AMBIENTE

Bolsonaro promete fim das emissões de gases de efeito estufa até 2050

Em discurso constrangedor na Cúpula do Clima, Bolsonaro afirma que o Brasil seria protagonista na agenda ambiental e citou que o país – conhecido pelo desmatamento – teria feito uma “revolução verde"
Por Gilson Camargo / Publicado em 22 de abril de 2021
Presidente brasileiro leu discurso diante de 40 líderes mundiais sem mencionar retrocessos ambientais

Foto: Mídia Ninja

Presidente brasileiro leu discurso diante de 40 líderes mundiais sem mencionar retrocessos ambientais

Foto: Mídia Ninja

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se comprometeu nesta quinta-feira, 22, a alcançar, até 2050, a neutralidade zero de emissões de gases de efeito estufa no país, antecipando em dez anos a sinalização anterior, prevista no Acordo de Paris.

O presidente brasileiro tentou descolar o país do rótulo de pária ambiental, fazendo afirmações falsas sobre a sua gestão do meio ambiente. Disse que o Brasil é “voz ativa” na construção da agenda ambiental e elogiou a “revolução verde”, que, através de ciência e inovação, teria tornado a agricultura sustentável.

Em 2020, seu governo bloqueou cerca de R$ 60 milhões que seriam destinados ao Ibama e ao ICMBio, entre outros cortes na fiscalização ambiental. Recentemente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi denunciado pelo superintendente da PF, Ricardo Saraiva, de advogar em favor de madeireiros e desmatadores e de sabotar a maior apreensão de madeira ilegal feita pela corporação. Segundo dados do Inpe, houve um aumento de 12,5% no desmatamento em relação a março de 2020, e o maior desde o início da série histórica desde 2015.

Pedalada climática

Governo brasileiro enfrenta processo judicial por aumentar as metas de emissões da contribuições nacionais brasileiras ao Acordo de Paris

Foto: Divulgação

Governo brasileiro enfrenta processo judicial por aumentar as metas de emissões da contribuições nacionais brasileiras ao Acordo de Paris

Foto: Divulgação

Em nota, o Greenpeace apontou as contradições no discurso do presidente brasileiro. “Durante sua fala, Bolsonaro passou boa parte do tempo se vangloriando da posição de liderança do Brasil no debate ambiental por conquistas do passado e, pelo jeito, se esqueceu de falar o que aconteceu desde que assumiu o poder”.

De acordo com a entidade, ele “esqueceu de citar, por exemplo, o aumento do desmatamento e queimadas, o desmonte dos órgãos ambientais, a perseguição a ativistas, povos indígenas e comunidades tradicionais, e o empenho pelo fim das multas contra o crime ambiental, além do processo judicial que enfrenta por aumentar as metas de emissões da contribuições nacionais brasileiras ao Acordo de Paris, uma ação que ficou conhecida como pedalada climática”.

Enquanto promete diálogo com a sociedade civil e povos da floresta, o governo federal puxa e apoia políticas de supressão de direitos indígenas, como o PL191/2020, e exclui a sociedade civil de participação de comissões e governança socioambiental, além de acusar e intimidar organizações da sociedade civil e ativistas, aponta a ONG.

Fabiana Alves, coordenadora da Campanha de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil, chama a atenção para os riscos de um acordo entre Brasil e Estados Unidos que diz sobre uma suposta transferência de recursos para o combate ao desmatamento, e sugere um outro caminho.

“O governo Bolsonaro reafirma acabar com desmatamento ilegal em 2030, e anuncia zerar emissões de carbono em 2050, porém não possui política pública para a contenção do desmatamento. A melhor forma de proteger a Amazônia é defendendo os direitos dos Povos Indígenas e das comunidades tradicionais, que são sistematicamente excluídos das políticas do governo atual”, diz Fabiana.

A estratégia de Biden

Foto: Silke Brockhausen/ONU/ Divulgação

Foto: Silke Brockhausen/ONU/ Divulgação

A Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada pelo presidente norte-americano Joe Biden para reposicionar seu país como articulador internacional e liderança no combate às mudanças climáticas, termina nesta sexta-feira, 23.

O encontro é preparatório à Conferência Climática da ONU, COP 26. Foram convidados 40 líderes mundiais para o encontro com o objetivo de discutir a crise climática, ações coordenadas para combater os impactos sobre o clima e os benefícios econômicos dessas medidas. Também haverá debates sobre as reduções das emissões de gases de efeito estufa, necessárias para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 ºC, uma das metas estabelecidas no Acordo de Paris.

