Inclusão: a deficiência das escolas
Foto: Assis Cavalcante/ Prefeitura de Sorocaba/ Divulgação Foto: Assis Cavalcante/ Prefeitura de Sorocaba/ Divulgação
Autor do livro Escolarização e deficiência: configurações nas políticas de inclusão escolar (Ed. ABPEE, 2015) e coautor e organizador de Prática pedagógica na educação especial: multiplicidade do atendimento educacional especializado (Ed. Araraquara, 2013), entre outros, o professor de Educação Especial da Ufrgs, Claudio Roberto Baptista, alerta para o sentido amplo da inclusão escolar de crianças com deficiência: “oferecer novas perspectivas de aprendizado e de vida cotidiana para sujeitos que antigamente eram afastados das escolas regulares”. Graduado em Psicologia pela USP, mestre em Educação pela Ufrgs e pela Università degli Studi di Bologna e pós-doutorado pela Università di Roma “Foro Italico”, Baptista é professor titular na área de Educação Especial, no Departamento de Estudos Básicos da Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação, na Ufrgs – do qual já foi coordenador de 2010 a 2014. Atualmente coordena o Núcleo de Estudos em Políticas de Inclusão Escolar (Nepie) na Ufrgs, que abrange o projeto de pesquisa Políticas de educação especial e inclusão escolar do Programa Observatório da Educação Capes/Inep, espaço de formação de pesquisadores sobre políticas de inclusão escolar, medicalização da infância, formação de professores, alternativas de atendimento educacional especializado, currículo e educação especial. “A escola, ao buscar alternativas para a escolarização dos alunos com deficiência, acaba favorecendo também outros que viviam condições de marginalização dentro das salas de aula”, constata nesta entrevista.
Extra Classe – Qual é o panorama da inclusão escolar de alunos especiais no sistema regular de ensino na atualidade?
Claudio Roberto Baptista – A análise panorâmica da inclusão escolar no Brasil tende a produzir necessariamente uma leitura parcial de um processo bastante complexo. No entanto, quando tomamos como referência os indicadores de matrículas, veremos que houve entre 1998 e 2016 uma reviravolta na escolarização dos alunos com deficiência, passando de 16% de matrículas desses alunos no ensino comum, em 1998, para aproximadamente 85% em 2016. Os estudos relativos a esse processo mostram que existe uma variabilidade entre os sistemas de ensino, pois um estado federado como o nosso envolve um processo singular na aplicação de diretrizes. Em geral, temos processos mais favoráveis à inclusão escolar nas redes públicas, principalmente naquelas municipais. Essa ênfase nos municípios é também um efeito de políticas de articulação direta entre Ministério da Educação e gestores locais, sendo essa articulação uma diretriz de muitos dos programas da área. A variabilidade também ocorre entre os diferentes estados, por exemplo, o Paraná mostra-se mais resistente à inclusão do que o Espírito Santo. Em geral, os contextos com forte tradição de instituições especializadas tendem a ser mais resistentes porque a inclusão altera o equilíbrio de poder, modificando o status daqueles que se ocupam das instituições, dos recursos econômicos e dos espaços de formação. Além disso, uma ênfase na inclusão escolar exige novas práticas que nem sempre são integrantes de um conhecimento mais tradicional que tende a selecionar, simplificar e preparar o aluno em modo contínuo para uma escolarização que nunca acontece.
EC – A diversidade da convivência favorece o processo de ensino-aprendizagem?
