JUSTIÇA

Intenção de doar órgãos pode ser registrada em cartório no RS

A medida foi anunciada em audiência na Corregedoria do Tribunal de Justiça, nesta quinta-feira, 15, e tem como objetivo contribuir para ampliar as doações e os transplantes de órgãos e tecidos
Por Stela Pastore / Publicado em 16 de dezembro de 2022
Intenção de doar órgãos pode ser registrada em cartório no RS

Foto: Elian Salazar/TJ

Cerca de 2,8 mil pacientes estão em lista de espera no estado e 52 mil aguardam por transplante de órgãos no país

Foto: Elian Salazar/TJ

O Rio Grande do Sul já permite que as pessoas manifestem formalmente, com registro nos tabelionatos, a intenção de ser doador de órgãos após a morte. A lei determina que a doação seja autorizada apenas por familiares até a segunda geração após o óbito.

O anúncio foi feito nesta quinta-feira , 15, durante audiência na Corregedoria do Tribunal de Justiça para recolher contribuições para que o judiciário contribua com medidas para ampliar o volume de transplantes.

O registro e a gratuidade do documento é resultado de um Termo de Cooperação firmado entre o poder judiciário e o Colégio Notarial do Rio Grande do Sul, que emitirá o documento sem custo.

O presidente do Colégio Notarial, José Flávio Bueno Fischer, adiantou que todos os tabelionatos do estado já estão atualizados deste procedimento.

De forma simbólica, na audiência dois integrantes do judiciário assinaram as declarações de doadores para estrear o sistema.

Mais de 50% das famílias negam a doação de órgãos de familiares com morte encefálica por não saber da intenção do familiar.

Cerca de 2.800 pacientes estão em lista de espera no estado e 52 mil aguardam por transplante no país.

Intenção de doar órgãos pode ser registrada em cartório no RS

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Na audiência, integrantes do judiciário assinaram as declarações de doadores para estrear o sistema

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Integração com a Central de Transplantes

A próxima etapa do acordo é integrar o sistema informatizado notarial com a Central de Transplantes do Rio Grande do Sul.

Esta ferramenta está em desenvolvimento e permitirá a identificação dos doadores declarados no momento do óbito ampliando as possibilidades de busca de órgãos nos casos de morte encefálica, diagnóstico que permite a doação de múltiplos órgãos e realizar os protocolos para efetivar a doação sem depender de autorização de familiares.

A morte encefálica é causa mortis de apenas 2% do total de óbitos.

Neste ano,  a Central de Transplantes do RS recebeu 679 notificações de morte encefálica. Porém, deste total resultou em apenas 179 doadores efetivos. “Por que perdemos tantas vidas?”, questionou Maria Lúcia Elbern, mãe de um transplantado e coordenadora do projeto Via Vida.

“Tem muita gente sofrendo, esperando um telefonema informando de que um órgão chegou. Isso representa a diferença entre a vida e a morte, entre a qualidade de vida e uma vida miserável. Nós podemos contribuir”, declarou o desembargador Carlos Eduardo Richinitti, idealizador do projeto do Judiciário Doar é Legal, projeto criado há 10 anos.

“O desafio é transformar o trato burocrático do judiciário em efetividade para salvar vidas”, disse Richiniti. Ele relatou emocionado que recentemente sua filha necessitou de um transplante.

“Podemos mudar de doador a receptor a qualquer momento”, concluiu.

Juizado especial para doação de órgãos

No dia Nacional da Doação de Órgãos, dia 27 de setembro, foi criado um comitê de órgãos do Judiciário que pretende dar alguns passos.

O Corregedor-Geral Giovani Conti anunciou o intuito de criar um Juizado – até o final de 2023 -, para tratar de doação e transplante de órgãos e tecidos de forma especializada para atender de forma centralizada todas as questões que envolvem o tema.

Na abertura da audiência foi assinado um termo de cooperação entre diferentes órgãos públicos para reunir forças para reduzir entraves no processo da doação ao transplante.

