Pesquisa da OCDE para medir primeira infância não é unanimidade no Brasil
Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil/ Arquivo
Com a expectativa de dar seus primeiros passos no Brasil a partir março, pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que objetiva medir o desenvolvimento integral da chamada primeira infância – a que abrange crianças até 6 anos de idade – gera controvérsia entre educadores.
Se de um lado há os que comemoram um indicador que até o momento praticamente não existia, de outro, as reações são de ceticismo e questionamentos a um processo que joga peso nas costas de um sistema escolar inserido em sociedades desiguais.
Vanessa Trombini, diretora da Associação das Escolas Privadas de Educação Infantil do Rio Grande do Sul (Aepeirs), diz que uma das pautas constantes do setor é mostrar o quanto que a educação infantil precisa ser vista.
É nesse sentido que ela celebra. “Ter uma ferramenta para fazer mensuração, a gente tem que ver como fundamental”, registra.
Já para integrantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Campanha), além de uma pressão indevida sobre crianças em uma fase crítica, há outro ponto a considerar: “o potencial para a criação de uma cultura de competição precoce entre países e sistemas educacionais que não podem ser tão rasamente comparados”, nas palavras de sua coordenadora, Andressa Pellanda.
Andressa lembra que o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), iniciativa também da OCDE que inspira agora a sondagem na primeira infância, já é alvo de críticas por isto.
Foto: Acervo Pessoal
Visibilidade do setor
A dirigente da Aepeirs, Vanessa, tem por princípio de que a educação infantil é a base para as demais séries. Algo que, em sua ótica, a pandemia jogou um holofote em cima.
“Quando a criança vem sem uma boa base e depois nós queremos corrigir isso lá no fundamental, lá no ensino médio, fica impossível”, explica.
Assim, para ela, a iniciativa da OCDE conseguiria demonstrar se uma criança sai de um processo de educação com um aprendizado de qualidade ou não.
“O que nós fazemos hoje é tentar ficar dizendo por que aquela criança não conseguiu se alfabetizar. E a gente sabe que não é a educação, o primeiro ano, que alfabetiza. A gente sabe que é uma base anterior que aquela criança teve, que faz com que ela esteja preparada para conseguir se alfabetizar na idade certa”, pondera.
Destacando “o quão valioso é um bom trabalho nessa fase (primeira infância)”, Vanessa lembra que até os seis anos de idade o cérebro de uma criança passa por transformações significativas que afetam o funcionamento cognitivo e emocional e que o pico estaria até os três anos.
“E a gente tem a escolarização como obrigatoriedade a partir dos quatro anos. Ou seja, dois terços nós já perdemos, né?”, lamenta.
Ao concluir, a dirigente ressalta que a qualidade de uma educação infantil irá refletir totalmente na escolarização futura de uma criança, nos resultados dela, na sua formação como cidadã e até em questões preventivas a uma eventual evasão.
Ambiente de estresse
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
É exatamente por trabalhar com uma população literalmente nos seus primeiros anos de vida que a coordenadora da Campanha, Andressa, começa sua crítica à iniciativa da OCDE.
Para ela que fez doutorado na área de relações internacionais, estudando justamente organismos internacionais que atuam na educação, “a aplicação de uma pesquisa desse tipo pode gerar pressão indevida sobre crianças muito pequenas, potencialmente prejudicando seu desenvolvimento emocional, psicológico e inclusive travando processos de aprendizagens múltiplas”, afirma.
Conforme Andressa, a primeira infância é um período sensível e a introdução precoce de avaliações rigorosas poderia criar um ambiente de estresse desnecessário, ocasionando impactos “muito negativos na aprendizagem”, completa.
Seguindo a lógica, também, de que a primeira infância é uma fase de rápido desenvolvimento, Andressa pontua que “as crianças têm ritmos diferentes de aprendizado e crescimento”.
No entendimento da coordenadora da Campanha, assim, a aplicação de uma pesquisa padronizada não leva em conta essas variações individuais.
“Não fornece uma imagem precisa das habilidades e necessidades de cada criança. Em vez de adotar uma abordagem de avaliação padronizada na primeira infância, seria mais benéfico investir em métodos de avaliação mais holísticos e centrados nas políticas públicas, que considerem uma série de elementos causais para falhas em endereçar a garantia desse direito. Isso permitiria uma compreensão mais profunda das necessidades das crianças e promoveria um ambiente educacional mais saudável e equitativo”, propõe Andressa.
Brincar e aprender
“A educação infantil é a fase mais importante e fundamental da aprendizagem das crianças e isso envolve todo um processo lúdico, o brincar é o aprendizado”, alerta a diretora do Sinpro/RS, Margot Andras.
Os jogos e brincadeiras, avalia, funcionam melhor que quaisquer outros métodos, pois dão conta de treinar as habilidades motoras e psíquicas, formar o alicerce para o posterior letramento da criança, explica.
“Por isso, quem atua com educação infantil, na sua maioria, desaconselha um letramento antes dos 6 anos de idade, o que só atende os interesses mercantilistas da educação”, repara a dirigente. “Aliás, o primeiro ano do ensino fundamental deveria ser de pré-escola e não de alfabetização”, contrapõe.
Para Margot, “não há como medir a habilidade motora e a criatividade de uma criança nessa idade com uma provinha de linguagem e matemática”.
A pesquisa da OCDE
Nomeada IELS (International Early Learning and Child Well-being Study – Estudo internacional sobre aprendizagem precoce e bem-estar infantil) a pesquisa da OCDE analisará ainda outros sete países (Azerbaijão, Bélgica, Emirados Árabes, Holanda, Inglaterra, Malta e Suíça).
Em 2018, o IELS foi realizado nos Estados Unidos, Estônia e Inglaterra.
Entre os resultados, aparece a conclusão de que uma criança da primeira infância em situação de pobreza pode ter um atraso de até 12 meses no desenvolvimento diante outra com melhor situação econômica.
No Brasil, a sondagem será realizada em municípios de um estado do Sudeste, um do Norte e um no Nordeste.
Serão aplicados testes de Linguagens e Matemática e coleta de informações de pais e professores.
A ideia é que até 2025 cerca de 4 mil crianças e 280 escolas infantis sejam analisadas.