CULTURA

Nei Lisboa revisita suas estrelas, lendas e poesias

O icônico disco 'Pra viajar no cosmos não precisa gasolina' ganhará relançamento em vinil em breve e terá show de aniversário de 40 anos em outubro  
Por César Fraga / Publicado em 20 de julho de 2023

Nei Lisboa revisita suas estrelas, lendas e poesias

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Numa tarde não muito gelada de inverno, ensolarada, sob as árvores, na calçada em frente ao café que gosta de frequentar, nas proximidades do Bom Fim, tradicional bairro boêmio de Porto Alegre, o músico, escritor, cronista e compositor Nei Tejera Lisboa, também conhecido por Nei Lisboa, conversou com o Extra Classe sobre uma infinidade de assuntos. Política, internet, cultura do cancelamento, novas e velhas lutas da juventude num mundo sob ameaça ultraconservadora da extrema direita.

Entre um café passado e outro, falou sobre o atual momento de sua vida artística, em que revisita em show seus principais discos em uma série de espetáculos de aniversário.

Trata-se da série de shows intitulada Três, que festeja os 10 anos de A vida Inteira (2013), os 20 anos de Relógios de sol (2003), os 30 anos de Amém (1993) e os 40 anos de Pra viajar no cosmos não precisa gasolina (1983).

Ele também adiantou o lançamento de dois desses álbuns em vinil, sendo um deles, o icônico para Viajar no Cosmos não precisa Gasolina, com show comemorativo em outubro deste ano.

Mas por agora, enquanto outubro não vem, nos dias 21 e 22 de julho (sexta e sábado), Nei realizará o segundo espetáculo da série Três, quando assoprará as velinhas para os álbuns Relógios de sol e Amém, que terão seus repertórios mesclados e apresentados na íntegra, com Nei (violão e voz),  acompanhado por Paulinho Supekovia (guitarra/vocais), Luiz Mauro Filho (teclados/vocais) e Giovanni Berti (percuteria/vocais).

Os ingressos estão à venda no site Sympla, com preços promocionais e sem cobrança de taxa de serviço.  Os shows têm apoio cultural da TVE e FM Cultura 107. A discografia completa em formato digital está nas plataformas digitais e no site oficial do artista.

Extra Classe – Como é fazer música e produzir arte neste universo de plataformas e virtualidade? No que isso interfere, tanto em termos de criação, quanto de fazer chegar no público o que já existe?
Nei Lisboa –
Eu sou muito rançoso com o mundo digital. No entanto, como todo mundo, necessito dele, vivo nele, usufruo, etc. Além disso, somos alegremente cooptados e sequestrados por e para esse mundo.

EC – Tipo?
Nei –
Facilidades que muito flagrantemente nos transportam de uma era mecânica para o digital, acelera determinados processos e facilita demais a vida. Não sou também nenhum entusiasta da máquina de escrever. Mas vou dar um exemplo cotidiano que me deixa enfurecido. Hoje em dia, em todos os serviços da internet, a gente tem de lidar com suporte técnico. E, na maior parte das vezes, não tem jeito de conseguir um contato ao vivo com outro ser humano. Às vezes nem por chat. O que resta é abrir um chamado, em que te dão 24 horas para retornar por e-mail. E o que é isso na prática? O capitalismo mais selvagem possível, que simplesmente elimina qualquer possibilidade de uma reclamação de algo que, muitas vezes, é urgente.

EC – Isso tem a ver com que serviço especificamente?
Nei –
Eu estava aqui pensando num caso de uns dias atrás, que diz respeito a uma tiqueteira (empresa de venda de ingressos on-line). Embora não fosse o caso, poderia ser uma questão de emergência. Sem nenhuma explicação, todo valor da bilheteria de um espetáculo foi sequestrado. Sumiu. E isso se deu por uma questão interna da empresa, lá com os algoritmos deles. E aí, reclama para quem? Pro bispo? Pro Procon? E a coisa leva dias pra se resolver, porque não tem um número de telefone pra ligar e conversar com alguém. Mas, enfim, este é só um exemplo pequeno do cotidiano. Mas ilustra como o humano fica limitado e o quanto brutaliza as relações e te deixa à mercê das ferramentas digitais. Ou seja, tu te fode mesmo.

EC – E a tua relação com as plataformas de distribuição de música como é?
Nei
– É uma coisa que cria um distanciamento com o artista, que qualquer coisa que se tenha a dizer nunca será ouvida. A pessoa passa a se relacionar com máquina, com botão, com uma linguagem em inglês, que te transporta de alguma forma da tua cultura para um outro universo linguístico. Ou seja, culturalmente a gente também é raptado.

