Bolsonaro escolhe candidato derrotado para reitor e gera crise na Ufrgs
Foto: DCE/Reprodução/Facebook
O decreto presidencial datado da última terça-feira, 15, caiu como uma bomba no noticiário gaúcho e nas redes sociais na manhã desta quarta-feira, em que presidente Jair Bolsonaro nomeou o terceiro e último colocado nas eleições, o professor Carlos André Bulhões Mendes como reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). O decreto é subscrito pelo ministro da Educação Milton Ribeiro. Protestos já estão marcados para esta quinta-feira, 17, em frente à reitoria.
Tradicionalmente o Presidente da República conduz ao cargo o mais votado de uma listra tríplice, que foi Rui Oppermann, que já exercia o cargo. Ainda não se sabe se o Bulhões aceitará assumir, visto que recentemente ele próprio afirmou que o governo deveria nomear o primeiro nome na lista.
A chapa de Bulhões foi a menos votada tanto na consulta acadêmica promovida pela Ufrgs, quanto na eleição do Conselho Universitário (Consun), que definiu a lista tríplice encaminhada ao Ministério da Educação (MEC).
Eleição ocorreu em julho
A eleição para a sucessão na reitoria ocorreu em julho, em meio à pandemia e sem aulas, quando a atual gestão foi reeleita na votação on-line. O reitor, Rui Oppermann, e a vice-reitora, Jane Tutikian, venceram a consulta a professores, alunos e servidores. A eleição ocorreu logo depois governo federal tentou nomear reitores temporários nas federais.
O mandato é de 2020 a 2024. A votação teve 15.725 participantes, que, segundo a Ufrgs, foi mais que o dobro de votantes da Consulta de 2016, que computou 7,7 mil votos.
Este ano 2.605 professores, 1.828 de técnico-administrativos e 11.292 estudantes votaram. Há peso específico para cada categoria, com peso 0,7 para docentes, 0,15 para técnico-administrativos e 0,15 para alunos.
A Chapa 2, de Oppermann e Jane, alcançou 0,387688 de índice. Três chapas estavam na disputa. A Chapa 3, com Karla Maria Müller (reitora) e Claudia Wasserman (vice), ficou em segundo lugar, com índice de 0,251304. A Chapa 1 ficou na terceira posição (0,120896) e tinha como candidatos Carlos André Bulhões Mendes para reitor e Patrícia Helena Lucas Pranke para vice.
Adufrgs fala em desrespeito à democracia
Logo após reunião reunião realizada ao meio-dia desta quinta-feira, 17, para discutir o assunto, Lucio Vieira, presidente do Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande Do Sul (Adurfrgs Sindical) falou ao Extra Classe. “A posição da Adufrgs é de defesa da autonomia da Universidade. Portanto defendemos sempre que o nomeado deveria ser o primeiro da lista tríplice pois está foi a vontade da comunidade. A nomeação do professor Carlos Bulhões, que foi entre todos os concorrentes o que teve a menor votação afronta a democracia, pela sua ilegitimidade, embora esteja dentro da lei. No entanto não nos surpreende visto que a posição de governo tem sido a de desrespeitar a democracia e educação pública. A Ufrgs é uma referência de qualidade construída coletivamente e baseada na liberdade do pensamento. É estratégica para o desenvolvimento do país. Lamentamos que o governo aposte no desrespeito às instituições públicas”.
DCE realiza ato na quinta-feira
O DCE acusa o governo de intervenção e já marcou um ato público a quinta-feira, 17, às 13 horas em frente à Reitoria da Ufrgs.
“Nós já tínhamos um ato convocado para esta quinta-feira, justamente contra a intervenção e contra os cortes de verbas que o MEC anunciou recentemente”, informa Ana Paula Souza dos Santos, coordenadora geral do DCE.