Baptista – A inclusão escolar é uma perspectiva pedagógica que pode ser compreendida como uma ampliação da escolarização obrigatória para todas as crianças. A escola nem sempre foi destinada a todos e, ao longo de sua história, tem se mostrado uma instituição que tende a selecionar muito os alunos. Discutir inclusão escolar é também questionar a escola que responsabiliza exclusivamente o aluno por seus “fracassos”, exigindo que essa instituição seja concebida como mutável e, portanto, com capacidade de reinventar suas práticas. Para que a educação das pessoas com deficiência ocorra no ensino comum, há muitas mudanças necessárias relativas ao currículo, à avaliação e à flexibilização do ensino. Temos, portanto, dois elementos centrais: o espaço da escolarização e as mudanças que viabilizem a ocupação desse espaço. Atualmente, temos muitas experiências documentadas que mostram a viabilidade e os efeitos tendencialmente positivos desse tipo de opção pedagógica, tanto no contexto brasileiro quanto no cenário internacional. Os benefícios são muitos, pois tende-se a oferecer novas perspectivas de aprendizado e de vida cotidiana para sujeitos que antigamente eram afastados das escolas regulares. Os alunos aprendem que as limitações são de ordem variada e que uma pessoa com deficiência não possui apenas limitações, mas também dispõe de recursos. A escola, ao buscar alternativas para a escolarização dos alunos com deficiência, acaba favorecendo também outros que viviam condições de marginalização dentro das salas de aula.
EC – Os professores estão preparados para dar conta da inclusão de alunos especiais?
Baptista – Esse é um aspecto muito importante de ser considerado. Tenho insistido muito junto àqueles que podem favorecer essas mudanças para que nossa base legal se altere no sentido de valorizar essa capacitação. Vivemos um paradoxo, pois a lei brasileira, desde 2009, dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino comum, com apoio especializado complementar, para os alunos com deficiência. Essa diretriz é clara quando analisamos os dispositivos aprovados pelo Conselho Federal de Educação, como a Resolução nº 4 de 2009. No entanto, ainda não temos uma lei que assegure que todos os cursos de formação de professores incluam obrigatoriamente ao menos uma disciplina associada à inclusão escolar e à educação especial. Espera-se que a temática possa ser contemplada em diferentes disciplinas, o que nem sempre ocorre. Felizmente, há instituições que acolheram essa importante necessidade, como fez a Ufrgs, aprovando resoluções internas que asseguram esse espaço na formação dos futuros professores. Na Ufrgs existe uma resolução do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe), de 2004, implementada em 2009, que institui uma disciplina obrigatória nos cursos de licenciatura. Considero que esse debate não pode ficar restrito à formação inicial e deve ser amplamente aprofundado na formação continuada dos professores, ou seja, implica fortemente os gestores que têm responsabilidade com relação a esse movimento de atualização de seus quadros. Trata-se, portanto, de uma questão que não se limita às instituições formadoras. Os sistemas de ensino devem prever que haja espaços de formação sobre o tema, auxiliando os docentes no sentido de aproximar os desafios encontrados em sala de aula de buscas de respostas em espaços de assessoria e de formação.
EC – Que critérios definem as deficiências passíveis de inclusão no ensino comum?
Baptista – Todos podem ser incluídos, mas é possível que para um grupo muito reduzido de alunos haja necessidade de aproximação processual. Nego-me a participar de um debate sobre os critérios de seleção para a inclusão. Não acredito que a possibilidade de inclusão esteja condicionada à gravidade do comprometimento do sujeito, embora reconheça que essa tenha sido a direção predominante do debate sobre o tema. Há uma intensa necessidade de reconhecermos que a limitação do outro nos compromete, nos implica necessariamente. As dificuldades de um aluno surdo que usa língua de sinais não estão associadas apenas ao aluno, mas envolvem também a nossa incapacidade de nos comunicarmos com ele. A alteração no contexto, com a inserção de dinâmicas que permitam as trocas e a aprendizagem recíproca, tende a alterar a condição de ‘gravidade’ da situação. O mesmo raciocínio vale para um aluno com autismo. Suas dificuldades serão intensificadas em um ambiente que desconhece suas características, mas essas limitações podem ser reduzidas diante de alguns cuidados como a identificação de suas formas de se comunicar e com o respeito à sua sensibilidade a alterações no ambiente. Esse debate se associa a um movimento da educação especial no sentido de redefinir o próprio conceito de “deficiência” que passa e ser compreendido como um processo dinâmico que envolve sujeito e contexto, em contínua alteração, e não mais é compreendido como uma incapacidade intrínseca àquela pessoa. Essa diretriz é fortemente defendida pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência promovida pela ONU, em 2006, e que resultou em uma Declaração que passa a ser incorporada à legislação de muitos países, como o Brasil, em 2009 por meio do Decreto nº 6949.