“Quando for necessária a autorização judicial estaremos preparados para otimizar os documentos e apurar os fluxos”, resumiu a defensora pública do Núcleo de Defesa da Saúde, Liliane Paz.

James Cassiano, transplantado do coração há três anos, se transformou em um ativista. “Esta causa é muito importante e dá uma nova oportunidade de vida”, declarou na audiência.

Transplantado bilateral de pulmão há 39 dias, o professor Edilbert Krüger relatou sua comovente espera por um órgão e anunciou a criação da Associação Nacional de Pré e Pós Transplantados no dia 5 de janeiro.

Retrocesso no sistema

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Fernanda Bonow: há insuficiência de profissionais para captar órgãos em todo o território gaúcho

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Pioneiro em transplante de vários órgãos e líder em doações, o RS foi perdendo posições nos últimos anos. Atualmente, está na sétima posição em doações, enquanto Santa Catarina e Paraná lideram há vários anos. Além disso, dependendo do tipo de órgão, mais da metade provem de doadores de outros estados.

Coordenadora da Organização de Procura de Órgãos (OPO1) e colaboradora do projeto Cultura Doadora, a médica Fernanda Bonow relatou a situação na Região Metropolitana e enfatizou a insuficiência de profissionais para captar órgãos em todo o território gaúcho, entre outros gargalos.

O chefe do Serviço de Transplantes do Hospital de Clínicas, Roberto Manfro, apresentou um conjunto de dados que explicitam o retrocesso do estado. Comparando os três estados do sul, a negativa familiar na entrevista chega a 47% no RS, 29% no Paraná e 20% em SC.

A notificação de doadores por milhão da população (PMP) no RS é 17, no PR é 40 e, em SC, 44.

Diferentes manifestações destacaram a defasagem tecnológica da Central de Transplantes gaúcha – como uso de fax para algumas comunicações, o que causou surpresa na plateia.

A atividade contou com a presença da Secretária Estadual da Saúde, Arita Bergman e do coordenador da Central de Transplantes, Rafael Rosa, que usaram a palavra sem fazer nenhum anúncio de investimentos ou novas iniciativas na área.

Contribuição para a causa

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Fuhr: Retrocedemos em muitas coisas. Mas não me conformo em ter retroagido em humanismo e solidariedade. É uma questão de potencializarmos o sistema para que a consciência doadora possa se efetivar

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O presidente da Fundação Ecarta, professor Marcos Fuhr, apresentou o trabalho do projeto Cultura Doadora realizado há 10 anos com a realização de centenas de atividades para incentivar a causa a doação de órgãos e tecidos.

Fuhr enfatizou que o problema não está apenas na decisão pela doação, mas na falta de um sistema mais efetivo que depende de investimento, gestão e formação.

“O sistema como um todo precisa ser atualizado, aprimorado e potencializado para que a consciência doadora se materialize”, pontuou.

Ele surpreendeu os participantes ao informar que a maior parte dos profissionais da área da saúde não tem noção de como funciona o sistema de transplantes pela ausência de disciplinas nos cursos de formação.

Marcos Fuhr entregou à Corregedora da Saúde e coordenadora da audiência, Nadja Zanella, documento detalhando o projeto + Doação e Transplantes nos Currículos da Saúde em desenvolvimento pela Fundação Ecarta junto às universidades gaúchas para ampliar a formação na área.

“Retrocedemos em muitas coisas. Mas não me conformo em ter retroagido em humanismo e solidariedade. É uma questão de potencializarmos o sistema para que a consciência doadora possa se efetivar”, conclui Fuhr.

A coordenadora da audiência pública declarou que desconhecia os itens destacados pelo coordenador da Fundação Ecarta. Nadja Zanella convidou os representantes do projeto Cultura Doadora a levar os diagnósticos ao Comitê Estadual de Saúde do Judiciário.

Operadores do Direito, profissionais de saúde e ativistas da causa marcaram presença na atividade transmitida ao vivo pelo Youtube.

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