OPINIÃO

As Marielles salvaram 2020

Por Moisés Mendes / Publicado em 9 de dezembro de 2020

Foto: Bárbara Dias/Fotoguerrilha/Reprodução

Foto: Bárbara Dias/Fotoguerrilha/Reprodução

O ano da pandemia foi também o ano das escolhas que levaram mais mulheres aos espaços de decisão política. Chegaram a anunciar, por pesquisas feitas antes da eleição, que elas seriam prefeitas e vereadoras em maior número. Foram menos do que se esperava, mas o Brasil elegeu mulheres poderosas.

Mulheres negras, mulheres lésbicas, mulheres das periferias e que sempre incomodaram pela militância. Multiplicaram-se Marielles em prefeituras e Câmaras. Já se anunciam outras tantas que virão com força em 2022.

As mulheres são 16% dos vereadores eleitos no país. Serão 9.196 vereadoras a partir do próximo ano. Em Porto Alegre, hoje elas são apenas quatro. Serão 11 na próxima legislatura, quase um terço de 36 integrantes. As mulheres da Capital gaúcha terão 30,5% das cadeiras, o maior índice de todas as capitais.

O número de prefeitas eleitas no Estado subiu de 24 para 37. Mas no Brasil todo há decepções. Só nove mulheres foram eleitas prefeitas nas 96 maiores cidades do país, entre as quais uma única gaúcha, Paula Mascarenhas (PSDB), de Pelotas. Apenas 12% das prefeituras brasileiras serão comandadas por mulheres.

As mulheres candidatas foram massacradas na eleição, em toda parte. Manuela D’Ávila sofria ataques machistas diários pela internet. A Justiça retirava do ar, da manhã à noite, milhares de postagens agressivas, todas criminosas.

E ficava nisso. Os ataques eram eliminados, como se estivessem simulando que jogariam as armas fora, mas os agressores retomavam os ataques com as mesmas armas no dia seguinte.

Atacaram Benedita da Silva, no Rio, Denice Santiago, em Salvador, Marília Arraes, no Recife. O machismo fez com que candidatas de direita fossem atacadas pela própria direita.

O machismo fará com que 17% dos municípios brasileiros não tenham uma única vereadora na próxima legislatura.

O Instituo Update estudou a taxa de sucesso na eleição (pessoas eleitas em relação ao total de candidaturas). Para as mulheres, essa taxa foi de 5,06%, e para os homens, de 14,1%.

Mas as mulheres são maioria no magistério. O ano da pandemia foi o ano da bravura das mulheres. Elas lideram e são a maior força de trabalho na área de enfermagem.

Qualquer imagem com gente mascarada em UTIs, na linha de frente do combate à Covid-19, mostra sempre uma maioria de mulheres. Elas são as que mais adoecem e as que mais morrem nos hospitais combatendo a pandemia.

São os rostos delas, e não os dos homens, que aparecem arranhados pelo uso intenso de máscaras, como se tivessem sido tatuadas pela guerra à peste.

E mesmo assim elas são atacadas pelo negacionismo combinado com machismos e todo tipo de manifestação fascista.

O mesmo fascismo que matou Marielle Franco. Completou-se neste 8 de novembro o 1000º dia do assassinato da vereadora. O crime não teria sido esclarecido se a vítima fosse um homem? E se fosse da elite branca? E se tivesse vínculos com poderosos?

O caso Marielle é conduzido no Ministério Público por uma mulher, a promotora Simone Sibilio, que enfrenta as manobras da polícia e da Justiça para atrapalhar o avanço das investigações.

A viúva de Marielle, Mônica Benício, foi eleita vereadora no Rio pelo PSOL. São as mulheres, a maioria chefes de família sem um homem em casa, que choram as mortes das 12 crianças assassinadas por ‘balas perdidas’ no Rio este ano.

Cinco eram meninas. Rebeca, Anna Carolina, Maria Alice, Rayane e Emilly. Todas eram negras. Todas.

Matam as crianças, as irmãs, as mães das crianças, as tias, as irmãs, as vizinhas. O Brasil é um dos países que mais matam mulheres. Mas elas resistem. A resistência política deflagrada em 2020 precisa se reafirmar e crescer em 2022.

É preciso eleger mulheres brancas, amarelas, negras, índias, lésbicas, junto com gays, trans e todos os que ainda são encarados como diferentes e ainda assustam o reacionarismo. O mundo sairá da pandemia mais feminino e por isso mesmo mais valente.

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