CULTURA

Racismo-Branquidade: o X da questão

Por Fernanda Oliveira* / Publicado em 10 de setembro de 2015

O termo racismo certamente não é estranho para grande parte das pessoas e, embora se refira a um conceito científico gestado após a II Guerra Mundial, faz parte das retóricas presentes até mesmo nos círculos mais informais. Porém, o mesmo não se aplica à branquidade. Esta é entendida como as práticas que consolidam a identidade branca como a única e a ideal, ou seja, como o padrão, e raramente é problematizada, permanecendo sob o viés da normatividade.

Com o objetivo de problematizar o binômio racismo-branquidade, a Galeria Ecarta está organizando a mostra X, que terá início dia 19 de setembro. Esta relação é fundamental para compreendermos o desenvolvimento e a manutenção do racismo antinegro no Brasil. Informa sobre os traços que estão presentes em diferentes países que vivenciaram a escravidão moderna e ainda hoje atribuem lugares sociais específicos às pessoas de alguma forma identificadas como negras, evocando uma ideia de raça.

Poder, fotografia da série realizada entre 1972 e 1976, durante o Carnaval carioca, é um dos destaques da mostra X

Foto: Carlos Vergara

Poder, fotografia da série realizada entre 1972 e 1976, durante o Carnaval carioca, é um dos destaques da mostra X

Foto: Carlos Vergara

Em se tratando do Rio Grande do Sul é ainda mais urgente problematizarmos a branquidade se objetivamos de fato desconstruir e erradicar o racismo. O senso comum considera normal imaginar este território como desprovido de negros – o mesmo está presente no ideal do gaúcho, o qual não comporta nem os imigrantes alemães e italianos e
tampouco os negros.

Pretos e pardos, nomenclaturas utilizadas pelo IBGE no censo de 2010, somam 16,2% da população gaúcha. Porém, mesmo nos meios acadêmicos a invisibilidade social e simbólica dos negros, perspectiva desenvolvida pelo antropólogo Ruben Oliven, é uma premissa que passou a ser desconstruída com maior ênfase no século 21. Esta perspectiva é fundamental para entendermos, em parte, a afirmação de que no Brasil o racismo é estrutural e institucionalizado, conforme declaração da ONU em setembro de 2014.

O estado sulino consolidou-se sobre o ideal da branquidade e até a atualidade é onsiderado normal imaginar a identidade regional e sua população como exclusivamente branca (o mesmo pode ser percebido para os países fronteiriços ao estado). Porém, muitas são as experiências coletivas que auxiliam a visualizar a presença de negros e, infelizmente, o racismo enfrentado por essas pessoas. É possível oferecer alguns exemplos de experiências que marcaram o século 20: clubes sociais negros; jornais/revistas voltados ao grupo negro ou à denúncia aberta do racismo; a organização política e educacional Frente Negra Pelotense (1933); Grupo Palmares, que em 1971 reivindicou a data do 20 de novembro como Dia da Consciência Negra, data incorporada enquanto tal etc.

Essas iniciativas negras, com diferentes objetivos, tiveram/têm como traço distintivo a denúncia do racismo e, consequentemente, da desigualdade nas relações sociais. Todas conviveram/convivem cotidianamente com expressões explícitas/veladas de racismo, direcionadas à coletividade negra mesmo quando alcança seus indivíduos de formas aparentemente personalizadas.

Dentre estas podemos recordar o caso envolvendo a torcedora do Grêmio, Patrícia Moreira da Silva, e o então goleiro do Santos, Mário Lúcio Duarte Costa – Aranha; o texto escrito por Paulo Sant’Ana, colunista do jornal Zero Hora, sobre Punta del Leste e a inexistência de negros; os casos de denúncia de racismo vivenciados pelos imigrantes africanos na Serra gaúcha, especialmente haitianos e senegaleses, e, de forma brutal, o assassinato e encarceramento de jovens negros.

Muitos poderiam questionar se estamos frente a um problema do negro na sociedade gaúcha, porém, basta observarmos nossa história para evidenciarmos que foi esta sociedade que criou e manteve um não lugar para o negro, visto que ele é considerado o “outro”, aquele que não se insere nos padrões da identidade gaúcha. O problema não é o negro, e sim a branquidade, a qual sustenta que ser branco é o normal.

“Em se tratando do Rio Grande do Sul é ainda mais urgente problematizarmos a branquidade se estivermos de fato agindo para desconstruir e erradicar o racismo. O senso comum considera normal imaginar este território como desprovido de negros…”

Esta construção permeou a escrita de memorialistas, como Apolinário Porto Alegre, que em 1866 afirmou estar em curso a extinção dos etíopes, terminologia utilizada para identificar os negros, seguido de muito perto por Jorge Salis Goulart em sua escrita sobre a formação do Rio Grande do Sul, em 1933. Nesse sentido, problematizar a branquidade viabiliza a interpretação de importantes traços da identidade sulina, com a qual dialogaram as estratégias gestadas pelos negros enquanto sujeitos de sua história, e poderá nos auxiliar a compreender e a construir uma sociedade que não interprete como normal a configuração de hierarquias raciais – sejam estas explícitas ou não.

Compreender o racismo exige a problematização da branquidade, a qual sustenta a consciência dos sujeitos que compõem a sociedade, e por vezes, mesmo que inconscientemente, se beneficiam de privilégios que corroboram com a manutenção da ideia de raça e, consequentemente, do racismo. Lutar contra o racismo precisa necessariamente passar pela problematização dos privilégios da branquidade.

*Doutoranda em História pela Ufrgs, assessora histórica da mostra X, da Galeria Ecarta.

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