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Estupro: maioria aprova interrupção da gravidez

88% dos entrevistados em pesquisa defendem que toda cidade deveria ter um serviço de aborto previsto na legislação, para que a vítima possa escolher sobre a continuidade ou não da gestação.
Da Redação* / Publicado em 10 de novembro de 2020
Ativistas vão às ruas do centro do Rio de Janeiro em marcha pela legalização do aborto na América Latina

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ativistas vão às ruas do centro do Rio de Janeiro em marcha pela legalização do aborto na América Latina

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A interrupção da gravidez resultante de estupro feita em segurança por um serviço de saúde é apoiada por 82% dos brasileiros, e 88% consideram que toda cidade deveria ter um serviço de aborto previsto na legislação, para que a vítima possa escolher sobre a continuidade ou não da gestação. Porém, apenas 46% afirmaram conhecer serviço de saúde para vítimas de estupro.

Maíra, do Instituto Locomotiva: “a maioria conhece uma mulher ou menina que foi vítima e é unânime a percepção de que as brasileiras temem que isso ocorra com elas"

Foto: Reprodução

Maíra, do Instituto Locomotiva: “a maioria conhece uma mulher ou menina que foi vítima e é unânime a percepção de que as brasileiras temem que isso ocorra com elas”

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É o que revela a pesquisa Percepções sobre estupro e aborto previsto por lei, dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, divulgada na última segunda-feira, 9. Segundo a diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva, Maíra Saruê Machado, o impacto do estupro é uma realidade próxima da população, já que 52% dos entrevistados conhecem uma mulher ou menina que já foi vítima e 16% das mulheres disseram ter sofrido violência sexual.

O levantamento foi feito de forma on-line entre os dias 1º e 14 de setembro e registrou a opinião de 2 mil homens e mulheres, com 16 anos ou mais de idade, em todo o Brasil.

Entre as mulheres, 95% revelaram ter medo cotidiano de serem estupradas, sendo que 78% afirmaram ter muito medo. Entre os homens, 92% têm medo que sua filha, mãe, esposa ou namorada sejam vítimas do crime. Esse medo não é irreal em um país onde os dados consolidados sobre violência sexual mostram que 97% das mulheres já sofreu algum tipo de assédio ao utilizar o transporte público e que uma mulher é estuprada a cada 9 minutos.

“A maioria conhece uma mulher ou menina que foi vítima e é unânime a percepção de que as brasileiras temem que isso ocorra com elas. As consequências de um estupro na vida da vítima, sejam psicológicas, físicas ou uma gravidez indesejada, também são bastante reconhecidas. Mas a pesquisa mostra que o acolhimento do Estado às mulheres e meninas vítimas, seja nas delegacias ou no sistema de saúde, pode ser mais qualificado”, disse Maíra.

Arte: Divulgação

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A pesquisa aponta que 91% das mulheres acham que contariam para alguém se fossem vítimas de estupro e 68% contariam com certeza.

Os motivos relatados que impediriam a comunicação do crime são a vergonha, o constrangimento e o medo da exposição. Na amostra, 92% das mulheres dizem que denunciariam se fossem vítimas, porém, 53% dos entrevistados acreditam que as vítimas não costumam denunciar.

Apenas 29% acham que a polícia está muito preparada para atender vítimas de estupro e 93% concordam que toda vítima de estupro que procurar a delegacia ou um serviço de saúde deve ser informada sobre as formas para evitar doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Dos que conhecem uma vítima, 17% relataram que ela engravidou e em 42% desses casos a gestação foi interrompida.

Apoio ao acolhimento das vítimas

“Já está amplamente disseminada a ideia de que uma relação sexual sem consentimento é um estupro e que, em caso de gravidez, toda menina e mulher tem o direito de interromper essa gestação de forma segura em um hospital público", ressalta Jacira, do Instituto Patrícia Galvão

Foto: Caroline Lima/ Agência Patrícia Galvão/ Divulgação

“Já está amplamente disseminada a ideia de que uma relação sexual sem consentimento é um estupro e que, em caso de gravidez, toda menina e mulher tem o direito de interromper essa gestação de forma segura em um hospital público”, ressalta Jacira, do Instituto Patrícia Galvão

Foto: Caroline Lima/ Agência Patrícia Galvão/ Divulgação

Para a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, a pesquisa evidencia o apoio ao acolhimento das vítimas de estupro pelos serviços públicos.

“Já está amplamente disseminada a ideia de que uma relação sexual sem consentimento é um estupro e que, em caso de gravidez, toda menina e mulher tem o direito de interromper essa gestação de forma segura em um hospital público. E, mais que isso, a maioria da população concorda que toda cidade deve ter um serviço de saúde para atender essas vítimas”, disse.

Sobre casos como o da menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio e engravidou, no Espírito Santo, 94% disseram ser favoráveis à interrupção da gestação.

Formas de violência

A pesquisa levantou também a percepção sobre as principais formas de violência sofridas pelas mulheres. Do total de entrevistados, 73% apontaram a violência doméstica, 53% o assédio sexual, 43% a desigualdade salarial entre homens e mulheres, 42% o estupro, 38% a violência física, 37% a dupla jornada de trabalho e 14% indicaram ainda o racismo como uma forma de violência sofrida pelas mulheres brasileiras.

Quando analisadas apenas as respostas das mulheres à pesquisa, o estupro é apontado por 44% e indicado como a quarta principal violência sofrida, enquanto entre os homens a indicação cai para 39%, o sexto lugar.

Para 84% dos entrevistados, a culpa é sempre do estuprador, independentemente da roupa ou do comportamento da mulher, e 59% entendem que estupro é o ato sexual sem consentimento. Do total, 94% discordam do argumento machista de que existiriam mulheres que ‘merecem ser estupradas’.

Quando perguntados sobre situações específicas, 92% disseram ser estupro quando um homem obrigar uma mulher a ter uma relação sexual; 90% quando um homem faz sexo com uma mulher que está inconsciente, bêbada ou drogada; 82% quando um homem faz sexo com uma mulher com grave deficiência mental; 81% quando o marido ou parceiro obrigar sua mulher a práticas sexuais que ela não quer; 77% quando um homem faz sexo com uma menina menor de 14 anos, mesmo que ela autorize; e 65% afirmaram ser estupro quando um homem “encoxa” uma mulher ou toca o seu corpo sem sua autorização.

Sobre o isolamento social imposto por causa da pandemia, 81% dos entrevistados consideram que a quarentena contribui para o aumento dos estupros dentro de casa. Do total, 98% concordam que se alguém descobrir que uma menina está sendo estuprada dentro de casa, deve denunciar. Para 88%, quem presencia ou fica sabendo de um estupro e fica calado também é culpado.

O atendimento às vítimas deve oferecer atendimento psicológico segundo 89% dos entrevistados; assistência médica imediata para machucados e lesões para 84%; remédios para prevenir infecções transmitidas sexualmente, como sífilis e HIV para 83%; e 74% concordam que a vítima deve tomar rapidamente a pílula do dia seguinte para evitar uma gravidez.

ESTATÍSTICAS – De acordo com estatísticas obtidas por meio do cruzamento de indicadores da violência de gênero pelo Instituto Patrícia Galvão e compiladas no dossiê Feminicídio, a cada dois minutos uma mulher registra agressão com base na Lei Maria da Penha no país, onde 97% das mulheres já foram vítimas de assédio em meios de transporte, uma mulher é vítima de estupro a cada 9 minutos e a média de feminicídios chega a três por dia.

*Com Agência Brasil, Instituto Locomotiva e Agência Patrícia Galvão.

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