Durante a abertura do evento, Biden também se comprometeu a cortar as emissões de gases de efeito estufa do Estados Unidos entre 50% e 52% até 2030, em comparação aos níveis de 2005. Com a nova meta, espera induzir outros grandes emissores a mostrarem mais ambição no combate à mudança climática. estratégia do presidente norte-americano Joe Biden para reposicionar seu país como articulador internacional e liderança no combate às mudanças climáticas

A cúpula reunirá ainda o fórum das grandes economias sobre energia e clima, que é liderado pelos Estados Unidos e reúne 17 países responsáveis por aproximadamente 80% das emissões globais e da riqueza global. Um pequeno número de líderes empresariais e da sociedade civil também participa do encontro.

Eliminar o desmatamento?

Ricardo Salles visitou o local de apreensão de 204 mil metros cúbicos de madeira em Cachoeira do Aruã, no Pará, numa tentativa de liberar a madeira ilegal para fazendeiros amigos. Ele foi denunciado pelo superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, que foi afastado por Bolsonaro

Foto: Ricardo Salles/ Twitter/ Reprodução

Ricardo Salles visitou o local de apreensão de 204 mil metros cúbicos de madeira em Cachoeira do Aruã, no Pará, numa tentativa de liberar a madeira ilegal para fazendeiros amigos. Ele foi denunciado pelo superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, que foi afastado por Bolsonaro

Foto: Ricardo Salles/ Twitter/ Reprodução

Para zerar a emissão de gases de efeito estufa no prazo de 30 anos, Bolsonaro disse que assumiria o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, “com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. “Com isso, reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data”, afirmou em discurso lido na Cúpula de Líderes sobre o Clima. O presidente norte-americano Joe Biden (Democratas) abandonou a transmissão e só retornou após o término do pronunciamento feito pelo brasileiro.

A neutralidade zero (ou emissões líquidas zero) é alcançada quando todas as emissões de gases de efeito estufa que são causadas pelo homem alcançam o equilíbrio com a remoção desses gases da atmosfera, que acontece, por exemplo, restaurando florestas.

De acordo com Bolsonaro, “como detentor da maior biodiversidade do planeta e potência agroambiental”, nos últimos 15 anos o Brasil evitou a emissão de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera.

As afirmações do mandatário brasileiro provocou espanto entre os líderes mundiais que participavam da transmissão on-line. Afinal, as queimadas que devastaram a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado, o avanço do garimpo ilegal, o desmatamento que atingiu recordes durante o governo Bolsonaro e a agenda antiambiental do brasileiro são bem conhecidas pela comunidade internacional.

Durante o discurso, além de definir “metas e compromissos”, o presidente apontou as “iniciativas realizadas pelo Brasil para a preservação do meio ambiente”, como projetos nas áreas de geração de energia limpa e de desenvolvimento tecnológico na agricultura. “O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo. No presente, respondemos por menos de 3% das emissões globais anuais”, disse.

Bolsonaro condicionou as metas de desmatamento à exploração “sustentável” da região amazônica e repetiu afirmações já feitas internamente de que “é a mais rica do país em recursos naturais, mas que apresenta os piores índices de desenvolvimento humano”. Mencionou ideias como “governança da terra” e valorização da floresta e da biodiversidade para contemplar “os interesses” de “indígenas e comunidades tradicionais” e citou o envolvimento da iniciativa privada e recursos financeiros de outros países.

Cheque em branco

Foto: Christian Braga / Greenpeace

Foto: Christian Braga / Greenpeace

O que está em jogo na cúpula do clima é a negociação de uma transferência de recursos bilionários dos EUA para conter o desmatamento no Brasil.

O acordo não oferece qualquer garantia de que o dinheiro será mesmo destinado à proteção das florestas, o que pode colocar o governo norte-americano na incômoda posição de cúmplice da destruição ambiental promovida por Bolsonaro.

Alerta nesse sentido foi formalizado por um grupo de 200 organizações, entre as quais o Greenpeace, que enviou carta a John Kerry, o enviado especial dos EUA para o clima, pedindo para que o governo Biden não assine um “cheque em branco” com a administração de Bolsonaro.

Desde 2019, o governo brasileiro deixou de gastar 500 milhões de dólares do Fundo Amazônia e 96,5 milhões de dólares do Fundo Verde pelo Clima, os quais poderiam estar sendo utilizados para a proteção das florestas e das populações indígenas e de pequenos proprietários de terras.

No caminho contrário, o pedido de recurso do governo Bolsonaro tem o intuito de ser destinado de maneira indiscriminada a grandes proprietários de terras.

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