Aulas somente com segurança, investimentos e vacina
Foto: Marcello Casal Jr/Abr
Estamos atravessando o pior momento da pandemia da covid-19 desde março de 2020. As próximas semanas serão muito graves. A educação é uma das áreas mais atingidas pela pandemia. Entretanto, sua crise não é somente de agora, mas proveniente da desaceleração da agenda de políticas públicas para educação básica e superior, descumprimento das metas educacionais (PNE), ausência de coordenação nacional e redução de investimentos do MEC. Para além do necessário distanciamento físico, inclusive nos espaços escolares, produziu-se um falso dilema sobre aulas presenciais no modelo de rodízio/revezamento e a insanidade da obrigatoriedade do retorno presencial. O governo Bolsonaro está aprofundando e ampliando a crise.
Todos nós professores, estudantes, pais e/ou responsáveis sabemos da necessidade da educação e da aprendizagem em espaços interativos nas instituições formadoras. Retorno ao face-a-face é o que todos mais precisamos. Porém, transcorrido um ano de distanciamento físico, as autoridades e gestores educacionais não providenciaram as condições e adequações necessárias nas escolas, tais como: adequação dos espaços físicos; ampliação das janelas para ventilação e acessos mais largos; limpeza e dedetização de pátios, laboratórios, refeitórios, bibliotecas, etc; aquisição de equipamentos de higienização e, principalmente, formação e preparação de equipes para gestão da crise sanitária no interior das escolas. Ao contrário, assistimos, como foi em Porto Alegre e Canoas (cidades centrais e ricas), falta de funcionários e condições básicas de abertura das escolas.
Falta de estrutura
Para além das desigualdades sociais e tecnológicas já escancaradas na pandemia, quatro a cada dez escolas do Brasil (39%) não dispõem de estrutura básica para a lavagem de mãos, de acordo com um relatório do Programa Conjunto de Monitoramento da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para Saneamento e Higiene. A rotina de higienização das mãos é primordial para evitar doenças e será indispensável para a volta às aulas presenciais após fechamento das escolas devido à pandemia do coronavírus.
Dados do Censo Escolar 2018 apontam que 26% das escolas brasileiras não têm acesso a abastecimento público de água e quase metade (49%) das escolas brasileiras não tem acesso à rede pública de esgoto. De acordo com o relatório, somente 19% das escolas públicas do Amazonas têm acesso ao abastecimento de água, a média nacional é de 68%. A falta de acesso ao saneamento é mais recorrente na população de baixa renda, em aldeias indígenas, nas periferias urbanas, assentamentos informais e favelas, onde vivem aproximadamente 13 milhões de brasileiros.
“A necessidade de comprometimento é importante não apenas a curto prazo, para combater os efeitos imediatos da pandemia, mas também a médio e longo prazo, para superar os impactos da crise e alcançar, o quanto antes, a meta de serviços sustentáveis de água e esgoto para todos”, diz o relatório da Unicef/OMS.
Cenário tende a piorar
Este cenário tende a piorar. Ministério da Educação (MEC) confirmou um corte de R$ 4,2 bilhões no orçamento para 2021, que representa menos 18,2% em relação ao que foi aprovado para 2020 (R$ 103 bilhões). As escolas das redes municipais de ensino poderão ter perdas entre R$ 15 e R$ 31 bilhões, o que corresponde a um percentual entre 10% e 20% do total de recursos destinados em 2019, que foi de R$ 154,2 bilhões. Na rede estadual, a pandemia do coronavírus poderá trazer um impacto de R$ 27,7 bilhões a menos. Estas projeções são do movimento Todos pela Educação e do Instituto Unibanco. O orçamento federal para 2021 ainda não foi aprovado apesar de já estarmos em março.
