ECONOMIA

Governo recua de Reforma Tributária e mudanças ficam para 2021

Com as dificuldades políticas do governo, agravadas pela corrosão da base de apoio parlamentar, é possível que qualquer mudança na base da cobrança de impostos fique mesmo para 2021
por Flavio Ilha / Publicado em 7 de novembro de 2019
Audiência pública realizada pela Comissão Especial da Reforma Tributária no dia 8 de outubro

Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados

Audiência pública realizada pela Comissão Especial da Reforma Tributária no dia 8 de outubro

Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados

Nem bem foi premiado com uma mudança no sistema previdenciário que promete deixar os pobres mais pobres – e os ricos, claro, ainda mais ricos −, os brasileiros já se veem às voltas com uma nova reforma a lhes perturbar o sono, desta vez, que deve agravar ainda mais o fosso da desigualdade no país, um dos mais vergonhosos do mundo: a Reforma Tributária.

Mas, com as dificuldades políticas do governo, agravadas pela corrosão da base de apoio parlamentar, é possível que qualquer mudança na base da cobrança de impostos fique mesmo para 2021, já que nenhuma alteração tributária pode vigorar no mesmo ano em que for aprovada.

O impasse, dessa vez, é provocado pelo próprio governo, sinalizando prioridade para a Reforma Administrativa – que mexe com as carreiras do serviço público e promete danos ainda maiores à sociedade. O ministro da Economia, Paulo Guedes, montou um grupo para elaborar uma proposta alternativa às que já são analisadas na Câmara e no Senado, que unificaria todos os projetos e teria uma tramitação mista.

A ideia é retomar a pauta da Reforma Tributária em novembro. Ou seja, com pouco tempo para aprovar uma mudança mais profunda ainda este ano. A reforma, que mexe com os impostos pagos pelas empresas e pelas pessoas físicas, é considerada pelo governo como essencial para a retomada do crescimento econômico.

As especulações em torno da recriação de uma CPMF, com alíquota uniforme para consumidores e fornecedores de mercadorias ou serviços, como forma de substituir desde impostos sobre produtos industrializados até a contribuição para financiar o INSS e o Sistema S, por ora está descartada. A reação foi muito negativa. Mas o governo ainda sonha com uma alíquota de 0,4% sobre transações financeiras (cartões, cheques, saques etc), que abarcaria impostos importantes como IPI, Cofins e lucro líquido (CSLL).

O Imposto sobre Transações Financeiras (ITF), que está em estudo pela equipe econômica, substituiria toda a gama de taxas e cobranças diversas da União, incluindo encargos para a seguridade social, simplificando a máquina de arrecadação e dificultando a sonegação.

Caixa único impacta na securidade social

A coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, alerta para um problema comum das propostas de imposto único: o financiamento da seguridade social com a incorporação da Cofins e do PIS – que são contribuições – pela tributação única. “A criação de um imposto único extinguiria a Cofins e o PIS, que possuem vinculações constitucionais destinadas ao custeio da seguridade social pelo fato de serem contribuições. Na medida em que se transformam em imposto, altera-se a natureza do tributo e acaba a vinculação”, explica.

Fattorelli reforçou que os recursos recolhidos por um eventual IVA ou por uma CPMF irão todos para um caixa único, sendo destinados − se o governo quiser − ao pagamento de juros da dívida e não para o financiamento de programas de caráter social e distributivo.

Mas a avaliação do mercado é que não haverá clima para mudanças amplas ainda em 2019. O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Anfip), Charles Alcântara, é um dos principais críticos da pretensão da equipe econômica. Ele defende o que chama de Reforma Tributária Solidária (RTS), cujas oito premissas buscam basicamente tornar progressiva a tributação brasileira.

“Apesar da Constituição de 1988 prever um sistema progressivo de tributação, em que a capacidade contributiva de cada um deve ser considerada, a cobrança de impostos é, no Brasil, proporcionalmente mais elevada sobre os mais pobres. Isso se deve em razão dos impostos indiretos, sobre o consumo, que no Brasil representam mais de 51% da carga tributária bruta total. Nos países da OCDE, esse índice é inferior a 35%”, diz. “A proposta do governo aprofunda nossa distorção”.

A Anfip e outras entidades de auditores fiscais articulam que a proposta seja apresentada no Senado sob a forma de uma sugestão legislativa. “O Brasil é o paraíso fiscal dos ricos. Rico paga impostos muito aquém de sua capacidade contributiva. A carga tributária é muito forte no consumo. É isso que devemos corrigir”, defende Alcântara.

