Chile: não é por 30 pesos, é por 30 anos
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Nos recentes protestos que estão tomando conta do Chile desde a semana passada uma frase é recorrente: “No es por 30 pesos, es por 30 años”. No dia 6, o Metrô de Santiago, empresa privada da qual o Estado tem participação, aumentou em 30 pesos chilenos (R$ 0,17) o preço da tarifa em horários de maior movimento, chegando a 830 pesos chilenos (R$ 4,80). Em 1998, o Chile iniciou sua transição da ditadura Pinochet para a democracia liberal. Nessas três décadas, o país viveu a relativa restauração dos direitos civis, porém amargou o aprofundamento de medidas econômicas neoliberais, a exemplo da reforma da Previdência que empurrou aposentados para a miséria por meio do sistema de capitalização – o mesmo defendido pelo ministro da Economia brasileiro Paulo Guedes.
A medida, que foi derrubada pelo Parlamento, provocou manifestações e saques principalmente na capital, Santiago, com saques, incêndios, e violenta repressão policial. O número de mortos nos protestos que convulsionam o Chile desde a semana passada aumentou para 15, das quais 11 na região metropolitana de Santiago, segundo comunicado do subsecretário de Interior, Rodrigo Ubilla.
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SEM LIDERANÇA – O Extra Classe, que esteve em janeiro passado no país andino para matéria especial sobre o sistema de capitalização para as aposentadorias dos trabalhadores chilenos, ouviu o professor Florencio Valenzuela Cortés, Secretário-Geral da Federação Nacional dos Sindicatos de Colégios Privados do Chile (Federacioncp) sobre os protestos, que têm muita similaridade com os movimentos de junho de 2013 que se iniciaram com o “Não é por 20 centavos” em São Paulo e acabaram tomado conta do Brasil.
Florencio Cortés, que também integra a Federação Latino-americana de Trabalhadores da Educação e Cultura, afirma que entre quinta-feira, 17 e sexta-feira, 18, o Chile “sofreu uma mutação completa”. O dirigente sindical, no entanto, ressalta que “o extraordinário sobre esse movimento é sua espontaneidade e a absoluta falta de liderança política”.
Foto: Denisse Gacitúa Bustos/ Spanishrevolution.org
Coincidências à parte, o mesmo ocorreu no Brasil em 2013 com as movimentações de rua, que se iniciaram no meio estudantil e acabaram sendo canalizadas para os setores médios da sociedade até o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Na opinião de Cortés, esse é o principal risco “dessas explosões sociais sem nenhum tipo de direção”. “Elas permanecem, muitas vezes, como uma expressão de raiva contida, mas não conseguem canalizar. Você não vê uma saída clara”, analisa.
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Segundo o professor, de fato, existem hoje oito regiões no seu país em Estado de Emergência. O fenômeno contempla militares e carabineiros (a violentíssima força de segurança pública) sendo totalmente “atropelados pelas multidões”. Outra característica apontada por Cortés é “uma classe política atordoada, que não sabe como reagir”.
Concretamente, avalia, o governo chileno está encurralado. “Não sabe o que fazer. Reage com repressão, mas não responde às demandas da população”, disse, ao lembrar o recuo do presidente Sebastián Piñera em relação ao reajuste da tarifa do metrô de Santiago.
O saldo até o momento, “uma dúzia de mortos, várias centenas de saques e incêndios por toda parte. As principais cidades se transformaram em campos de batalha. Supermercados fechados e universidades e faculdades sem aulas. O país está realmente paralisado”, conclui Cortés.