Réu por facilitar contrabando de madeira, Ricardo Salles não teve celular periciado pela PF
Foto: Polícia Federal/ Arquivo
Já se passaram dois anos desde que o então ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, deixou a pasta sob fortes indícios de ter facilitado contrabando de madeira extraída ilegalmente da Amazônia brasileira.
Apesar de alvejado pela Operação Akuanduba da Polícia Federal (PF) o celular do bolsonarista nunca chegou a ser periciado pelo órgão. A informação foi dada em primeira mão pela Coluna de Malu Gaspar, em O Globo.
O inquérito da PF contra o hoje deputado federal por São Paulo que é relator da CPI do MST passou por uma série de percalços, manobras, da direção-geral da PF alinhada a Jair Bolsonaro na época.
Começou com o próprio Salles entregando um aparelho 19 dias após as buscas e se negando a repassar aos agentes sua senha. Ele invocou a garantia constitucional de não produzir provas contra si mesmo.
Encaminhado para a análise pericial do Instituto Nacional de Criminalística da PF, o celular apresentado por Salles não foi periciado por “indisponibilidade de ferramentas, softwares e técnicas” para obter “acesso aos dados encontrados na memória do dispositivo”.
Operação abafa
Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil/ Arquivo
A posição do instituto mudou logo após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ter determinado a remessa do dispositivo aos Estados Unidos diante da informação de que o Serviço de Pesca e Vida Selvagem daquele país ter informado à própria PF que tinha condições de “quebrar” a senha e garantir o acesso aos dados.
Foi do organismo americano, aliás, que foram enviadas as primeiras pistas para a investigação do esquema de contrabando envolvendo Salles e membros de sua equipe no governo Bolsonaro.
Em meio ao imbróglio, o responsável pelo inquérito, delegado Franco Perazzoni, foi exonerado da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros.
Na PF, a decisão foi vista como uma retaliação pelas investigações contra Salles. Como em outros casos notórios no governo passado, a documentação sobre a retirada de Perazzoni do caso foram colocados sob sigilo de 100 anos.
Antes da exoneração de Perazzoni, o então superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, já tinha sido caído por ter apresentado uma notícia-crime contra Salles.
Era o caso da apreensão de 11 balsas com 131 mil m² de madeira extraída ilegalmente em dezembro de 2020. O volume é o equivalente a 6.243 caminhões lotados de carga.
Em junho de 2021, o chefe da divisão de combates a crimes contra o meio ambiente, Rubens Lopes, foi exonerado menos de um mês após a saída de Perazzoni.
Ministério Público age
Com o pedido demissão de Salles, o caso foi remetido à primeira instância da Justiça paraense pelo STF a pedido da PF.
Perazzoni que foi mantido no caso pelo superintendente da PF no Pará, Wellington Santiago, trabalhou de forma remota de sua nova base, Brasília.
Ele solicitou diversas vezes a realização de uma perícia no celular do ex-ministro até ser afastado definitivamente.
Sem a perícia e o inquérito nunca concluído pela PF, no dia 19 de agosto o Ministério Público Federal do Pará (MPPA) que só teve acesso ao processo neste ano apresentou à Justiça uma denúncia contra Salles.
Nesta segunda-feira, 28, a Justiça Federal aceitou a petição do MPPA e Salles virou réu por crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, advocacia administrativa, facilitação de contrabando e outros cinco crimes.
Segundo procuradores do Grupo de Atuação Especial ao Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Pará, a PF agora terá dez dias para dizer se tem ou não condições de quebrar a senha do celular. No caso de resposta positiva, as informações do telefone devem ser encaminhadas em até 30 dias.