A convocatória foi feita junto com a Associação de Pós-Graduandos (APG) e o Sindicato dos Técnico-administrativos da Universidade (Assufrgs). Também participou o Conselho de Entidades de Base (CEB) do DCE e o ato foi aprovado com quase 40 centros e diretórios acadêmicos, que também estão atuando na mobilização do movimento.
Legitimidade
“Na nossa opinião o professor Bulhões não possui nenhuma legitimidade para assumir a reitoria pelos próximos anos. Trata-se de uma medida que visa atacar a autonomia e democracia da Universidade”, resume Ana Paula.
O DCE entende, segundo sua coordenadora, que um reitor indicado pelo presidente Bolsonaro fará com que o projeto “de destruição que o governo tem para a educação” seja facilitado.
Ela relembra, que desde o início do mandato, o presidente e o MEC vêm promovendo “ataques às universidades”, com cortes e ameaças ideológicas. “A indicação do professor Bulhões fortalece e simboliza essa política de desmonte da educação”, analisa.
“Bulhões deveria recusar”
“No nosso entendimento o professor Bulhões deveria recusar sua própria nomeação. Há poucos dias divulgamos um vídeo em que, num debate oficial promovido pela Comissão de Consulta da Ufrgs e transmitido pela página da Universidade, o próprio Bulhões diz que seu desejo era de que o Governo fizesse a indicação do primeiro colocado da lista tríplice”, argumenta a líder estudantil.
Para a coordenadora geral do DCE, seria muito prejudicial à instituição que ele não cumprisse a própria palavra no que se refere a isso.
Decisão ideológica
“O presidente é declaradamente contra todas as ações afirmativas, contra a ciência, contra a pesquisa, que são pilares da Ufrgs. Então, não se trata amenas de uma nomeação, mas de um sinal claro de intervenção”, diz.
A estudante argumenta que “por trás e ao fim desse processo” há uma forte questão ideológica em que o presidente pretende impor “a sua ideologia” a partir da escolha de um reitor que não tem respaldo político na instituição, uma vez que foi derrotado em todos os espaços de consulta à comunidade acadêmica.
Ocupação da Reitoria
Nos bastidores fala-se em possibilidade de ocupação da reitoria, mas questionada sobre o assunto, a coordenadora do DCE afirma que não existe qualquer encaminhamento nesse sentido e que o tema não foi debatido, porém não descarta.
“Todas as possibilidades estão em aberto, pois ainda não debatemos quais estratégias adotaremos. Num primeiro momento e a partir da repercussão do ato de amanhã serão definidos os próximos passos”, conclui.
Decreto legislativo
A deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) protocolou na Câmara dos Deputados um projeto de decreto legislativo pedindo a suspensão da medida. No texto, a deputada gaúcha argumenta que o decreto presidencial fere o artigo 207 da Constituição Brasileira, onde diz que “as universidades têm autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Segundo a interpretação, a nomeação do terceiro colocado na eleição realizada pela Ufrgs. O deputado federal Rodrigo Maia (DEM/RJ), presidente da casa, recém diagnosticado com covid-19, é quem decidirá se a matéria entrará na pauta. Um decreto legislativo, se aprovado, pode derrubar um decreto presidencial.
Aceitou a nomeação
O Jornal Extra Classe buscou contato com o professor Carlos André Bulhões Mendes por telefone e e-mail, porém só obteve retorno no final da tarde. Sua assessoria informou que o reitor nomeado aceitou o cargo e assumirá suas funções até o dia 21 de setembro. Na tarde desta quinta-feira, 17, ele concederá uma entrevista coletiva para a imprensa de todo o país. (Nota de redator: atualizado às 18h10min)
Leia decreto de nomeação na íntegra
DECRETO DE 15 DE SETEMBRO DE 2020
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,caput, inciso XXV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 16,caput, inciso I, da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, resolve:
NOMEAR,
a partir de 21 de setembro de 2020, CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para exercer o cargo de Reitor da referida Universidade, com mandato de quatro anos.
Brasília, 15 de setembro de 2020; 199º da Independência e 132º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Milton Ribeiro