AMBIENTE

Cúpula da Amazônia levará metas de desmatamento dos países da região à COP28

Marco da discussão sobre clima no continente, encontro discute desmatamento, garimpo, proteção dos povos, mercado de carbono e consumo energético
Por Gilson Camargo / Publicado em 8 de agosto de 2023

Foto: Rithyele Dantas/ MIR/ Divulgação

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, reafirmou a meta de regularizar 300 territórios quilombolas até 2026. Em seis meses do atual governo foram cinco. Cúpula deverá unificar políticas socioambientais a serem levadas à Cop28

Foto: Rithyele Dantas/ MIR/ Divulgação

Com a presença de chefes de Estado e representantes dos oito países signatários da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca) e participação de representantes de entidades, movimentos sociais, universidades, centros de pesquisa e agências governamentais de diversos países do continente, a Cúpula da Amazônia foi aberta nesta terça-feira, 8, no Centro de Convenções de Belém, no Pará.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil pretende levar à edição deste ano da Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas (COP 28) uma posição conjunta de países que compõem a Amazônia sul-americana a respeito das questões ambientais.

A COP 28 acontecerá em Dubai, nos Emirados Árabes, entre 30 de novembro e 12 de dezembro. A ideia e encerrar a Cúpula da Amazônia com um documento que expresse uma política unitária em defesa dos países da Amazônia e de nações da África e da Ásia que mantêm florestas em pé para apresentar na COP 28.

Além de Lula, participam da Cúpula da Amazônia os presidentes da Bolívia, Luis Arce; da Colômbia, Gustavo Petro; da Guiana, Mohamed Irfaan Ali; e do Peru, Dina Boluarte. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, cancelou a participação em virtude de uma otite e é representado pela vice-presidente Delcy Rodríguez e pelo ministro das Relações Exteriores, Yván Gil.

O encontro discute até quarta-feira, 9, políticas públicas e temas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, como o combate ao desmatamento e ao garimpo ilegal, proteção de povos originários, mercado de carbono e consumo energético. Além de definir uma meta conjunta para a redução do desmatamento, um dos principais objetivos do evento é fortalecer o Otca, entidade intergovernamental formada pelos oito países amazônicos e criada em 1978.

Missão socioambiental

Cúpula da Amazônia levará metas de desmatamento dos países da região à COP28

Foto: Ricardo Stuckert/ PR

Lula: “Há 14 anos que não nos reuníamos. É a primeira vez num contexto de severo agravamento da crise climática. Nunca foi tão urgente retomar e ampliar essa cooperação”

Foto: Ricardo Stuckert/ PR

Na abertura do encontro, Lula enfatizou que a gravidade da crise climática torna urgentes a retomada e a ampliação da cooperação entre os países da região abrangidos pela Amazônia. Ele reafirmou que a Amazônia é patrimônio comum desses países e lembrou que, desde a assinatura do Tratado, em 1978, os chefes de Estado só se encontraram três vezes, em 1989, em 1992 e em 2009, em Manaus.

“Há 14 anos que não nos reuníamos. É a primeira vez que o fazemos aqui no Pará e a primeira vez num contexto de severo agravamento da crise climática. Nunca foi tão urgente retomar e ampliar essa cooperação. Os desafios da nossa era e as oportunidades que surgem demandam ação conjunta”, conclamou.

Segundo Lula, a reunião de países-membros deve gerar três grandes propostas, incluindo discutir e promover uma nova visão de desenvolvimento sustentável e inclusivo na região, combinando a proteção ambiental com a geração de empregos dignos e a defesa dos direitos de quem vive na Amazônia.

“Precisaremos conciliar a proteção ambiental com a inclusão social, o fomento à ciência tecnológica e a inovação, o estímulo à economia local, o combate ao crime internacional e a valorização dos povos indígenas e de comunidades tradicionais e seus conhecimentos ancestrais.”

Em segundo lugar, disse, estão medidas para o fortalecimento da Otca, classificada por ele como um legado construído ao longo de quase meio século e o único bloco do mundo que nasceu com uma missão socioambiental.

“Finalmente, fortaleceremos o lugar dos países detentores de florestas tropicais na agenda global em temas que vão do enfrentamento à mudança do clima à reforma do sistema financeiro internacional. O fato de estarmos todos juntos aqui, governo, sociedade civil e academia, estados e municípios, parlamentares e lideranças reflete a nossa intenção de trabalhar por esses três grandes objetivos”, projeta.

“São muitas as Amazônias que estão representadas aqui. Da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador, da Guiana, do Peru, do Suriname e da Venezuela. Em seu conjunto, essas Amazônias abrigam muitas outras. Da floresta e das cidades, dos trabalhadores, das mulheres e dos jovens, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, da cultura, da ciência e dos saberes ancestrais”, concluiu Lula.