“A inclusão escolar é uma perspectiva pedagógica que pode ser compreendida como uma ampliação da escolarização obrigatória para todas as crianças”
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Baptista – Os desafios ainda são muitos. O primeiro deles é assegurar o acesso amplo aos espaços de ensino comum. Temos avançado na oferta de apoio, com grande difusão das salas de recursos como dispositivo pedagógico para a ação da educação especial na escola. Porém, é preciso muito trabalho para que tais salas não se transformem apenas em locais de atendimento exclusivo ao aluno com deficiência, pois sua riqueza está na ação dirigida às turmas do ensino comum e ao apoio ao professor de área curricular para que este docente reflita sobre os processos de ensino e de aprendizagem em coletivos compostos por alunos com perfis diferenciados. No que diz respeito ao currículo, temos muito a avançar no modo como são organizadas nossas escolas e nossas salas de aula. A maioria dos alunos que eu conheço necessita de uma escola que considere suas características, seu conhecimento prévio sobre os argumentos ensinados, sua necessidade de ser respeitado como todos os aprendizes, ou seja, como pessoas que aprendem em modo absolutamente singular e individual. Em uma sala de aula, mesmo em uma aula expositiva, cada aluno tem uma experiência de aprendizagem diferente ao ouvir o professor. Quando pensamos em uma sala de aula com muitas atividades que acontecem concomitantemente, mantida uma articulação entre elas por meio de um projeto global, conseguimos imaginar ações que estão em relação entre si, mas não são necessariamente as mesmas. A ideia de um grupo de alunos trabalhando contemporaneamente a partir das mesmas tarefas é uma invenção da escola que conhecemos, mas pode ser alterada. O grande desafio é que esse processo não tem nada de linear: não podemos prever quais passos devem ser dados previamente. Temos que mudar tudo ao mesmo tempo, pois cada mudança impulsiona as demais. Alguém conseguiria acreditar que uma escola poderia se preparar para a inclusão sem ter alunos com deficiência nela matriculados?
EC – Por que as escolas, especialmente as privadas, resistem em abraçar a inclusão em seus projetos pedagógicos?
Baptista – As instituições escolares têm responsabilidades que variam de acordo com os diferentes momentos da história. Nem sempre foi um pressuposto compartilhado que as meninas devem ter as mesmas oportunidades escolares que os meninos. Nessa mesma direção, é fácil imaginar a dimensão das resistências à presença das crianças negras na escola, quando se passou a defender que teriam os mesmos direitos que as crianças brancas em termos de acesso à educação formal. A responsabilidade da escola é garantir a escolarização, oferecendo oportunidades para que todos, incluindo as pessoas com deficiência, aprendam e tenham acesso ao conhecimento sistematizado. Jamais poderíamos pensar que esse processo depende apenas do esforço do professor. Trata-se de um desafio institucional, e devem estar presentes apoios a todos os envolvidos, inclusive aos docentes. Nesse caso, os apoios são os espaços de discussão coletiva, assessoria qualificada para o acompanhamento do trabalho, espaços de formação continuada, para citar alguns. Quando existe um debate sobre o projeto pedagógico institucional e são acionados dispositivos de apoios para os envolvidos, há grande probabilidade que sejam reduzidas as resistências, porque a escola percebe que a inclusão pode ser uma oportunidade para enfrentar desafios que não são restritos às pessoas com deficiência.
EC – Qual o papel das redes municipais?
Baptista – O protagonismo das redes municipais associa-se ao fato de que essas redes públicas são aquelas que têm maior responsabilidade na oferta da educação infantil e no ensino fundamental, de acordo com nossa legislação educacional. O ensino médio público tende a ser responsabilidade das redes estaduais. Quando analisamos a inclusão escolar, percebemos que as etapas iniciais de escolarização são ainda aquelas de maior acesso por parte dos alunos com deficiência, com destaque para o ensino fundamental. Outra possível explicação para esse protagonismo vincula-se a um fenômeno já destacado quando me referia à gestão de programas ministeriais. Muitos desses programas, ao longo da primeira década deste século, colocaram em relação direta o Ministério da Educação e os gestores locais, no debate sobre organização e gestão da inclusão escolar, assim como no que se refere ao compromisso de uma rede de formação por meio de municípios polo. No RS, esses municípios eram 14 e tinham responsabilidades com a formação de gestores e de professores de um grupo de outros municípios menores. Na Ufrgs, estivemos em contato com esses municípios polo, envolvendo os gestores em atividades de formação em 2010 e em 2015.
