Cinco anos de descumprimento do Plano Nacional de Educação
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
A principal diretriz para as políticas educacionais no Brasil, o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005/2014, completou cinco anos vigência e de descumprimento da maioria de suas 20 metas e 253 estratégias. Cabe relembrar que este plano foi construído por meio de um amplo processo de discussão plural e democrática, por meio de duas Conferências Nacionais de Educação (Conae 2010 e 2014), além de 3,5 anos de tramitação e debates no Congresso Nacional. Foi aprovado pela quase totalidade do parlamento e homologado pela Presidência do Brasil em 25 junho de 2014.
Este é o segundo PNE em sequência e expressa um esforço e um consenso possível num país com enormes assimetrias, desigualdades e polarizações históricas. Porém, trata-se de um plano de Estado e possui estatuto de política pública para a educação, diferente de políticas de governos que deveriam contribuir para sua implementação. Segundo Sonia Mara Ôgiba, docente e coordenadora do Monitoramento e Avaliação do PNE/Faced/Ufrgs, como política de Estado, o PNE “revela que a justiça social, a democracia e a cidadania – concebidas como faces de um compromisso que é, em essência, ético e político – encontram a sua realização plena na educação de um país, em sua função precípua de condução dos povos à emancipação social e cultural”.
Há vários processos e estudos de acompanhamento e monitoramento do plano no Brasil, estados e municípios (comissões nacionais, estaduais e municipais; observatórios), desde o Inep/MEC, Todos Pela Educação, Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Universidades, entre outros. Recentemente, o próprio Ministro da Educação fez um balanço (apresentação de slides de power point) no Congresso Nacional considerando as metas do plano quase todas cumpridas.
Porém, o Inep/MEC, no Relatório do 2º ciclo de monitoramento das metas do PNE – 2018, apresenta uma análise de cada uma das 20 metas do quanto foi atingido e a distância para percorrer até 2024. Sinteticamente, pouco foi realizado e o risco de novamente a maioria das metas não serem atingidas, como ocorreu com o PNE 2001-2011, é muito provável. Esta perspectiva é corroborada pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2019, organizado pelo Movimento Todos Pela Educação e editado pela Editora Moderna.
Na análise da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, o descumprimento do PNE fica evidenciado em números, com destaque estão estagnadas as metas 1, 2 e 3, referente à universalização do acesso à educação básica. O lento avanço dos indicadores evidencia que milhares de crianças continuam fora da creche, pré-escola e dos ensinos fundamental e médio. Em 2017, segundo Plano Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad Contínua) , apenas 34,1% das crianças de até 3 anos estavam matriculadas, bem abaixo da meta de 50%. Situação similar ocorre com os jovens do ensino médio, que ainda têm 8% de sua parcela fora da escola, outro direito que estava previsto para ser universalizado até 2016 (PEC 59 de 2009), que não foi cumprido e ninguém responsabilizado. Temos 2 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos fora da escola no país.
Segundo Daniel Cara, Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, “a educação está escanteada no Brasil desde 2015, a partir dos cortes de Joaquim Levy. Há uma clara limitação econômica obstruindo a realização do PNE, mas diante da crise iniciada em 2014, todas as decisões políticas tomadas desconsideram a consagração do direito à educação, especialmente sob Michel Temer. E isto tende a piorar com Jair Bolsonaro, inviabilizando o cumprimento do PNE até 2024”.
Sabe-se que o cumprimento das metas está articulado e dependente, especialmente, com a meta 20 que estabelece “ampliar o investimento público de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do PIB no 5º ano” de vigência do PNE e “10% do PIB ao final do decênio”. Além de já estarmos no 5º ano descumprindo, pois continuamos investindo apenas 5,5% do PIB, estamos, na contramão do próprio plano, reduzimos os investimentos na educação na ordem de 56% entre 2014-2018.
O orçamento do MEC no período citado teve uma queda (desinvestimento) de 117 bilhões para 103 bilhões. E a rubrica específica de investimentos que seria para ampliar a qualidade e o acesso à educação básica e superior no Brasil teve um decréscimo de 11,3 bilhões para 4,9 bilhões, e a projeção para esse ano de 2019 na peça orçamentária é de uma queda maior ainda, ou seja, o investimento baixaria para 4,2 bilhões. Quando você soma essa redução dos investimentos de mais de 50% com a PEC 95 – do teto dos gastos, aprovada em 2016 –, e o anúncio de cortes no orçamento do MEC e no Ministério de Ciência e Tecnologia (redução 42% do orçamento em 2019), o PNE vigente está ameaçado, comprometido e inviabilizado na grande maioria de suas metas.
Tal descumprimento pela União das metas, principalmente a do financiamento, somado a redução das políticas púbicas em todas as áreas, níveis e modalidades de ensino, afeta por escala, também, os Planos Estaduais de Educação (PEEs) e os Planos Municipais de Educação (PMEs) em algum grau. Aqui no Estado do Rio Grande do Sul, a Comissão Estadual responsável pelo monitoramento sequer reunindo-se está e a Secretária de Educação não forneceu nenhuma informação no sistema de acompanhamento e avaliação do PEE/RS em quatro anos de vigência mesmo. O descaso é tanto que o PEE/RS não é referência para nenhuma política pública desde sua aprovação em 2015.
É necessário e urgente que a sociedade aperceba-se que não será com este projeto conservador e retrógrado de educação em disputa, baseado no ensino religioso nas escolas públicas, no combate à “ideologia de gênero”, com o programa “escola sem partido”, com o retorno da educação moral e cívica, com a militarização das escolas públicas e a educação domiciliar, que iremos avançar e melhor a qualidade da educação brasileira.
O Brasil e seus gestores possuem à sua disposição uma poderosa política de Estado que se fosse implementada mudaria o panorama atual da educação brasileira, tanto na sua expansão bem como na sua qualidade. Porém, persistindo a atual política econômica e fiscal o PNE está inviabilizado e com ele o futuro do nosso país e de milhões crianças, adolescentes e jovens. Atualmente, a título de ilustração, temos 9,2 jovens no ensino médio. Destes jovens de 15-17 anos, 60% não concluem o ensino médio, 50% estão fora e 82% que concluem não vão para a Universidade, mas, precocemente, para o mercado de trabalho.
É fundamental que se façam investimentos na juventude, por meio de políticas focalizadas nos territórios mais vulneráveis socioeconomicamente, de modo a garantir condições de desenvolvimento infanto-juvenil, acesso à educação, cultura e esportes, além de mecanismos para facilitar o ingresso do jovem no mercado de trabalho. Inúmeros trabalhos científicos internacionais, como os do Prêmio Nobel James Heckman mostram que é muito mais barato investir na primeira infância e juventude para evitar que a criança de hoje se torne o criminoso de amanhã, do que aportar recursos nas infrutíferas e dispendiosas ações de repressão bélica ao crime na ponta e encarceramento, como estamos procedendo na vigência deste PNE.
“A educação é onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo“ (Hannah Arendt)
Gabriel Grabowski escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.