MOVIMENTO

Emoção marca ato em defesa do patrono Paulo Freire em São Paulo

A manifestação, realizada na manhã desta segunda-feira, 23, na PUC/SP, reuniu mais de 200 lideranças sociais e intelectuais da educação
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 23 de outubro de 2017

Foto: Lóryen Bessa

O auditório Professor Emérito Paulo de Barros Carvalho das PUCSP ficou pequeno para o evento, definido pelos organizadores como “um ato de esperança e luta nesses tempos sombrios por que passa o Brasil”

Foto: Lóryen Bessa

A manifestação, realizada na manhã desta segunda-feira, 23, na PUC/SP, reuniu mais de 200 lideranças sociais, intelectuais da educação, secretários municipais das mais variadas administrações de São Paulo, religiosos e representantes da aldeia guarani do Pico do Jaraguá, em defesa da manutenção de Paulo Freire como Patrono da Educação Brasileira.

Além da mobilização da manhã de hoje, os organizadores comemoraram também a assinatura de mais de 22 mil pessoas contra a proposta legislativa, criada por uma estudante apoiadora do Escola sem Partido, que pede a revogação da Lei 12.612 que concede o título a Freire. Novos atos serão realizados no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Ceará e Piauí.

A abertura da atividade de hoje foi realizada pela própria reitora da PUC/SP, Maria Amália Andery, que fez questão de prestigiar a solenidade e afirmar que mais uma vez a instituição se soma às lutas das causas democráticas. “Esta casa também foi a casa de Paulo Freire e aqui ele mais deu do que recebeu”, afirmou ao deixar claro que em seu entendimento retirar o patronato de Freire “significa recusar o que de melhor este Brasil produziu. Não há intelectual à altura de Paulo Freire” frisou.

O ator Paulo Goya, ex-integrante do Teatro Oficina, disse antes de iniciar a leitura do Manifesto de apoio à Freire que se sentia extremamente incomodado por “um bando de fascistas nos obrigar a reunir por um absurdo, uma farsa destas”. Já a doutora Ana Maria Saul, coordenadora da Cátedra Paulo Freire, ressaltou a positividade de estarem no evento pessoas que talvez tivessem dificuldades de estar lado a lado, somando esforços pela educação brasileira.

Foto: Lóryen Bessa

Lideranças sociais e intelectuais defendem a manutenção de Paulo Freire como Patrono da Educação brasileira

Foto: Lóryen Bessa

O presidente de Honra do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti, também destacou a relevância do ato realizado. “Paulo Freire uma vez disse em Vitória, no Espírito Santo, que se sentia um menino conigtivo” (Nota da redação: brincadeira criada por Freire aludindo conexão). Para Gadotti o auditório lotado é a prova cabal disto. “Paulo Freire, como menino conigtivo está nos convocando a darmos um basta a esses tempos obscuros”. Gadotti entende que talvez essa seja uma espécie de ajuda para a saída do que chama de uma certa apatia, um novo pretexto para a ampliação da defesa da democracia, contra o desmonte do Estado e as políticas ultraconservadoras do atual governo. “Hoje o Brasil, que já foi visto como um país da esperança, onde nasceu o Fórum Social Mundial, é visto como um país de retrocessos”, declarou ao lembrar que entende que o alvo não é só Paulo Freire. “o que eles querem mesmo é atacar a educação democrática pela qual lutamos e conquistamos em parte. E isto é reflexo não só de conservadorismo, mas reflexo também de ignorância, pois só se vê preconceitos, xingamentos e palavras de ódio”, finalizou citando uma frase do próprio Paulo Freire: “Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação”.

Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, confirmou a tese de Gadotti ao relatar que em uma audiência pública onde somente ele estava na defesa de uma educação crítica ouviu o deputado federal Eduardo Bolsonaro declarar com certo orgulho de que não conhecia, nunca tinha lido e nunca leria Paulo Freire. Na ocasião, Cara desafiou o deputado a ler e tentar entender Paulo Freire. “o segredo é invocar Paulo Freire no debate. Só isso pode fazer a voltar o bom senso à sociedade”, ressalta.

Otimista, Cara disse que a mobilização em torno do educador falecido em 1997 fez com que em uma semana não só o ato da PUCSP se organizasse, mas ainda rendeu mais de 22 mil assinaturas contra a iniciativa do movimento Escola Sem Partido. “Temos grande chance de enterrar de vez esse absurdo, pois em um dia já passamos aqueles que querem cassar o título do nosso patrono”. Cara tem certeza de que agora “essa turma vai acionar os seus robôs, que é uma forma covarde de atrapalhar o debate. Nós não vamos usar robôs e, mesmo assim, tenho certeza de que vamos vencer essa luta”. O otimismo de cara não é vão. “Ontem a Relatora Especial pelo Direito Humano à Educação da ONU, Koumbou Boly Barry, me ligou e disse que as Nações Unidas devem brevemente se manifestar em defesa de Paulo Freire”, comemorou.

Foto: Instituto Paulo Freire

Paulo Freire foi diplomado como Patrono  em abril de 2012

Foto: Instituto Paulo Freire

A viúva de Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire, emocionou a todos no auditório a reler um pequeno bilhete que lhe fora enviado por Chico Buarque de Holanda na ocasião em que lhe fora entregue o diploma declarando seu esposo Patrono da Educação Brasileira: “Que beleza, Nita. Não é só o Paulo Freire que está recebendo o prêmio, mas é o Brasil dizendo que merece Paulo Freire”. Para ela, “esse movimento de direita está querendo dizer que o Brasil não merece e não quer Paulo Freire”. Nita Freire ainda destacou que em momentos como o que ocorreram hoje, onde a emoção prevalece contra a razão nunca escreve um texto. Disse que aprendeu com Freire a ter menos preconceitos e não comparar culturas. “Eu sou muito nacionalista. Eu acho que o Brasil com o atual governo está uma porcaria, mas eu não saio daqui. Eu vou lutar para mudar essa porcaria. Agora, eu luto por um homem que foi um dos maiores intelectuais deste país, que é considerado um dos maiores educadores do mundo, e luto por um homem que amei” encerrou sendo fortemente aplaudida.

Proponente do título de Paulo Freire, a deputada Luiza Erundina encerrou a cerimônia afirmando que quando trabalhava com o então arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, o Dom Zulu, recentemente falecido “Paulo Freire entrou na minha vida e nunca mais saiu”. Humorada disse que até hoje devem existir retroprojetores enterrados na Paraíba, pois com eles “nós trabalhávamos o método Paulo Freire com aqueles agricultores que não tinha mais a coragem de se assumir camponeses, tamanho o massacre que a ditadura fez com as ligas camponesas”

O ato realizado na PUC/SP a favor da manutenção do título de Patrono da Educação Brasileira à Paulo Freire ainda contou com manifestações de núcleos de estudos freurianos na Itália, Cabo Verde, Estados Unidos e Espanha. Da Universidade de Stanford, o professor Martin Carnoy enviou mensagem especial de solidariedade.

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