EC – E como se dá a sobrevivência do artista nestes tempos? Como é o ganha-pão do músico? Como está a remuneração das plataformas?
Nei –
A remuneração das execuções em plataforma é mínima, muito pequena se comparada à quantidade de execuções. Diria até ínfima. Só em uma escala de enorme execução para ter um retorno satisfatório. Eu não tenho uma execução muito massiva e, por óbvio, esses valores se somam com outras fontes de renda, principalmente os shows. Por outro lado, tenho um repertório bastante grande. Com isso, algumas músicas têm uma boa execução. Então, parte do meu sustento vem do direito autoral das plataformas, dos shows, de pessoas que gravam minhas músicas, execução em rádio (ainda).

Nei Lisboa revisita suas estrelas, lendas e poesias

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Novidades em disco

EC – Tem disco novo pela frente? Aliás, ainda dá pra chamar de disco?
Nei –
Ainda chamo de disco, mas disco novo mesmo (inédito) não tem. O que tem é uma série de shows de aniversário e um lançamento em vinil de um dos discos, o álbum de 2015, gravado ao vivo, que é o Telas, Tramas e Trapaças.  Também, está em processo o relançamento em vinil do Pra viajar no Cosmos não precisa Gasolina, que foi meu primeiro disco, e completa 40 anos. Que de todos os relançamentos é o mais marcante e significativo. Esse deve sair de uma associação do Getúlio (da Toca do Disco), da Bruna Pauli e da Gravadora Acit, que foi por onde ele saiu originalmente. Estão tentando que ele saia ainda este ano. Só que o vinil demora. Pode ser que fique para o ano que vem. Mas a ideia é que seja em outubro, que é quando vai acontecer o show.

EC – Que show, o dos 40 anos do Pra viajar no cosmos? Agora conta tudo!
EC –
Vou te dizer em primeira mão – apesar da Dedé Ribeiro e o Augusto Licks terem me pedido segredo. Mas como eu sou muito boca grande, então vai. Vai acontecer no Teatro do CHC (Teatro da Santa Casa), na metade de outubro.

EC – E vai caber tanta gente que quer ver o repertório deste disco?
Nei –
Acho que vai ser pequeno. Vai ter de ter data extra. Tomara!

EC – E inéditas, nada?
Nei –
As mais recentes são de 2021, ali pelo final da pandemia, quando lancei um EP.

Nei Lisboa revisita suas estrelas, lendas e poesias

Foto: Reprodução

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O Nei empresário de si mesmo

EC – E quem cuida da carreira do Nei Lisboa?
Nei –
Pois então. Eu estou me autoproduzindo. É a primeira vez desde os anos 1980. E já tem uns seis ou sete anos que estou me empresariando. É uma burocracia, uma chatice, mas eu gosto disso.

EC – Isso também dá uma enxugada nos teus custos, né?
Nei –
Sim, tem isso, somado ao custo de reclamar do produtor. Eu não me queixo nunca dele nem ele de mim (risos).

EC – E acontece contigo de procrastinar menos as coisas sendo tu o teu próprio chefe e quem organiza a agenda, ou é o oposto?
Nei –
De certa forma, as coisas tendem a sair melhor, porque tenho um controle e uma visualização do todo, aí fica melhor para dimensionar e resolver mais rápido as coisas, pelo simples fato de não ter um intermediário. Mas claro que é bem mais cansativo. E a atividade de composição é a que mais sofre, pois comigo tende a ficar de lado por conta disso. Tem uma incompatibilidade até com o espírito da coisa.

Nei Lisboa revisita suas estrelas, lendas e poesias

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Fazer poesia não é botar ovo

EC – “Fazer poesia não é botar ovo”, já disse certa pessoa, não é mesmo?
Nei –
Exatamente! (risos). Agendas, números, preocupação com todos detalhes técnicos de um show, mesmo tendo um tempo de sobra, não tem como, de supetão, trocar um chip na cabeça por um de compositor, sonhador ou poeta. É um pouco complicado.