EC – Como o senhor avalia a inclusão na rede privada?
Baptista – Considero que temos feito avanços, alguns desses avanços estão associados à história de escolas privadas que se mostraram abertas à temática e implementaram inciativas de apoio. No entanto, a maioria delas ainda tem uma postura de grande seletividade. Porém, a educação, como se sabe, não é um serviço como qualquer outro, é um serviço público, uma concessão de iniciativa que deve ser regulada pelo poder estatal e, por isso, tais escolas devem seguir a normativa válida para a educação em sentido amplo. No RS, temos importantes iniciativas do Ministério Público por meio da Promotoria de Justiça Regional de Educação, em Porto Alegre, no sentido de exigir que as escolas privadas ofereçam o atendimento educacional especializado e assegurem as matrículas dos alunos com deficiência. Essa iniciativa é recente, envolve o acompanhamento e tem contado com a parceria da Ufrgs no sentido de discutir as alternativas de formação para docentes especializados e para os demais professores. Embora, no início, seja possível que as mudanças sejam vividas como uma adequação legal, penso que esse debate poderá ser ampliado para que as escolas percebam que a presença de um profissional especializado em educação especial passe a ser um elemento de riqueza institucional, no sentido de mais recursos para enfrentar dificuldades que podem envolver outros alunos, além daqueles com deficiência.
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“A responsabilidade da escola é garantir a escolarização, oferecendo oportunidades para que todos, incluindo as pessoas com deficiência, aprendam e tenham acesso ao conhecimento sistematizado. Jamais poderíamos pensar que esse processo depende apenas do esforço do professor”
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As questões a seguir foram suprimidas da edição impressa por questões de espaço:
Extra Classe – As diretrizes da LDBEN e Resoluções do Conselho Nacional de Educação para a escolarização de alunos com necessidades especiais proporcionam a inclusão?
Claudio Roberto Baptista – Após 2009, a legislação brasileira é enfática no sentido de garantir a inclusão escolar como a diretriz para dar viabilidade aos processos de escolarização das pessoas com deficiência. Se identificamos alguma variabilidade nos dispositivos legais, é preciso considerar o momento histórico e a abrangência legal de cada dispositivo que regula o universo jurídico. A LDBEN é de 1996, um momento no qual havia o entendimento que a inclusão deveria envolver os alunos que “pudessem” ser incluídos. Essa compreensão mostra-se hoje ultrapassada, tanto do ponto de vista acadêmico e pedagógico quanto daquele jurídico. Após os anos 2000, houve um conjunto de iniciativas em termos de programas ministeriais para favorecer a política de inclusão plena. No que se refere ao plano legal, também houve grandes mudanças. Considero que os dois dispositivos mais importantes para evidenciar essas mudanças são a Resolução nº 04/2009 do CNE e o Decreto nº 6949/2009. Esse último tem status de emenda constitucional e apresenta um teor inequívoco no sentido de afirmar que o lugar dos alunos com deficiência é o ensino comum. Esse posicionamento é o mesmo expresso, por unanimidade, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, em 2016, quando negaram a possibilidade de as escolas privadas cobrarem adicionais das famílias de crianças com deficiência. Se analisarmos o parecer do relator – ministro Edson Fachin –, que é um documento público, veremos que não há mais contradições no plano jurídico no sentido de reafirmar a inclusão escolar, pois as possíveis dúvidas anunciadas pela LDBEN devem ser analisadas, considerando o que diz a Constituição Federal e suas atualizações. O texto desse parecer diz: “… o ensino inclusivo em todos os níveis da educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico. Ao contrário, é imperativo que se põe mediante regra explícita. Mais do que isso, dispositivos de status constitucional estabelecem a meta de inclusão plena, ao mesmo tempo em que se veda a exclusão das pessoas com deficiência do sistema educacional geral sob o pretexto de sua deficiência” (ADI 5357, Supremo Tribunal Federal, 09/06/2016).