Segundo o 6º Relatório Bimestral da Execução Orçamentária do MEC, publicada em fevereiro pelo Todos pela Educação, a pasta do MEC encerrou o exercício de 2020 com a menor dotação desde 2011, R$ 143,3 bilhões. Outros números demonstram a falta de priorização da Educação Básica da atual gestão, confirmado pelos cortes no orçamento do MEC e pelo insuficiente apoio técnico e financeiro destinado ao combate à pandemia ao longo do ano: a Educação Básica encerrou 2020 com R$ 42,8 bilhões de dotação, 10,2% menor em comparação ao ano anterior, e R$ 32,5 bilhões em despesas pagas. Após 12 meses, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) consumiu apenas 63% do seu limite de empenho e 77% do limite de pagamento das despesas discricionárias, evidências da baixa execução e dos problemas de gestão que cercam a pasta.
Ameaça vem de Brasília
Mas, paira em Brasília uma ameaça fatal para educação e saúde. O Relatório do Senador Marcio Bittar à PEC nº 186/2019, publicado em 23 de fevereiro de 2021, apoiada pelo governo Bolsonaro/Guedes, contém dispositivos que excluem a vinculação da receita de impostos à Manutenção e Desenvolvimento da Educação (MDE) e a proteção a outras áreas do campo social, inclusive a saúde. Mudanças nesta linha, de natureza deletéria, significa reduzir os recursos protegidos para a educação, no âmbito da receita de impostos, a quase metade. Se aprovada a PEC, educação básica, a escola pública brasileira e o Fundeb serão liquidados. Triunfará a privatização da educação com fundos públicos.
Responsabilidade do estado
A educação, independentemente de onde e como ocorra, é responsabilidade do Estado e das famílias como apoio da sociedade, segunda nossa Constituição Federal. O planejamento e processo pedagógico devem ser liderados por gestores especialistas em educação: professores, diretores, reitores, entidades científicas e educacionais, estudantes e demais atores diretamente envolvidos. As universidades e as escolas gozam de autonomia pedagógica, didática e administrativa e devem ser respeitadas.
Mas, é fundamental reconhecer e entender que a educação é um processo social ancorado no diálogo e na construção coletiva e compartilhada. Não pode ser imposta por atos normativos, sejam protocolos, decretos, portarias ou medidas provisórias. Educação e conhecimento não se impõem, pois devem resultar da vontade, disponibilidade e desejo de aprender. O método nas decisões educacionais equivale-se ao seu conteúdo. Segundo John Dewey, filósofo e pensador americano, a escola precisa reproduzir as práticas e experiências de democracia e cidadania, para que assim sejam praticadas nas sociedades.
Cabe ao Estado, por meio das secretarias de Educação, liderar fóruns de educação, com representantes e participantes de todos os segmentos educacionais a fim de que, no debate, na argumentação e na inteligência coletiva compartilhada, possam serem construídas as condições e os consensos possíveis para o desenvolvimento das atividades de ensino, sejam presenciais ou remotas.
Vacinação de professores e estudantes
O plano nacional de vacinação deve incluir, como públicos prioritários, junto com os profissionais da saúde e idosos, os professores e estudantes. É urgente, também, estabelecer prioridades para atender os estudantes sem condições adequados para os estudos e viabilizar acesso tecnológico (computadores, internet e livros digitais). Urge, restabelecer, no campo da educação, prioridades e condições de igualdade para os mais prejudicados.
O ano letivo de 2021, ainda sob a pandemia e vacinação morosa, será o grande desafio que requer um plano nacional articulado com os estados e municípios, com aporte de investimentos imediatos e com escuta efetiva da comunidade escolar: profissionais da educação, estudantes e pais. Aulas com segurança, com condições, com investimentos emergenciais, com liberdade de cátedra e aceleração da vacina para a população brasileira.
Não há educação se não houver vidas. Neste momento, a prioridade das prioridades é salvar Vidas, evitar o colapso no sistema de saúde, distanciamento físico, aceleração da vacina em massa (e não a contra gotas) e responsabilidade com o Alter: Outro.
Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.