EC – E neste processo de revisitar a obra, de fazer este inventário do repertório, o Nei de hoje esbarra com alguma canção do Nei de ontem que possa, na tua visão, ter envelhecido mal ou que hoje esbarraria em uma crítica das novas audiências?  O próprio Chico Buarque considera que algumas de suas composições são machistas e ele não as executa ou muda o texto. Como é a tua experiência com isso?
Nei –
Olha, eu já tinha umas questões do tipo com um par de músicas minhas desde os anos 1980. Mônica Tricomônica é de uma infelicidade tremenda. Ela faz uma brincadeira toda em torno de uma DST no auge do surgimento da Aids. Ainda nem se sabia direito do que se tratava a epidemia e eu estava lançando a música.  Foi de muito mau gosto da minha parte. Parei de tocar essa música por muitos e muitos anos. Até hoje, na verdade. Nunca entra no setlist, salvo quando alguém pede. Outra música é Faxineira. Primeiro, eu comecei a rançar com ela e fiquei muitos anos sem tocar. Essa, porém, acabei trocando a letra.  Agora toco uma versão em que a faxineira é empoderada.

EC – E como ficou a nova versão?
Nei –
Ela mudou também de ritmo, o final dela é um jazzinho e a letra ficou assim: (cantarolando) faxineira, fascinante, militante do direito trabalhista para a classe diarista ir avante, vamo à luta pra vencer, mas preciso dum apoio pra lidar com a bagunça do apê; faxineira companheira, tente ver pelo meu lado, eu sei o quanto teu mestrado toma tempo também, não tá fácil pra ninguém, mas minha casa é minha vida, ou encontro uma saída ou chego ao fim ou sim.

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Foto: Igor Sperotto

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Choque de culturas e de gerações

EC – A gente vê muita gente acima dos 50 anos muito resistente aos novos discursos e, muitas vezes, se posicionando de forma reativa e reacionária a determinadas pautas de costumes e identitárias propostas por setores da intelectualidade e encampadas pela juventude progressista. Como o Nei Lisboa, de 64 anos, vê este embate e como se coloca num contexto  em que a cultura do cancelamento e da lacração exige maior cuidado com o que se diz?
Nei –
Acho que aquilo que é orgânico – pra usar uma palavra que também está gasta pelo tempo –, aquilo que sempre foi realidade e hoje se ressalta, não há como alguém questionar. A luta identitária do povo negro, a luta das mulheres, a luta dos movimentos LGBT, não se espere que essas lutas venham agora em tons pastéis, em sabores adocicados e com flores nas mãos. A gente tem 500 anos de escravidão e outras opressões. Essa carga vem toda junta. Principalmente, com tudo que se brutalizou sobre o mundo LGBT, com tudo que as mulheres sofrearam ao longo dos séculos. Ainda mais que a gente vive um momento em que a reação e o contraponto da extrema direita e do supremacismo branco é muito forte. Sendo assim, o fato dessas pautas estarem na rua, na boca das pessoas, exigindo, brigando, cobrando, reivindicando seu espaço, tudo isso eu acho perfeitamente legítimo. E também acho que quem não pertence a esses grupos, mas tem um alinhamento ideológico à esquerda, também tem que enxergar que uma luta não se contrapõe à outra e que elas se somam. Aliás, ambos temos de nos dar conta disso, que as lutas identitárias e a luta de classes andam juntas e precisam se somar, pois fazem parte de uma mesma luta.

EC – Teu trabalho sempre teve um tanto de ironia, sarcasmo e um certo senso de humor. Existe uma resistência maior a essa linguagem e uma vigilância maior aos artistas por parte do público?
Nei –
Não sou nenhum intelectual ou pensador que entenda sobre o tema. Mas aí entra uma questão de sermos escravos de modismos. Não é um novo vocabulário que vai determinar as coisas. As coisas precisam ser construídas na rua, na verdade, na vida. A palavra é transformadora, sem dúvida nenhuma. Só acho que muitas vezes se cria um discurso da moda e que qualquer um facilmente põe na boca e que, muitas vezes, é mais limitador do que transformador.

Redes sociais e cancelamento

EC – E as redes sociais?
Nei –
Este mundo das redes sociais é muito difícil de lidar. Tudo é veloz, etéreo e nem sempre muito confiável. Qualquer um pode gritar e chamar o outro de machista e heteronormativo ou seja lá o que for. E no que de fato isso nos transforma? Ao fim e ao cabo, o velho bom senso analógico é quem nos serve melhor para olhar a vida. Teve o caso do humorista (Leo Lins) que fez uma piada machista e teve seu vídeo retirado das redes. Ele disse uma barbaridade, um absurdo, e não foi por nenhuma terminologia nova que ele foi enquadrado. Era caso de polícia mesmo.