O Congresso, entretanto, tem outros planos. O deputado federal Aguinaldo Ribeiro (Progressistas/PB), relator da Comissão Especial da Câmara que analisa a Reforma Tributária, defende a criação de um tributo sobre valor agregado (o IVA) e afirma que o modelo de taxação por meio de transações financeiras “não existe no mundo”. Segundo o parlamentar, o projeto-base foi elaborado pelo economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), e protocolado pelo líder do MDB, deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

“A proposta do Baleia é a principal, a que eu vou relatar. É um texto que faz muito sentido do ponto de vista da simplificação tributária. Acho que não há outro caminho para nós que não seja um padrão tipo IVA, que não é novidade no mundo e tem sido bastante aperfeiçoado desde quando começou a ser implantado. O que a gente não tem é esse imposto único [sobre movimentação financeira], esse eu não conheço exemplo no mundo”, revelou.

A proposta, segundo o relator, unificaria três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS dos estados e o ISS municipal e seria cobrado no local de destino, ou seja, onde a mercadoria ou serviço é negociada. A expectativa é de iniciar os debates a partir da segunda quinzena de agosto, para aprovar a reforma até o final do ano − pelo princípio da anualidade, uma nova regra tributária só pode ser aplicada no ano seguinte à sua aprovação. Como se trata de uma proposta de emenda constitucional (PEC), são necessários 308 votos na Câmara e 53 no Senado, em duas votações, para que seja aprovada.

É a proposta mais forte com origem na Câmara, já que tem o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM/RJ). A questão é convencer os governadores a abrirem mão do ICMS, já que a arrecadação, pela proposta de Baleia, ficaria concentrada com a União, que repassaria a parte dos estados. Os governadores, inclusive, têm seu próprio projeto de reforma, elaborado pelo Comsefaz (Conselho dos Secretários de Fazenda) e que prevê um imposto único que não é único, mas dual, com a criação de um fundo para sanar desigualdades regionais (veja quadro).

O Senado, entretanto, trabalha com uma terceira hipótese. Apoiada por líderes dos partidos da base do governo, a proposta se baseia em texto do ex-deputado tucano Luiz Carlos Hauly, que extingue nada menos que nove impostos (IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, salário-educação, Cide, ICMS e ISS) para criar dois impostos: um sobre valor agregado, de competência estadual, e outro sobre determinados bens e serviços, a cargo da União.

Principais propostas em tramitação

Câmara

PEC do líder Baleia Rossi (MDB-SP), patrocinada por Rodrigo Maia.

Preparada pelo economista Bernardo Appy, acaba com três tributos federais − IPI, PIS e Cofins. Extingue o ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal. Todos eles incidem sobre o consumo. Ela cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), de competência de municípios, estados e União, além de um outro imposto, sobre bens e serviços específicos, esse de competência apenas federal.

Senado

Reforma do ex-deputado Luis Carlos Hauly preparada pela Câmara.

Extinção do IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e o ISS. No lugar deles seria criado um imposto sobre o valor agregado de competência estadual, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e um imposto sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), de competência federal.

 Equipe Paulo Guedes

Troca de até cinco tributos federais (PIS, Cofins, IPI, uma parte do IOF e talvez a CSLL) por uma única cobrança, o Imposto sobre Transações Financeiras. A proposta também vai acabar com a contribuição ao INSS que as empresas pagam atualmente sobre a folha de pagamentos. Em substituição, duas opções estão à mesa: a criação de um imposto sobre todos os meios de pagamento ou um aumento adicional na alíquota do imposto único.  Em outra frente, o governo prepara mudanças no IR de empresas e pessoas físicas.

 Instituto Brasil 200

Cria o Imposto Único que substitui todos os tributos, inclusive IPTU e IPVA. Poderão ser discutidas demandas setoriais como exportações e Zona Franca de Manaus. A alíquota prevista é de 2,5% sobre qualquer movimentação financeira de cota corrente para conta corrente. Se a pessoa transfere R$ 100 é tributada em R$ 2,50 e quem recebe é tributado também em R$2,50.

Estados

Preparada pelo Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz),  a proposta retira da União a gestão do tributo único criado com a reforma. Além disso, prevê que, caso o governo consiga emplacar um imposto unificado apenas federal, os estados encaminhem uma proposta alternativa ao Legislativo, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) Dual. A proposta prevê mecanismos de compensação de perdas e de redução de desequilíbrios regionais, com a criação de um fundo.

Anfip/Oposição

Estabelece isenção do Imposto de Renda para quem ganha até quatro salários mínimos (cerca de R$ 4 mil), reduzindo a tributação para quem ganha entre quatro e 15 mínimos, mantendo-a estável para quem ganha entre 15 a 40 salários mínimos e elevando-se apenas para quem ganha acima disso. Também taxa progressivamente produtos nocivos à saúde e estabelece parâmetros para taxar heranças e grandes fortunas, entre outras medidas.

 

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