Marco na discussão sobre o clima

Momentos antes da abertura, às 10h, na capital paranaense, Lula lembrou que mais de 27 mil pessoas participaram dos Diálogos Amazônicos. As discussões prévias ao encontro reuniram representantes de entidades, movimentos sociais, academia, centros de pesquisa e agências governamentais do Brasil e demais países da Amazônia com o objetivo de formular sugestões para a reconstrução de políticas públicas sustentáveis para a região. O resultado desses debates será apresentado na forma de propostas aos chefes de Estado durante a cúpula.

Lula afirmou que a Cúpula da Amazônia se configura em marco na discussão sobre o clima e que servirá para tirar uma posição do bloco a ser apresentada na COP 28.

Metas para a Cop28

“A história da defesa da Amazônia e da floresta, da transição ecológica, vai ter dois momentos: antes e depois desse encontro. Porque esse encontro é a coisa mais forte já feita em defesa da questão do clima”, disse. “A ideia básica é a gente sair daqui preparado para, de forma unificada, todos os países que têm floresta terem uma posição comum nos Emirados Árabes durante a COP28 e mudar a discussão”.

Políticas públicas

A ideia é que os países acolham algumas das propostas recebidas no encontro. Mas cada um tem autonomia para acolher as sugestões que entender melhor para si. No caso do Brasil, o governo já anunciou que criará condições para a sociedade civil acompanhar o andamento das políticas públicas que forem adotadas.

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, afirmou que há, por parte do governo brasileiro, interesse político em criar mecanismos que, com transparência, permitam o acompanhamento, por parte da sociedade civil organizada, da implementação das propostas, bem como para eventuais atualizações que se façam necessárias.

“O acompanhamento do conjunto de propostas do Diálogos Amazônicos, no âmbito do Brasil, será feito pela Secretaria-Geral da Presidência da República, mas tem também vários instrumentos. Por exemplo, o PPA [Plano Plurianual] que está sendo construído. Tem propostas daqui que podem ser incorporadas ao PPA”, afirmou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, durante os eventos dos Diálogos Amazônicos.

Territórios quilombolas

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, reafirmou que a meta do governo federal é regularizar ao menos 300 territórios quilombolas até o fim da atual gestão, em dezembro de 2026.

Ela afirmou que o “acesso ao território é, desde sempre, no nosso país, algo muito grave. É uma luta. Precisamos retomar isto para pensar uma titulação em nível nacional. Se formos comparar, na última gestão, apenas um território quilombola foi titulado, por ordem judicial. Nestes seis meses, já titulamos cinco territórios quilombolas. E nosso objetivo é chegar a 300 até o final do nosso mandato”, disse Anielle.

“Quem sabe da Amazônia, de fato, é quem mora aqui, assim como quem sabe da favela é o favelado”, resumiu a ministra ao afirmar que o governo espera reconstruir junto com a sociedade civil as ações de titulação de terras. “É um sinal de que estamos dialogando e dando passos concretos”, destacou. Anielle lembrou que, em março, foi criado o programa Aquilomba Brasil, como um exemplo de “ação concreta”.

Proposto a partir da ampliação do Programa Brasil Quilombola, de 2007, o Aquilomba Brasil é composto por um conjunto de medidas intersetoriais voltadas à promoção dos direitos da população quilombola, com ênfase em quatro eixos temáticos: acesso à terra, infraestrutura e qualidade de vida; inclusão produtiva; desenvolvimento local e direitos e cidadania. A estimativa do Ministério da Igualdade Racial é que, “orientado por novos objetivos e uma estratégia ampliada de acesso aos direitos”, o programa beneficie, direta ou indiretamente, cerca de 214 mil famílias, com, por exemplo, a titulação de terras e o estímulo à permanência de quilombolas no ensino superior.

“A proposta é levar não só titulação, mas saúde, educação, cultura, vida digna e bem viver para as comunidades quilombolas”, acrescentou a ministra ao mencionar a oportunidade de encontros e de trocas de experiências proporcionado “por esse encontro histórico”.

A ministra adiantou que durante as discussões prévias foi assinado um Acordo de Cooperação Técnica para realizar ações em Marajó, quem tem um dos piores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, “trazendo a pauta quilombola para enfrentar o racismo ambiental”. O pacto foi assinado no dia 4 entre o governo federal e o governo do estado do Pará, como parte do programa Cidadania Marajó, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).

“Oitenta por cento da Amazônia Legal é composta por pessoas negras. Temos um censo que estima que há 1 milhão de pessoas quilombolas no país. E um terço deles está na Amazônia Legal. Por isso, precisamos cada vez mais pensar e pautar (o debate sobre quilombolas). Para isso, vamos criar um comitê, dentro do ministério, para acompanharmos essas pessoas. Além de uma secretaria”, finalizou a ministra.

*Com reportagem da Agência Brasil.

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