EC – O artista precisa ter humildade pra reconhecer quando erra a mão? Como você vê a cultura do cancelamento?
Nei –
Eu passei por um, naquele episódio do Prêmio Trajetórias. Foi bem difícil e eu terminei escrevendo um segundo texto, porque foi a partir de uma postagem do meu blog que desencadeou a polêmica.

EC – A coisa toda tomou um rumo que te desagradou?
Nei –
Eu não posso me queixar demais, porque eu dei margem para que isso acontecesse e para que fosse interpretado como fui. E, para piorar, entraram no debate, depois que a grande imprensa amplificou a proporção do fato, pessoas com as quais eu discordo e me oponho. Gente que é contra as cotas usava meu texto para validar posições conservadoras de que discordo veementemente. Mas eu deixei na reta e paguei o preço.

EC – E hoje, o Nei pós-cancelamento, que admite que deixou na reta e deu margem para ser criticado, acha que é preciso ter mais cuidado e responsabilidade tanto com a linguagem, com o que se diz, tanto no processo de criação, quanto no cotidiano das redes sociais e meios de comunicação para justamente não deixar na reta?
Nei –
A pergunta que cabe é se a vigilância da linguagem é a forma de luta essencial ou se ela está deixando escapar outra forma de luta mais importante. Quem é o inimigo real? Eu posso me reescrever, me repensar naquilo que eu disse e foi o que eu fiz. Mas, num dado momento eu me senti ali, apedrejado por pessoas que estavam errando o alvo.

EC – Gente que está do mesmo lado, praticando fogo amigo?
Nei –
Sim, lá no meio eu via umas pedras que eram pra mim, ok, e outras enormes, que não eram minhas (risos). Tipo, opa tem uma pedra aqui que é grande demais, separa que essa acho que não é minha! (risos). Acho que 2013 ainda tem muita coisa a nos ensinar sobre como conduzir determinadas lutas.

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Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Foi uma descida ao inferno

EC – Um dos teus discos que está aniversariando agora foi parido na época das marchas de 2013, chamado A vida inteira, que desembocaria no Telas Tramas e Trapaças, que explora parte do mesmo repertório. Para além dos álbuns, que lições um artista tira de observações do país e da realidade à sua volta, uma vez que o teu trabalho é centrado na observação da sociedade, dessa Porto Alegre universal que tem telhados de Paris?
Nei –
Estamos fechando uma década de 2013 para cá, que foi uma descida ao inferno, e que quase a gente não conseguiu subir de volta. Foi por muito pouco. O que isso nos diz, em primeiro lugar, é que não terminou. O Bolsonaro mesmo está muito vivo politicamente, e ao lado dele todo o bolsonarismo. É todo um caldo de extrema direita com todos os adjetivos negativos que se possa juntar. São pessoas orgulhosas e sem nenhuma vergonha de todos os ismos, absurdos e burrices que pautaram o poder por quatro anos. E tudo isso está bem vivo e pode voltar a empossar com mais força, até porque permanece empossado institucionalmente de várias formas e níveis de poder. E, principalmente, vivo nas cabeças dessas pessoas. Esse reacionarismo faz parte do pensamento e do imaginário dos brasileiros. Isso mostra que esse processo vai continuar muito duro e por muito tempo. Por isso é importante olhar pra trás e olhar como se formou isso. Esse é um trabalho que um monte de gente está fazendo. Estudando, discutindo e historizando o que nos trouxe até aqui. Desde as velhas teorias conspiratórias, que se revelam verdadeiras, como envolvimento do departamento de estado dos EUA com juíz, essas coisas, até o papel das empresas de mídia, da Justiça que fez e desfez, enfim, muito material para a academia e teses intermináveis.

EC – E a literatura, largou de mão? Tem algum projeto literário pela frente?
Nei –
Nem no meu blog eu escrevo mais. A última coisa foi o É foch! – coletânea de crônicas publicadas no Extra Classe e na Zero Hora, em 2007. De vez em quando me chamam para alguma Feira do Livro, para ao mesmo tempo tocar na feira e levar os livros.

O Nei de 64 enxerga o Nei de 24 

EC – Como é que o Nei de 64 anos olha pro Nei de vinte poucos, de Pra viajar no Cosmos? Tem um intervalo de 40 anos aí.
Nei –
Em primeiro lugar, com muita saudade daquela carinha de guri. Por outro lado, tem coisas muito boas de estar mais velho e poder pensar: tá, já fiz, já cumpri e paguei minha dívida com a sociedade (risos).

