OPINIÃO

Acessibilidade é um direito

O Brasil tem 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, que precisam consumir, ter acesso a bens e serviços. É direito, não é burocracia. O respaldo vem de tratados internacionais e das leis
Por Marcos Weiss Bliacheris e Adriana Monteiro da Silva* / Publicado em 24 de dezembro de 2019
Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade na São Paulo Expo

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade na São Paulo Expo

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Pessoas com deficiência e idosos estão entre os grupos mais vulneráveis da sociedade com níveis de renda, educação e acesso à saúde inferiores ao restante da população. Mesmo assim, celebram suas festas e, na medida do que lhes é permitido, também compram e recebem presentes. Não bastasse a falta do acesso econômico e social, as barreiras de atitude e ambiente enfrentadas diariamente por esse grupo, há quem se sinta à vontade para destilar seu ódio e preconceito nas redes sociais, proclamando que essas pessoas não devem mesmo estar em todos os lugares, que os ambientes não precisam se transformar para recebe-las e não se importando em negar-lhes o direito ao consumo.

A partir do último sábado, dia 21, o dono da rede de lojas Havan, aquela conhecida por espalhar Estátuas da Liberdade pelo país inteiro, resolveu atacar publicamente, via redes sociais e também junto a seus funcionários, as medidas que possibilitam que pessoas com deficiência possam comprar em suas lojas.

O capacitismo, como todo preconceito, é exposto de várias formas:
atacando as pessoas com deficiência, seus direitos e sua dignidade

No vídeo, o empresário e dublê de influencer digital reclama do piso tátil e diz que não serve pra nada, já que leva nada a lugar nenhum. Debocha dizendo que é o piso é inútil, pois acha que cego não sai de casa sozinho. Rotula soluções de acessibilidade como problema. Mostra-se contrário às vagas de estacionamento para pessoas com deficiência e idosas. Afirma que as tecnologias de acessibilidade enfeiam suas lojas. Segura na barra de apoio do banheiro de sua loja e diz que aquilo deve servir para as pessoas se segurarem para vomitar. Por fim, diz em alto e bom som que tem nojo de tudo isso.

Suas falas são discriminatórias, sempre em um tom debochado e de desrespeito.  Deixa claro seu capacitismo, essa palavra pouco conhecida que define o preconceito contra as pessoas com deficiência. Expõe seu capacitismo de várias formas: atacando as pessoas com deficiência, seus direitos e sua dignidade.

Os direitos das pessoas com deficiência são tratados pelo empresário como privilégios decorrentes de decisões e atos corruptos e nojentos.  A reação das entidades representativas das pessoas com deficiência foi imediata, protestando veementemente contra as declarações odiosas.

O empresário demonstra total desconhecimento sobre os equipamentos de acessibilidade que buscam possibilitar que as pessoas com deficiência possam ir a suas lojas. Porém, orgulhoso de sua ignorância, não quer entender porque aquele equipamento está lá, preferindo ridicularizar as exigências legais.

Agindo assim, coloca os defensores da lei e dos direitos humanos na defensiva e chama a atenção para seus vídeos e assim, ganhar mais likes e compartilhamentos, seja de quem concorda com ele ou de quem discorda. Uma forma de se destacar no competitivo mundo dos vídeos da Internet é apelar para a baixaria, o que ele faz de forma constante. O objetivo é fazer barulho colocando-se no papel de vítima, fazendo o que ele chamaria de “mimimi”.

No primeiro vídeo de sua série, Hang ataca a Prefeitura de Chapecó e o Ministério Público catarinense. Mas não se enganem. Ele é contra qualquer norma de acessibilidade e não só as da loja de Chapecó. Ele trata qualquer norma imposta como burocracia ou corrupta. O empresário vê nas suas lojas uma extensão de sua casa, um reino onde ele tudo pode e não um espaço coletivo onde todos poderiam entrar. Poderia ser em Chapecó e poderia ser na sua cidade.

Acessibilidade não é obstáculo para o empreendedor: é a retirada de obstáculos que impedem o exercício da cidadania de pessoas com deficiência, idosas e com mobilidade reduzida. É segurança e autonomia para circulação por espaços públicos, acesso a informações, transportes e serviços para todos.

O Brasil tem mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, de acordo com o Censo 2010 do IBGE. Todas essas pessoas precisam consumir, ter acesso a bens e serviços. É direito, não é burocracia. O respaldo jurídico vem de tratados internacionais e de leis amplamente discutidas pela sociedade e pelo Congresso.

Tornar acessível é construir uma ponte entre a pessoa com deficiência e seus direitos. Mas o dono das lojas Havan prefere criar muros. Que a sua opinião seja levada a sério é um sinal de que o egoísmo e a mesquinhez estão superando a empatia e a solidariedade.

* Marcos Weiss Bliacheris, advogado da União e mestrando em Ambiente e Sustentabilidade (Uergs)
* Adriana Monteiro da Silva, advogada e militante em direitos de pessoas com deficiência

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