimento. É um tanto triste acreditar na ciência e seu poder transformador da sociedade nestes dias no Brasil.
Fernando Spilki é Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão Universidade Feevale.