EC – Como a formação de professores da Ufrgs para a inclusão incide sobre essas questões?
Baptista – O Programa de Pós-Graduação em Educação tem uma Linha de Pesquisa relacionada à educação especial desde os anos 1990. O título da linha é Educação Especial e Processos Inclusivos. Esse tem sido um espaço de formação e de pesquisa, pois nosso objetivo é formar mestres e doutores nessa área, além de realizar pesquisas sobre temáticas como políticas de inclusão escolar, medicalização da infância, formação de professores, alternativas de atendimento educacional especializado, currículo e educação especial. Nossa linha tem sido também um espaço de articulação com a educação básica, pois vários dos projetos têm se ocupado de formação de professores que se encontram nas escolas de educação infantil e de ensino fundamental. Uma experiência que considero de extrema relevância é nosso envolvimento no Programa Observatório da Educação, que entre 2013 e 2017 permitiu que professores de escolas públicas estivessem vinculados ao grupo de investigação, recebendo um bolsa de pesquisa, com o compromisso de realizar um projeto de inovação em sua escola de referência. Alguns docentes propuseram ações diretas com os alunos, como laboratório de artes. Um grande grupo se ocupou de formação de seus colegas, instituindo espaços de apoio nas escolas. Infelizmente, com o atual cenário político, não temos previsão de novos editais para esse programa. Outra dimensão do trabalho de pesquisa que faço questão de destacar é nosso círculo de parceiros institucionais, pois por meio do trabalho compartilhado aprendemos a olhar nosso cotidiano com base em elementos de comparação. No contexto brasileiro nossas parcerias principais são dois grupos da Universidade Federal do Espírito Santo e da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo. Com relação aos parceiros internacionais, nossos contatos prioritários são com a Itália – Universidade de Bologna, Cagliari e Roma “Foro Italico”. Temos trazido colegas dessas instituições para compor espaços de debate e de formação, e vários de nossos pesquisadores têm ido até o contexto italiano para conhecer a realidade de um país que instituiu a inclusão como política de Estado há mais de 30 anos, com o fechamento de classes e de escolas especiais.
EC – O senhor afirma que o ensino fundamental é o espaço escolar em que a escolarização inclusiva é mais evidente. Em que nível as dificuldades para a inclusão são maiores?
Baptista – A ênfase no ensino fundamental (dos 6 aos 14 anos) deve ser compreendida como decorrência de um processo histórico que ainda não conferiu a devida atenção às outras etapas da educação básica. As dificuldades na escolarização na educação infantil e no ensino médio não dizem respeito apenas às pessoas com deficiência, pois são mais abrangentes. A educação infantil, apesar de obrigatória a partir de quatro anos, deve ainda superar suas precariedades associadas à pequena oferta de vagas, assim com o predomínio de uma perspectiva filantrópica e assistencialista. Precisamos investir e qualificar a educação infantil em sentido amplo, pois muitas instituições que se apresentam como escolas infantis efetivamente não merecem essa designação. Nesse sentido, a discussão sobre os apoios oferecidos às crianças pequenas que apresentam deficiência é ainda uma lacuna da política e dos estudos acadêmicos. Nosso grupo produziu recentemente um estudo na forma de tese de doutorado, defendida em 2016 por Melina Benincasa Meirelles, que analisa em paralelo esses serviços em dois contextos municipais – Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e Bologna, na Itália. É fundamental que essas alternativas de apoio em momento inicial da escolarização sejam discutidas e instituídas. Quanto ao ensino médio, o desafio não é menor. A presença limitada dos alunos com deficiência deve ser analisada considerando a maior seletividade dessa etapa, além de suas características em termos de organização curricular. O debate contemporâneo que tende a propor trajetórias distintas – acadêmicas ou profissionalizantes – não auxilia na construção de uma perspectiva inclusiva nessa etapa escolar.