CULTURA

Açorianos premia biografia de Jurema Finamour e destaca mulheres na literatura

O livro Jurema Finamour: a jornalista silenciada, de Christa Berger, foi premiado na Categoria Especial. Sete dos nove premiados são mulheres
Por Stela Pastore / Publicado em 5 de abril de 2024
Açorianos premia biografia de Jurema Finamour e destaca mulheres na literatura

Foto Marco Nedeff/ PMPA

Ao receber o prêmio pela biografia da jornalista Jurema Finamour, cuja trajetória sofreu apagamento histórico, Christa Berger destacou a importância de “não deixar esquecer”

Foto Marco Nedeff/ PMPA

As mulheres foram as grandes ganhadoras do Prêmio Açorianos de Literatura 2024, entregue na terça-feira, 2, no Teatro Renascença, em Porto Alegre. O destaque na Categoria Especial foi entregue para a jornalista, pesquisadora, biógrafa Christa Berger pela biografia Jurema Finamour: a jornalista silenciada.

A obra tira do ostracismo e apagamento a intelectual, jornalista, romancista, escritora, feminista que teve uma carreira marcante nas décadas de 1940, 1950 e 1960 e foi esquecida num contexto sexista da história e da intelectualidade marcada por registros masculinos.

Christa dedicou o prêmio a Jurema Finamour e se emocionou durante a cerimônia ao ver reconhecidas várias jovens mulheres na literatura. Dos nove segmentos premiados, sete são de autoras mulheres. Além de Christa Berger, foram premiadas em diferentes categorias Paula Schiavon, Claudia Sepé, Gabriela Leal, Ana Cardoso, Giulia Barão e o coletivo Dramaturgas.

Premiação à escrita de mulheres

“É um momento de glória, de vitória das mulheres tanto pela quantidade de mulheres que concorreram e ganharam o prêmio como por serem jovens. É muito significativo que são mulheres jovens com produção belíssima de literatura. Suas falas retratam esse ser mulher, de trazer suas questões íntimas, do sujeito feminino”, destacando a emoção na cerimônia neste contexto. Christa emocionou-se também por ter na plateia a neta Ana Clara, de 17 anos, uma jovem leitora que presenciou esse reconhecimento.

“Para mim é uma vitória de mulheres como a Jurema e como eu, de gerações bem anteriores, que tínhamos noção da importância de não deixar esquecer. Eu, no caso, não esquecer uma mulher como a Jurema, que apesar de ter lutado no seu tempo, não ter merecido registro na história”, referiu a autora que dedicou quatro anos à pesquisa para reconstituir a trajetória dessa mulher dentro e fora do país.

Em sua pesquisa, ela encontrou em jornais, revistas, livros e entrevistas a destacada trajetória e vasta produção intelectual com prefácios de Jorge Amado, Nélson Werneck Sodré, Raquel de Queiróz e tantos outros. Em muitos casos, suas produções autorais foram assinadas por homens.

Foi pioneira em viajar pelo mundo e produzir os primeiros livros-reportagem no Brasil sobre a União Soviética, a China, a Coreia e Cuba. Entre seus livros estão: Quatro Semanas na União Soviética, China Sem Migalhas, Coréia sem Paz, Vais Bem, Fidel?, A Mulher que Virou Bode, Contra toda a Expectativa Cuba Chega lá e Pablo e Dom Pablo.

Tirar do esquecimento

“Uma mulher com uma vida tão intensa e impressionante e eu não encontrava um registro sobre ela. Ou seja, as mulheres são silenciadas, apagadas, escondidas. Esse livro e esse prêmio tiram de certo modo a Jurema do silenciamento, do apagamento, do esquecimento e a tornam muito bem falada”, afirmou Christa.

“A depender do discurso da oficialidade, Jurema apareceria, então, apenas como secretária de Pablo Neruda, companheira de Letelba, cronista feminina, subversiva irresponsável e boa cozinheira”, pontua a escritora Lélia Almeida no prefácio do livro, que foi lançado no final de 2022.

“Coube ao feminismo contemporâneo, através do resgate, escuta e testemunho, a tarefa de trazer a público as vozes esquecidas das mulheres de outros tempos. Mostra uma história emudecida e silente, como são as histórias das grandes mulheres que constroem os momentos mais desafiadores das histórias de seus países e que sempre são ignoradas pelo cânone intelectual e literário masculino”, completa Lélia.

Resgate de uma injustiça

Açorianos premia biografia de Jurema Finamour e destaca mulheres na literatura

Imagem: Libretos/ Divulgação

“Esse livro e esse prêmio tiram de certo modo a Jurema do silenciamento, do apagamento, do esquecimento e a tornam muito bem falada”, afirmou Christa

Imagem: Libretos/ Divulgação

“Na Libretos, o livro chegou como uma verdadeira descoberta. Sabíamos que estávamos frente ao resgate de uma injustiça. Jurema faleceu em 1996 e precisava haver entre nós uma mulher forte a escrever sobre ela. E uma mulher na direção de uma editora”, registra a editora Clô Barcellos.

Ao ler um livro de Jurema Finamour – Vais bem, Fidel? – quando tinha 16 anos, em Ijuí, em 1966, Christa começou a prestar atenção naquela autora. E ao percorrer muitos anos no jornalismo e outros tantos anos em sua carreira na universidade, esse nome nunca apareceu. “Os cortes vêm dos homens e outros interesses que fazem esses apagamentos”, pontua Christa.

“Não tinha como o livro sobre Jurema, esta pepita rara e nada bruta, receber este reconhecimento. Um livro que reconstitui um lugar entre as náufragas no ‘mar remoto do feminino’, como diz Rosa Montero”, completa Clô Barcellos.

Cancelamento histórico

Por que Jurema Finamour teria sido esquecida e silenciada? O que apaga a história de uma escritora, repórter, engajada, inteligente, corajosa, próxima à elite intelectual brasileira do seu tempo? As possíveis causas de um cancelamento histórico de uma mulher presente e atuante na vanguarda do mercado editorial são colocadas nesta dedicada biografia.

“No Brasil, o silêncio ao livro Pablo e Dom Pablo (1975) – sobre Pablo Neruda – aos poucos se estendeu à sua obra, e, lentamente, também à jornalista. Ela seguiu morando na rua Nascimento e Silva, 115, casa A, onde foi encontrada desfalecida pelos vizinhos em janeiro de 1996”, relata um parágrafo da página 269 do livro, em um trecho que dá substantivos sinais do que ocorreu na narrativa. A crítica contundente da jornalista aos descalabros machistas do seu tempo elucida parte das questões.

Açorianos de Literatura 2024

Dramaturgia – Liberdade, do Coletivo As Dramaturgas, Editora Concha
Crônica – Wolfsegg, Rio Grande do Sul, de Luiz Maurício Azevedo, Editora Figura de Linguagem
Conto – Língua da medusa, Editora Zouk
Ensaio de Literatura e Humanidades – Um itinerário íntimo pela psicanálise lacaniana, de Luciano Mattuella, Editora Zouk
Especial – Jurema Finamour: a jornalista silenciada, de Christa Berger, Editora Libretos
Narrativa Longa – A mulher que atravessa a ponte, de Editora Zouk
Poesia – As montanhas seguem lá, da Editora Urutau
Livro do Ano – Liberdade, do Coletivo As Dramaturgas, Editora Concha
Homenagens especiais: Rafael Guimaraens, Maria Eunice Moreira, José Hildebrando Dacanal, Zaffari, Luiz Coronel, Luciano Alabarse e Arthur de Faria.

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