EC – Falando em “já fiz”, tu e Nelson Coelho de Castro foram os primeiros artistas a fazer financiamentos coletivos analógicos (hoje conhecidos como crowdfunding, na era digital) para realização de discos de que se tem notícia em Porto Alegre, correto?
Nei –
Primeiro o Nelson, depois eu. Só o Nelson já é uma história à parte que tem todo um carisma, uma coisa impressionante. Muita gente se conectou ali. Uma geração bem jovem que se identificou com as coisas que ele trazia à tona num final de ditadura pós-repressão.

EC – E o repertório do “Pra Viajar no Cosmos?
Nei –
Uma coisa que eu confessei várias vezes este ano, que é o ano do aniversário do disco, que musicalmente o repertório do Pra Viajar, daquilo que me diz respeito exclusivamente, deixando de lado as parcerias com o Augusto Licks, que são todas bacanas e permanecem até hoje e que são justamente a faixa que dá nome ao disco, Não me pergunte a hora, Água Benta, Sinal Azul. As outras músicas, que são a maior parte do disco, eu nunca mais toquei nem coloquei num setlist, porque não são coisas que me envaideçam muito. Eu era um compositor ainda muito novo, muito tenro. Então, esse não é com certeza o disco que eu mais gosto. Mas, para muita gente é o disco inesquecível.

Disco favorito

EC – E qual é o favorito?
Nei –
O álbum que alcancei o melhor resultado é o Telas e tramas. Primeiro porque é ao vivo e ao vivo eu me dou muito melhor do que em estúdio. E era um bandaço e ali eu tive a oportunidade de refazer e revisitar várias coisas de A vida inteira, que saíram de uma forma no estúdio e que ao vivo a gente construiu melhor. E também tem canções dos outros discos. São 18 músicas com uma sonoridade que eu gosto muito e que repassam a carreira. A sonoridade é boa e tem também bons vídeos. Em termos de álbum de inéditas, acho que Cena Beatnik, que é um disco muito denso e bacana. O próprio Relógios de Sol, que veio logo depois, eu gosto muito.  O Amém, também é legal. Acho meio natural que os primeiros sejam os menos admirados pelo próprio artista, pois a gente vai crescendo e vai compondo coisas mais interessantes e mais permanentes. Mas, sobre o Pra viajar…, isso que disse não altera o fato de que não é só o repertório, tem a foto da capa, o momento que este álbum bate lá na memória das pessoas, da juventude em um contexto histórico e político.

EC – E tem uma juventude que nem viveu aquilo e tem nostalgia de algo que não viveu.
Nei –
Eu tô curioso para ver a faixa etária do público do show. Aliás, nós todos que estamos envolvidos na produção do show do Pra viajar estamos curiosos para ver se vai ter muita gente pagando meia. (risos) Porque a gente sabe que muitos, da época, hoje têm mais de 60. (mais risos)

Vivo sempre do mês que vem

EC – E por falar em mais de 60, Nei, tu disseste antes que boa parte da grana pro teu sustento vem dos shows. Tens alguma aposentadoria formal, pensão, fonte de renda que não seja tua arte?
Nei
– Eu vivo sempre do mês que vem. Aposentadoria nenhuma.

EC – Como tem sido a plateia dos teus shows? Existe uma renovação do público?
Nei –
A renovação é parcial, mas existe. Tem um público que me acompanha desde muito tempo, que é da minha faixa etária ou um pouco menos, mas também tem uma outra parte que é mais jovem. Um pessoal de 30, 40 anos. Já, abaixo disso, é bem pouco, mas tem. Tem filhos, tem netos que escutam as músicas e gostam e levam adiante. Muita gente – pais, mães, avôs e avós vêm depois do show me apresentar os mais jovens. A maior parte é de 40 para cima.

EC – O Nei Lisboa de 2023 ainda sustenta a ideia de envelhecer bebendo vinho e olhando a bunda de alguém?
Nei –
Esse é meu projeto de aposentadoria. Algum dia conseguir poder ficar numa beira de praia vivendo isso. Sozinho já não é uma obrigação, mas de acomodar-se com essa ideia se assim tiver de ser. O vinho, no momento não está nos planos imediatos. Parei de beber há 20 anos. Uma época eu pensei, vou só até os 60. Aí, quando chegou perto dos 60, estava tão bom e tão bem resolvido com a situação que joguei a meta pros 70. Vamos ver o que acontece pra ver quando esse vinho vai poder se realizar. Às vezes tenho saudade do uisquinho com água.

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